'Emagreci 20 quilos durante a gravidez e os médicos não entendiam por quê':

Michelle e o marido, durante o chábebê do filho

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Legenda da foto, Michelle e o marido, durante o chábebê do filho; convidados 'estranhavam a minha aparência, porque eu estava muito mal', conta

"O ganho é diferente para cada gestante. Se uma está com o IMC adequado (IMC 18 a 25), ela pode ganhar11,5 a 16 quilos. Se ela estiver com baixo peso (IMC menor que 18) poderá ganhar até 18 quilos. Entretanto, as gestantes com sobrepeso ou obesas terão que seguir orientação alimentar, pois o ganhopeso é bem menor", explica Silvana Quintana, professora do DepartamentoGinecologia e Obstetrícia da UniversidadeSão PauloRibeirão Preto.

Durante o primeiro trimestre da gestação, pode haver casosque as gestantes percam peso, pois é uma faseque estão com frequentes náuseas e vômitos, características relacionadas aos elevados níveis hormonais próprios da gravidez. Em geral, a perdapeso — que costuma corresponder, nos níveis mais extremos, a 10% do peso pré-gravidez — cessa ao fim dos primeiros três meses.

"A assistência pré-natal é fundamental para o cuidado da saúde materna e fetal. A cada consulta, a gestante é pesada e é avaliado se o ganhopeso está adequado ou não. No casoperdapeso, o médico analisa se há motivo para essa diminuição, como vômitos, diarreia, usomedicamentos que levam a intolerância gástrica etc.", diz Quintana.

Michelle conta que fez o pré-natal adequado e recebia acompanhamento médico. "Todos os problemas que eu tive foram associados pelos médicos à gravidez."

Michelle antes da gravidez

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Michelle antes da gravidez, períodoque perdeu 20 kg

O filho da professora nasceu prematuro. Michelle estava completamente fraca e não conseguia segurar o recém-nascido.

Maisum mês depois, foi a um novo médico, que finalmente a diagnosticou com linfomaHodgkin, câncer no sistema linfático,estágio avançado. "Ele me disse que era um milagre eu e meu filho estarmos vivos."

A gravidez

Desde meados2016, Michelle e o marido, o autônomo Jônatas Biacio,39 anos, tentavam ter um filho. As chances para que a professora conseguisse engravidar eram pequenas,razãoduas doenças que ela possui no útero: endometriose profunda e adenomiose.

A endometriose é uma doença na qual o tecido que reveste o útero, conhecido como endométrio, cresceoutros locais do organismo, como ovários, bexiga ou intestino. Michelle foi diagnosticada com o nível mais grave da doença. Já a adenomiose ocorre quando o endométrio cresce nas fibras musculares da parede uterina.

A professora passou por duas cirurgias para cuidar da endometriose e fez tratamento com hormônio para induzir a ovulação. "Fiz esse tratamento por quatro meses. Muitos resultados deram negativo. Penseidesistir. Masoutubro2017, soube que estava grávida", relata Michelle. "Não há sensação mais incrível. Não há palavras que consigam expressar o sentimentoalegria quando descobri a gestação."

A gravidezMichelle foi consideradarisco, por causa dos problemas no útero. "Desde o início, tive enjoo constante, que não passava. O médico disse que isso seria normal até o quarto mês. Além disso, eu não conseguia comer nada. Até o terceiro mês, emagreci normalmente, mas a partir do quarto passei a emagrecer muito", relata.

Perdapeso e problemassaúde

A frequente perdapeso preocupou Michelle. Os problemassaúde se intensificaram. Ela passou a ter dificuldades para caminhar, respirar e precisou se afastar das salasaula — ela é professorasociologia, história e ciências sociais, na rede estadual do Paraná.

Para os médicos que a acompanhavam, poderia ser um casodepressão profunda. "Me encaminharam a cardiologista, endocrinologista, nutricionista e hematologista. Eu fazia acompanhamento semanal. Os médicos me pediam examessangue e, quando chegavam os resultados, falavam que algo não estava normal, mas diziam que era por causa da gravidez."

Michelle no parto do filho

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Michelle no parto do filho: só depois do terceiro mêsquimioterapia ela conseguiu segurar o bebê sem ajuda

"Eu estava completamente fraca. Passava meus dias deitada, junto com um terço e pedindo forças a Deus", conta a professora, que é católica.

As dificuldadesMichelle para se alimentar preocuparam o marido dela. "Eu achava que ela não comia por frescura. Os médicos diziam que ela não tinha nada. Então, ficávamos tentando empurrar comida para ela, pois acreditávamos que fossem enjoos normais da gravidez", diz Jônatas.

A rotina alimentarMichelle se resumia a consumir líquidos. Mesmo com a situaçãoMichelle cada vez pior, os médicos associavam os problemas à depressão e aos enjoos. "Não era normal alguém perder tanto peso assim durante a gestação. Mas ainda assim não tentavam descobrir o que eu tinha. Para eles, era tudo culpa da gestação."

"Desde o início, me preocupeiir atrás dos melhores especialistas da região. Mas nada foi descoberto", explica Michelle. "Em nenhum momento me pediram exames mais aprofundados, que poderiam, ao menos, indicar que havia algo errado comigo."

Silvana Quintana, da USP, ressalta que não é normal que uma gestante perca 20 quilos durante a gravidez. "Mesmopacientes obesas, essa perda é significativa e indica que há alguma inadequação", diz.

'Não tinha forças para segurar meu filho'

Um dos episódios mais difíceis para Michelle durante a gestação foi o chábebê do filho. Na comemoração, que reuniu amigos e familiares, ela conseguiu ficarpé poucas vezes. "As pessoas estranhavam a minha aparência, porque eu estava muito mal. Não tinha forças", relembra.

Michelle com Samuel

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Michelle com Samuel; ela respondeu bem ao tratamento e conseguiu voltar ao trabalho

Cercaduas semanas depois, Michelle passou malcasa e sentiu dores intensas na barriga. No hospital, descobriu que deveria passar por uma cesárea às pressas, no sétimo mêsgestação. "O médico me disse que meu filho estavasofrimento, porque eu estava perdendo muito líquido amniótico."

O pequeno Samuel nasceu saudável,7maio2018. Por ser prematuro, foi encaminhado para uma incubadora, na UTI neonatal. Michelle diz que o parto do filho não foi um momento mágico, como ela esperava.

"Eu estava muito inquieta e nervosa, porque sabia que meu filho estava sofrendo e seria um parto complicado. Além disso, eu não conseguia respirar direito", diz. Ela descobriria, posteriormente, que a dificuldade para respirar era causada por líquido que haviaseu pulmão, uma das consequências do linfoma.

A fraquezaMichelle a impediusegurar o próprio filho depois do parto. "Não tinha forças. As pessoas achavam que era depressão pós-parto, ou que eu era um monstro, mas era porque eu realmente não aguentava ele. Foi muito difícil lidar com essa situação", detalha.

Ela passou sete dias internada após a cesárea. Nesse período, viu o filho poucas vezes. "Passava o dia dormindo. Quando via o meu filho na UTI, não conseguia segurá-lo", relata a professora. Por conta dos problemassaúde, ela não conseguiu amamentar o recém-nascido.

Samuel passou 15 dias internado, mas não teve nenhum problemasaúde. "Ele não precisou,nenhum momento,respirador. A médica falou que o meu filho foi um guerreiro", diz Michelle.

'Quase não havia sangue no meu corpo'

Já Michelle continuava com dores pelo corpo e sem forças, mesmo 40 dias após dar à luz. A aparência dela causava estranheza entre os familiares, que decidiram levá-la com urgência a um novo médico. "Ela continuava muito fraca e a pele estava sem cor", relata o marido da professora.

O novo médico que a atendeu, um clínico-geral, estranhou a história da paciente que perdeu 20 quilos durante a gravidez. "Ele sabia que havia algo errado comigo e me disse que só sossegaria quando descobrisse o que eu realmente tinha", relata. O médico notou diversos linfonodos (caroços) no corpo da paciente e pediu exames mais aprofundados.

Debilitada, Michelle tevereceber transfusão. "Quase não havia sangue no meu corpo", conta.

Células do linfomaHodgkin

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Células do linfomaHodgkin; Michelle demorou a obter um diagnóstico da doença

Dias depois, os exames apontaram que ela estava com linfomaHodgkin, um tipocâncer que surge nos gânglios do sistema linfático — área composta por órgãos e tecidos que produzem as células responsáveis pela imunidade.

Quando o linfoma foi descoberto, já havia atingido membranas ao redor do pulmão e do coraçãoMichelle e a área da axila e da virilha dela. "Eu estava cheianódulos. Também havia muito líquido na região do coração e do pulmão, o que dificultava a minha respiração."

De acordo com o Instituto NacionalCâncer (Inca), no ano passado foram diagnosticados 2.530 casoslinfomaHodgkin no Brasil, sendo 1.480 registradoshomens e 1.050mulheres. Conforme o Datasus,2015, dado mais recente, 562 pessoas morreramdecorrência desse tipocâncer no país.

Michelle foi diagnosticada com o câncerestágio quatro, o mais grave. "Não é possível afirmar quando surgiu exatamente. Mas a demora do diagnóstico fez com que ele fosse descobertoum estágio avançado", conta. "Na sala do médico, quando ele me contou, eu só conseguia chorar com a cabeça baixa. Parecia uma sentençamorte."

"Eu sabia que o câncer tinha cura, mas ela estava muito debilitada e como estavauma fase muito avançada da doença, não sabia se ela ia aguentar o tratamento", diz o marido.

Em meados do ano passado, quase duas semanas depois da descoberta da doença, ela deu início ao tratamento contra o linfoma.

A hematologista Suelen Rodrigues Stallbaum, responsável pelo tratamento dela contra o câncer, relata que a paciente chegou ao consultório dela completamente abalada. "Ela estava com muito medo e um pouco desacreditada, porque durante toda a gestação falaram que aqueles sintomas dela não eram nada."

A médica comenta que poderia haver dificuldades para que os médicos identificassem o linfoma durante a gravidez.

O pequeno Samuel não foi afetado pela doença da mãe. "Como é um câncer no sistema linfático, não costuma passar para a criança. O máximo seria a restriçãoenvionutrientes para o bebê, o que não aconteceu no caso da Michelle", diz a hematologista.

Por seis meses, Michelle fez 20 sessõesquimioterapia. Ela passou diferentes períodos internada. "A primeira quimioterapia foi a mais difícil. Eu estava muito fraca e sofri muito", relembra. A partir do segundo mês, o cabelo começou a cair. Mas, durante o terceiro mêsquimioterapia, Michelle viveu seu momento "mais especial" até então; ela conseguiu segurar o filho no colo pela primeira vez, sem precisarajuda. "Foi uma sensação única."

Em fevereiro, ela concluiu as sessõesquimioterapia, e o tratamento foi considerado um sucesso. Pelos próximos cinco anos, a professora fará acompanhamento constante para avaliar possível recidiva da doença. "Somente podemos dizer que ela estará curada após esse período."

Para Michelle, tudo o que viveu desde a gestação pode serviralerta para outras pessoas. "Descobri que é fundamental buscar respostas quando o organismo não está agindoforma correta. As pessoas precisam ir atrásprofissionais que realmente cuidem delas e que elas sintam que queiram ajudá-las."

Línea

Crédito, Getty Images

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