Em 5 pontos, os fatos e as lacunas do caso Marielle:
Reportagem atualizada às 17h30/10.
Com uma sériereveses, a investigação do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista dela, Anderson Gomes, ocorridomarço2018, se arrasta há um ano e meio. Duas pessoas foram acusadasterem executado o crime, mas ainda não se sabe o motivo e, ainda que haja suspeitas, não está claro quem seriam os mandantes.
As informações mais recentes da investigação revelam tentativasimpedir que ela avance. Em setembro, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge denunciou o conselheiro afastado do TribunalContas do Estado do RioJaneiro (TCE/RJ) Domingos Brazão e outras quatro pessoas por tentarem interferir no processo investigativo. As autoridades suspeitam que ele seja o "autor intelectual" dos assassinatos.
Em outubro, a Polícia Civil do Rio prendeu três pessoas suspeitasesconder as armas usadas pelos assassinos; entre elas, pode estar a submetralhadora HK MP5, usada no crime. A arma utilizada para executar Marielle e Anderson até hoje não foi encontrada pelos investigadores. As defesas dos acusados não foram encontradas pela reportagem, mas sabe-se que os advogados que os representam disseram no passado à imprensa que seus clientes negam envolvimento no crime.
A última reviravolta ocorreu nesta terça-feira (29). Em depoimento revelado pela TV Globo, um porteiro do condomínio onde mora o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou à Polícia Civil do RioJaneiro que um dos homens apontados como autores do assassinato foi ao conjuntocasas no dia do crime. Ali, afirmou que iria à casa do presidente, e alguém na residênciaBolsonaro autorizouentrada pelo interfone, segundo a testemunha. De acordo com a reportagem, o porteiro teria dito que foi uma vozhomem e que teria reconhecido a voz do "Seu Jair".
O advogado do presidente da República, Frederick Wassef, disse que é impossível Bolsonaro ter falado ao interfone — o então deputado federal estariaBrasília no dia da morteMarielle, conforme registrovotações da Câmara dos Deputados e vídeos postados por Bolsonaro nas redes sociais.
Na tarde desta quarta-feira, a revista Veja publicou que a procuradora do Ministério Público Simone Sibilio, chefe do GrupoAtuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO), afirmou que o porteiro mentiuseu depoimento.
Quem teria autorizado a entradaÉlcio Queiroz no condomínio do presidente seria Ronnie Lessa, suspeitoter feito os disparos,acordo com a procuradora.
A BBC News Brasil preparou uma linha do tempo que mostra os principais fatos, tropeços, incógnitas e desdobramentos da investigação.
Marielle e Anderson são assassinados
Marielle voltava para casa, no dia 14março2018, após um evento com jovens negras organizado pelo seu partido. No carro estavam o motorista, Anderson Gomes, e a assessoraMarielle.
Os investigadores dizem que os assassinos sabiam onde Marielle estaria e tinham informações sobre o carro que a levava.
A polícia reconstituiu, por meioimagenscâmerasrua, a viagemcercauma hora feita pelo carro dos suspeitos, da Barra da Tijuca até o endereço onde estava Marielle.
Ao chegarem ao endereço, os suspeitos esperaram por duas horas, até que Marielle deixou o local.
Os assassinos, a bordoum Cobalt, seguiram o carroque estava a vereadora e a alguns quilômetros dali, no Largo do Estácio, região central, emparelharam o seu veículo ao que levava Marielle e efetuaram os disparos, que atingiram Marielle e Anderson.
A origem do Cobalt prata usado pelos acusados ainda é um mistério. A placa do carro tinha sido clonada, e o veículo registrado sob a numeração original foi encontrado na Zona Sul do Rio, estacionado na garagemuma cuidadoraidosos.
De acordo com o MP-RJ, a investigação mostrou que o Cobalt já circulava pelo RioJaneiro desde 2016.
Imagenscâmerasegurança mostraram que o carro estava na Barra da Tijuca horas antes do crime. Sua identificação foi possível por características do veículo, como um "defeito traseiro inconfundível".
Mas ainda não se sabeonde o Cobalt veio nem o percurso que realizou após o assassinato.
1. Fragilidades da investigação são expostas
Nos dias seguintes ao crime, autoridades deram declarações desencontradas sobre o caso, surgiram sinaisprecariedade na investigação eenvolvimentoagentessegurançatentativaobstruí-la.
A polícia identificou que uma submetralhadora HK MP5,origem alemã e calibre 9mm, foi empregada no crime. Trata-seuma armauso restrito no Brasil, utilizadas por forças especiais.
Cinco unidadessubmetralhadoras deste modelo teriam desaparecido do arsenal da Polícia Civil, algo que foi identificadoum recadastramento feito2011.
Porvez, as balas usadas eram do lote UZZ18, vendido à Polícia Federal2006 e ligado a outros crimes. Raul Jungmann, então ministroSegurança Pública, disse logo após o assassinatoMarielle e Anderson que a munição foi roubada "anos atrás" na sede dos Correios na Paraíba. Os Correios afirmaram não ter registro disso.
As investigações não revelaram até o momento quem estaria por trás destes desviosmunição e armas.
A pedido da PGR, a Polícia Federal instaurou,novembro2018, uma "investigação da investigação" do caso Marielle. Havia a suspeitaque agentes do Estado estariam atuando para obstruir a elucidação do crime.
Segundo disse à época o então ministro da Segurança Pública, essa segunda apuração foi criada após depoimentos ao Ministério Público Federal darem contaque havia "uma organização criminosa envolvendo agentes públicosdiversos órgãos, organização criminosa e a contravenção para impedir, para obstruir, para desviar a elucidação dos homicídiosMarielle e do Anderson Gomes".
Jungmann já havia afirmadoagosto que o envolvimentoagentes do Estado epolíticos no crime dificultava seu esclarecimento.
Em maio, uma reportagem da TV Record apontou que o carroque estavam Marielle e Anderson havia sido deixado no pátio da delegacia sem cuidados especiais para a preservaçãoprovas e que os corpos das vítimas não passaram por raio-x porque o Estado estaria sem equipamento.
Aindamarço, o site G1 mostrou que cinco das onze câmeras que ficam no trajeto percorrido pelos assassinosMarielle e Anderson estavam apagadas naquela noite. Elas teriam sido desligadas entre 24 a 48 horas antes do crime.
Apesarter sido um dos principais desdobramentos do início da investigação, a Polícia Civil descarta agora que este fato tenha relação com o homicídio.
O delegado Giniton Lages, então responsável pelo caso, afirmou não haver qualquer prova que indique que agentes públicos teriam desligado os aparelhos propositalmente, para proteger os criminosos.
Em abril, a repórter Vera Araújo, do jornal O Globo, encontrou duas testemunhas do crime que não haviam sido ouvidas pela polícia.
Alguns meses depois,agosto, o Ministério Público trocou a equipe que investiga o caso e incluiu um grupo especializadomilícias.
2. Acusadosapertar o gatilho são presos
Em março2019, um ano após as mortes, a Polícia Civil do RioJaneiro e o Ministério Público do Estado anunciaram a prisãodois acusados.
O policial militar reformado Ronnie Lessa,48 anos, e o ex-policial militar Élcio VieiraQueiroz,46, foram denunciados pelos crimeshomicídio qualificadoMarielle e Anderson e por tentativahomicídioFernanda Chaves, assessoraMarielle, que sobreviveu ao ataque.
Segundo os investigadores, Lessa efetuou os disparos contra Marielle e Anderson, enquanto Queiroz dirigiu o Cobalt usado durante o ataque.
O Ministério Público denunciou os acusados afirmando que teriam agido por "motivo torpe". O órgão afirma que Lessa a teria matado porque tinha "repulsa" contraatuaçãodefesaminorias, como disseentrevista coletiva na tarde desta terça-feira a promotora Simone Sibilio, coordenadora do GrupoAtuação EspecialCombate ao Crime Organizado (Gaeco).
Já a Polícia Civil diz que não sabe qual foi a motivação para o crime, mas também afirma que Lessa demonstrava ter "ódio" e "obsessão" por personalidades que militamcausas associadas à esquerda, como era o casoMarielle.
Em entrevista coletiva, Giniton Lages, chefe da DelegaciaHomicídios da Capital, que era naquele momento responsável pela investigação, disse que os autores dos assassinatos cometeram "um crime perfeito", o que fez os investigadores concentrarematençãopessoas que teriam a capacidade técnicacometê-lo.
"Esses crimes foram planejados e executados por pessoas que tinham conhecimento do sistemainvestigação eJustiça", diz uma das promotoras responsáveis pelo caso, Leticia Emile Alquebres Petriz.
Lessa, acusadoefetuar os disparos, é policial reformado. Também trabalhou na Polícia Civil e foi membro do BatalhãoOperações Especiais da PM (Bope), segundo Lages. Porexperiência, avalia o delegado, era capazcometer um crime sofisticado.
Durante a investigação, diz Lages, observou-se que Lessa tem "obsessão por personalidades que militam à esquerda". "Numa análise do perfil dele, você percebe ódio e desejomorte, você percebe alguém capazresolver diferenças dessa forma (matando)", diz o delegado.
Ainda que a Polícia Civil não tenha afirmado categoricamente qual foi a razão para o crime, o delegado a descreve como "motivo torpe", como também o descreve a denúncia do Ministério Público.
A investigação foi feita com a quebradados do celularLessa. Segundo o delegado, ele fazia buscas por informações ligadas a Marcelo Freixo e também ao general Richard Nunes, então secretárioSegurança Pública do Rio.
Segundo o delegado, a confirmaçãoquefato era Lessa no carro foi possível por métodos que não serão divulgados.
A promotora Elise Fraga, da CoordenadoriaSegurança e Inteligência (CSI) do MPRJ, apontou um dos elementos. Disse que imagens do braço direito do atirador são compatíveis com as do braçoLessa - ambas mostram uma tatuagem.
O sargento reformado Lessa ingressou na Polícia Militar1991 e, a partirjaneiro2003, passou a atuar na Polícia Civil como adido, cargo no qual permaneceu até 2010, quando sofreu um atentado que o afastou definitivamente da atividade policial.
Segundo o MP, não há provas contundentesseu envolvimento com milícias, mas isso ainda está sendo investigado. O órgão afirma, no entanto, que ele é suspeitoter cometido homicídios ligados à contravenção (jogo do bicho).
Segundo a Polícia Militar, o ex- sargento Queiroz, que seria o motorista do carro, foi expulso dos quadros da corporação2015, após conclusão do ConselhoDisciplina instaurado pela Corregedoria. O Conselho foi instauradofunção do envolvimento do ex-policialatividade ilegalexploraçãojogosazar.
De acordo com o MP, ele é amigoLessa.
A polícia não descarta a possibilidadeque houvesse uma terceira pessoa no veículo, algo que será avaliado na próxima etapa da investigação. Já o MP negou que houvesse uma terceira pessoa ali,outra divergência entre os dois órgãos.
3. Surgem possíveis suspeitosarquitetar o crime
Em setembro, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge denunciou o conselheiro afastado do TribunalContas do Estado do RioJaneiro (TCE/RJ) Domingos Brazão e outras quatro pessoas por tentarem interferir no processo investigatório. As autoridades suspeitam que ele seja o "autor intelectual" dos assassinatos.
Ainda não está claro qual seria a relação entre Brazão e os acusadosexecutar o crime. Tampouco se sabe qual seria a motivação dele para desejar a morte da vereadora.
Segundo a denúncia, Brazão se beneficiou do cargo que tinha para interferir na investigação, cooptando pessoas a darem depoimentos falsos. Sua intenção seria desviar o curso da apuração da Polícia Civil para longesi edireção ao miliciano Orlando Oliveira Araújo, conhecido como OrlandoCuricica, e o vereador Marcelo Moraes Siciliano, o primeiro como executor e o segundo como mandante, o quefato aconteceu por um tempo. Siciliano e Brazão disputam controle político na zona oeste do Rio.
Segundo a PGR, Curicica, que está preso, disse que sofreu pressão da Polícia Civil do Rio para assumir a autoria do assassinato da vereadora eseu motorista e que, ao negar que faria isso, passou a sofrer represálias.
AlémBrazão, foram denunciados também um delegado federal, uma advogada, um policial militar e um policial federal aposentado, que era assessorBrazão no TribunalContas do Rio. A PGR pede a condenação pelos crimesfalsidade ideológica, favorecimento pessoal eobstrução da Justiça.
A denúncia foi feita com base no relatóriouma investigação da Polícia Federal, que corria paralelamente à da Polícia Civil.
A PGR diz que esse relatório indica, com basedepoimentos, interceptações, busca e apreensões e análiseconversas via WhatsApp, que Brazão é o principal suspeitoser o mentor dos assassinatos.
O relatório sugere ainda que Brazão teria ligação com o chamado "Escritório do Crime", grupomilicianos matadoresaluguel que têmbaseRio das Pedras, favela na zona oeste da cidade, e que a investigação desse vínculo vem sendo dificultada pelo fatoo grupo ter ligações com membros da Polícia Civil.
4. Prisões por atrapalhar investigação
Em outubro, a Polícia Civil do Rio prendeu quatro pessoas suspeitasesconder as armas usadas pelos assassinos; entre elas, pode estar a submetralhadora HK MP5, usada no crime. A arma utilizada para executar Marielle e Anderson até hoje não foi encontrada pelos investigadores.
Foram detidos Elaine Pereira Figueiredo Lessa, mulherRonnie Lessa, acusadoexecutar o assassinato, seu irmão, Bruno Pereira Figueiredo, José Márcio Mantovano, conhecido como "Márcio Gordo", e Josinaldo Lucas Freitas, conhecido como "Djaca".
Segundo denúncia do Ministério Público, no dia seguinte à prisãoRonnie, eles agiram para retirar pertences do suspeitoseu apartamento e jogá-los no mar.
5. Porteiro aponta ligação entre acusadomorte e presidente Bolsonaro
Veio à tona nesta terça-feira (29) o depoimentouma testemunha que aponta um elo entre um dos acusados do assassinatoMarielle Franco eAnderson Gomes e o presidente Jair Bolsonaro.
As informações foram divulgadas pelo Jornal Nacional, da TV Globo.
Segundo a emissora, um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, afirmou à Polícia Civil do RioJaneiro que no dia do assassinato um dos suspeitos do crime dirigiu até o condomínio, horas antes do crime.
Ao porteiro, o ex-policial-militar Élcio VieiraQueiroz disse que iria à casanúmero 58 — imóvel que pertence ao presidente.
O funcionário do condomínio então ligou para a casa 58 para confirmar se o visitante poderia entrar, e alguém na residência autorizou a entrada do veículo, um Renault Logan. Em dois depoimentos à Polícia Civil do Rio, o porteiro disse ter reconhecido a vozquem atendeu como sendo a do "Seu Jair", segundo o Jornal Nacional.
Uma vez dentro do condomínio, Élcio não foi à casaBolsonaro, segundo o porteiro: ele dirigiu até o imóvel 66. É onde mora Ronnie Lessa, acusadofazer os disparos que mataram Marielle e Anderson.
Segundo a reportagem do JN, como o porteiro teria acompanhado a movimentação do carro pelas câmerassegurança do condomínio, depois da entradaÉlcio, percebeu que o veículo tinha ido para a casaRonnie, e não para aBolsonaro, e decidiu ligar novamente para o imóvel do presidente. Na segunda ligação, um homem que o porteiro disse acreditar ser o "Seu Jair" disse saber para onde o carro estava indo.
Nesta quarta-feira, Carlos Bolsonaro, filho do presidente, publicou no Twitter vídeo que diz mostrar o registroligações recebidas pelo condomínio. Segundo ele, "os horários (das ligações) não batem com a revelação feita pelo Jornal Nacional" — ele afirma que a ligação das 17h13 foi não para a casaJair Bolsonaro, mas sim para uma residêncianúmero 65,que se anuncia a chegadaum homem chamado Élcio.
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A citação a Bolsonaro poderá levar a investigação sobre os assassinatos para o Supremo Tribunal Federal (STF), pois o presidente possui o chamado foro privilegiado. Mas, à FolhaS. Paulo, o procurador-geral da República Augusto Aras afirmou que o episódio é um "factoide" e que remeterá ao Ministério Público Federal pedido feito pelo ministro Sergio Moro para que se investiguem as circunstâncias do depoimento do porteiro do condomínio.
Mais cedo, o advogado do Presidente da República, Frederick Wassef, disse que é impossível Bolsonaro ter falado ao interfone — o presidente estariaBrasília no dia da morteMarielle, conforme registrovotações da Câmara dos Deputados e vídeos postados por Bolsonaro nas redes sociais.
Pessoas ligadas à investigação disseram ao Jornal Nacional que Élcio e Ronnie deixaram o condomínio minutos depois da entrada do primeiro; mas estavam no carroRonnie. Em seguida, embarcaram no carro usado no crime num local próximo ao condomínio.
No entanto, na tarde desta quarta-feira, 30outubro, a revista Veja publicou que a procuradora do Ministério Público Simone Sibilio, chefe do GrupoAtuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO), afirmou que o porteiro mentiuseu depoimento.
Quem teria autorizado a entradaÉlcio Queiroz no condomínio do presidente seria Ronnie Lessa, suspeitoter feito os disparos,acordo com a procuradora.
De acordo com a Veja, o porteiro prestou dois depoimentos. No primeiro, teria dito que ligou para casaBolsonaro. No segundo, ao ser confrontado com registroáudio da chamada feita no horário informado, manteveversão, mas os investigadores colocamquestãoveracidade.
"O porteiro mentiu, e isso está provado por prova técnica", afirmou Simone Sibilio, segundo a revista.
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