'Tiraram minha mãe grávida e meu paibrazino777 plataformamim aos 2 anos': o relatobrazino777 plataformauma vítima do governo Pinochet:brazino777 plataforma
Em 29brazino777 plataformaabril, quatro membrosbrazino777 plataformasua família foram detidos durante uma operação da agênciabrazino777 plataformainteligência chilena.
O pequeno Luis Emilio era um deles e foi o único que não desapareceu.
Até hoje, ele tenta reconstruir o que aconteceu naquele dia e descobrir qual foi o destinobrazino777 plataformaseus pais, do seu tio e do seu avô, que também sumiu após ir atrásbrazino777 plataformarespostas sobre onde estavam seus filhos e nora. Sua avó se transformoubrazino777 plataformauma das principais ativistas por direitos humanos do Chile. Ana González morreubrazino777 plataforma26brazino777 plataformaoutubro.
Eles estão entre as cercabrazino777 plataforma40 mil vítimas - entre presos políticos, torturados e mortos - da ditadura militar no Chile, que se estendeu entre 1973 e 1990, sob o governobrazino777 plataformaAugusto Pinochet.
Por anos, Luis Emilio tem falado com testemunhas, lido arquivos, buscado pistasbrazino777 plataformafotos. Esses relatos ajudaram que ele reconstituísse parte do que ocorreu. Mas ainda se vê diantebrazino777 plataformalacunas.
Em um doloroso depoimento dado embrazino777 plataformacasa na Suécia, onde vive desde 1984, Luis Emilio abre seu passado e suas memórias à BBC News Mundo, o serviçobrazino777 plataformaespanhol da BBC.
Ele afirma que vai lutar até morrer para descobrir quem matou seus pais.
O dia dos desaparecimentos
Em 29brazino777 plataformaabrilbrazino777 plataforma1976, Nalvia Mena Alvarado, que tinha 21 anos, saiu com seu único filho, Luis Emilio, para encontrar o maridobrazino777 plataformaseu escritório.
Luis Emilio Recabarren, o pai, tinha 29 anos e trabalhavabrazino777 plataformaum bairro no centrobrazino777 plataformaSantiago.
No caminhobrazino777 plataformavolta, a família se encontrou com um dos irmãos do pai, Manuel Guillermo, e os quatro seguiram juntos para a casa dos avós paternos, Ana González e Manuel Recabarren.
Desde seu nascimento, "Puntito", como Luis Emilio era carinhosamente chamado, viveu com seus pais e avós naquela casa.
"Nos capturaram ao descermos do ônibus", diz o filho.
"Chegando no pontobrazino777 plataformaônibus 16brazino777 plataformaSanta Rosa, havia uma operação com três carros estacionados. Eles estavam nos esperando."
"Quando meu pai viu que eles pegaram minha mãe, que também estavam comigo, tentou reagir. Mas eles o golpearam no estômago com um fuzil. Depois nos colocarambrazino777 plataformaum dos veículos e os três carros saíram às pressas."
O abandono
No mesmo dia da detenção, Luis foi separadobrazino777 plataformaseus pais.
Em determinado momento alguém o colocoubrazino777 plataformaum veículo preto e o deixou a um quarteirão da casabrazino777 plataformaseus avós paternos.
"Me deixou na ruabrazino777 plataformapleno toquebrazino777 plataformarecolher." Uma vizinha me ouviu chorar, olhou para fora e disse: "É Puntito!". Ela saiu, me pegou e me levou para a minha avó.
No dia seguinte,brazino777 plataforma30brazino777 plataformaabril, seu avô paterno saiu muito cedo para procurar seus filhos ebrazino777 plataformanora.
Ele nunca mais voltou. Também desapareceu.
Desesperada,brazino777 plataformaavó Ana González foi procurar a mãebrazino777 plataformaNalvia, Ernestina Alvarado, para contar o que havia acontecido.
Assim começou a busca incansávelbrazino777 plataformasuas avós por seus pais, seu avô e seu tio.
O silêncio
Depoisbrazino777 plataformaser levado para casa, "Puntito" ficou um mês sem conseguir falar.
Sua educação ficou a cargobrazino777 plataformasua avó materna, Ernestina. Ana, a avó paterna, a visitava com frequência e se tornou uma figura constante e amada embrazino777 plataformavida.
"Eu adormecia chorando todas as noites", diz ele.
"Sentia saudade dos meus pais. Eles me davam muito amor. Eu sentia que aquela não era minha casa, que devia estarbrazino777 plataformaoutro lugar, que aquilo era temporário, por isso pensava que não devia incomodar. Dizia para mim mesmo: 'Devo comer toda a comida, devo me comportar'."
Ele confessa que, apesar do amor que recebia dos entes queridos, se sentia órfão e houve vezesbrazino777 plataformaque tentou fugirbrazino777 plataformacasa.
Seus parentes nunca tentaram disfarçar o que havia acontecido com seus pais.
"Todo o tempo eles estiveram com a verdade crua, real, sem esconder nada, com o objetivobrazino777 plataformaprocessá-la."
'O que minha mãe fez para que me libertassem?'
Quando aprendeu a ler, ele tentou entender o que ouvia forabrazino777 plataformacasa sobre as brutais torturas e os abusos do governo.
Ele começou a se perguntar: "Será que isso aconteceu com minha mãe? Eles a torturaram? Deram choques elétricos no meu pai, no meu avô, no meu tio? O que aconteceu com eles nos últimos momentos?"
E surgiram perguntas muito fortes que o intrigam até hoje:
"Por que eu sobrevivi?"
"O que eles fizeram para que me libertassem?"
"O que minha mãe fez para que me deixassem?"
"Naquela época eles também matavam crianças."
Então, através dos depoimentosbrazino777 plataformatestemunhas "se soube que eles foram levados para o campobrazino777 plataformatorturabrazino777 plataforma(Villa) Grimaldi e depois transferidos para outros lugares. Aí o rastro deles se perdeu. Alguns dizem que os mataram e os jogaram no mar" .
A decisãobrazino777 plataformapartir
Sob o abrigobrazino777 plataformaum setor "solidário" da Igreja Católica, suas avós e outras mães e familiares dos desaparecidos começaram a se reunir.
Assim, deram vida à emblemática Associação dos Familiares dos Detidos Desaparecidos (AFDD).
Ana e Ernestina levavam Luis aos encontros e lá ele era feliz com outras crianças que estavam passando por tragédias parecidas, mas sobre as quais não conversavam. Eles só queriam brincar.
"Corríamos pelos corredores e pátios da Vicaríabrazino777 plataformala Solidaridad (uma comissão especial criada para ajudar os chilenos que, como resultado dos eventos políticos da época, estavambrazino777 plataformaséria necessidade econômica ou pessoal), que ficava no centrobrazino777 plataformaSantiago. Me sentia especial quando me levavam para lá."
Mas a horabrazino777 plataformadeixar o Chile havia chegado. Ele tinha 11 anos.
"No finalbrazino777 plataforma1984, quando minha família materna (também) foi destruída, meus outros tios foram levados para camposbrazino777 plataformadetenção e foram torturados", diz ele.
Sua avó materna Ernestina não viu outra opção senão levar ele e as outras netas para a Suécia.
'E se eles aparecerem?'
Ernestina começou a prepará-lo para a partida. Falou da Suécia,brazino777 plataformasuas florestas,brazino777 plataformaseus parques,brazino777 plataformasua social-democracia,brazino777 plataformaseus direitos civis.
E isso, mais a experiênciabrazino777 plataformaentrarbrazino777 plataformaum avião pela primeira vez, o deixou entusiasmado, mas outra pergunta surgiu:
"E se meus pais aparecerem? Eu tenho que estar aqui, senão eles não vão me encontrar", diz ele.
"Eu pensava, sonhava que eles voltariam e queria estar lá quando isso acontecesse."
Mas eles se foram.
'Vou lhe trazer um presente'
Luis Emilio fica com a voz embargada quando descreve o momentobrazino777 plataformaque teve que se despedirbrazino777 plataforma"um amigobrazino777 plataformaalma", um menino que morava na vizinhança.
"Eu prometi a ele, Sérgio, que eu iria voltar..."
Essa frase é seguida por silêncio.
"E..."
Mais silêncio.
"Eu disse a ele: 'Eu prometo voltar ao Chile e vou lhe trazer um presente'. Nós choramos muito até nos despedirmos."
No caminho para o aeroporto, ele se lembra "da tremenda dorbrazino777 plataformadeixar parentes que tentaram compensar o desaparecimento (dos pais) com muito amor".
"Era a tristezabrazino777 plataformaabandonar meu país, (...)brazino777 plataformasaber que teria apenas uma avó", diz ele.
Suécia
Na nação europeia, uma nova vida começou, embora com a mesma dor.
"Eu continuava adormecendo chorando. Em silêncio, para não incomodar".
"Era um luto eterno, mas eu tentava estudar, aprender o idioma, comecei aulasbrazino777 plataformanatação, praticava esportes."
Ele conta quebrazino777 plataformaEstocolmo já havia uma comunidade chilena que sabia quem ele era.
"Era o meu povo, minha gente, recebi um carinho enorme. Os pais sabiam da história, mas seus filhos, não."
Um irmão
"Quando você era criança, alguma vez chegou a pensar que poderia ter tido um irmãozinho ou uma irmãzinha e que eles também o levaram embora?", a equipe da BBC perguntou a ele.
"O tempo inteiro, o tempo inteiro", disse.
E com a voz embargada, continuou: "Me dei contabrazino777 plataformaque essa pitadabrazino777 plataformaesperança, que continuava crescendo, não estava me deixando viver, não estava me deixando pensar".
"Quando criança, pensava com esperança: 'Talvez eu tenha um irmão'. Na Suécia, eu cresci com minhas primas, então me perguntava: 'Será que tenho um irmão, uma irmã?'"
À noite, quando ele dormia, sonhava com os pais.
"Sonhava que abraçava minha mãe pela cintura."
Quando completou 29 anos, a idadebrazino777 plataformaque seu pai desaparecera, ele se perguntava como teria sido o relacionamento com ele se nada tivesse acontecido: "Seríamos bons amigos?".
"Os amigos dos meus pais me dizem que eu me pareço muito com minha mãe e que também tenho um pouco do meu pai."
A vingança que não chegou
"Você se lembra quando percebeu que não veria seus paisbrazino777 plataformanovo?", perguntamos a ele.
"Foi um longo processo", responde, "que chegou ao fim na Suécia".
"Quando chorava à noite, comecei a aceitar que eles haviam desaparecido para sempre e a pensar que foram assassinados, que haviam sido jogados no mar. Que passaram por coisas cruéis."
"Lutava contra mim mesmo e me dizia: 'Eu tenho que me vingar, tenho que ser um guerrilheiro, tenho que encontrar os culpados'."
Quando contou isso à avó, ela ficou furiosa e disse:
"Não, não, não! É isso o que eles querem, que o ódio consuma você e você não vai poder comemorar o fatobrazino777 plataformaser o sobrevivente dos seus pais. E você tem que contar, tem que contar o que aconteceu."
Pouco a pouco,brazino777 plataformaplena adolescência, ele "entendeu" que "agora eles estavambrazino777 plataformapaz".
"E que eu tinha que encontrar meu centro, meu equilíbrio, para poder ter uma vida."
A partir dessa perspectivabrazino777 plataformaamor e buscabrazino777 plataformajustiça que suas avós incutiram nele, ele decidiu encararbrazino777 plataformavida.
Ele também a enfrentou com algobrazino777 plataformaque seus pais gostavam: arte, música e balé. Ele estudou na Royal Swedish Ballet School, tornou-se dançarino profissional e fez apresentaçõesbrazino777 plataformavários países.
A reconstrução dos fatos
Luis Emilio sabe alguns detalhes do que aconteceubrazino777 plataforma29brazino777 plataformaabrilbrazino777 plataforma1976 porque houve várias testemunhas nas fasesbrazino777 plataformaprisão e desaparecimentobrazino777 plataformaseus pais e tio.
"Isso é o que você lê nos depoimentos que foram colhidos e no que diz o relatório Rettig, que compila cada caso", diz ele.
O Relatório Rettig foi elaborado pela Comissão da Verdade e Reconciliação, um órgão criado com a chegada da democracia para investigar as violações dos direitos humanos durante a erabrazino777 plataformaPinochet.
Em 1991, esse relatório, que contabilizava apenas desaparecimentos e execuções, reconheceu 2.279 mortes nas mãosbrazino777 plataformaagentes do Estado.
Uma lembrança 'muito forte'
Mas além do que leu, investigou e do que lhe foi dito, Luis afirma que, apesarbrazino777 plataformasua pouca idade na época, há algobrazino777 plataformaque se recorda do diabrazino777 plataformaque viu seus pais e seu tio pela última vez.
E ele conseguiu lembrar depoisbrazino777 plataformareceber ajuda psicológica focadabrazino777 plataformapessoas com estresse pós-traumático crônico na Cruz Vermelha Sueca.
"A psicóloga me ajudou a extrair uma memóriabrazino777 plataformaque vejo minha mãe muito pertobrazino777 plataformamim, conversando comigo, e atrás dela há um corpo no chão. Na porta há outro homem, parado. Não sei se é meu pai ou meu tio, está tentando ver o que está acontecendo lá fora. Estamosbrazino777 plataformaum quarto".
Esse quarto, acredita ele, foi o lugar onde ficaram detidos.
"Nessa lembrança, como você vêbrazino777 plataformamãe?", perguntamos a ele.
"Parecia um anjo", responde. "É uma lembrança que eu tenho muito, muito forte."
Por que seus pais?
Quando perguntamos a Luis Emilio porque ele acha que seus pais foram presos, ele reflete sobre seu sobrenome.
"Luis Emilio Recabarren Serrano (1876-1924) foi o fundador do Partido Obrero no Chile há cercabrazino777 plataformacem anos (1912), não sei se somos parentes ou não. Nunca foi relevante para mim."
Mas além dessa possível associação que os agentes podem ter estabelecido, seu pai foi um líder sindical.
"O pai e os irmãos da minha mãe foram líderes sindicais. Todos eles eram idealistas, foram uma geração com potencial político que queria uma mudança na sociedade."
O objetivo do governo, diz ele, era acabar com as famílias que tinham uma posição políticabrazino777 plataformaoposição. "Eles queriam matar ideias, (fazer) um genocídio político".
Seus pais militavam no Partido Comunista. "Eles não eram violentos, não eram terroristas. Só queriam transformar a sociedade, lutar pela igualdade".
Tornando-se a imagembrazino777 plataformaseus pais
Luis sabe que seus pais "se apaixonarambrazino777 plataformaum Congresso do Partido Comunista".
Foi o que suas avós e seus tios lhe contaram.
"Meu pai era muito carismático, chamava muita atenção das meninas. Mas, no começo, minha mãe não dava a menor bola a ele porque sabia como era", diz sorrindo.
Desde a adolescência, Nalvia "se opunha às desigualdades", gostavabrazino777 plataformaajudar a comunidade e "não era daquelas que esperavam que alguém viesse resolver os problemas da comuna".
"Tenho a impressãobrazino777 plataformaque minha mãe era muito delicada. Ela cantava no coro do liceu francês, desenhava, tinha qualidades artísticas."
Tanto seu pai quantobrazino777 plataformamãe gostavam muitobrazino777 plataformabalé. Contam a ele que a mãe ouvia música clássica quando estava grávida.
Ambos eram magros e muito altos "para a média dos chilenos". Ele mesmo tem 1,86 metrosbrazino777 plataformaaltura.
'Até eu morrer'
Em uma entrevistabrazino777 plataformaLuis Emilio com a jornalista Ivonne Toro, do jornal chileno La Tercera, publicadabrazino777 plataforma29brazino777 plataformaoutubro, ele diz que precisa saber quem matoubrazino777 plataformamãe.
"Até hoje eu não tenho informações concretas sobre como foi a operação contra os meus pais ou quem estava envolvido", disse ele à BBC News Mundo, serviçobrazino777 plataformaespanhol da BBC.
"Não pude conhecer a verdade completa."
"Por toda a minha vida, até eu morrer, vou buscar a verdade sobre o que aconteceu. Não vou parar. E se eu morrer, meus filhos a buscarão. Isso vaibrazino777 plataformageraçãobrazino777 plataformageração. É incansável."
Hoje ele está casado com a jornalista sueca Sara Recabarren e tem três filhos,brazino777 plataforma7, 11 e 15 anos. Com eles, aprendeu o que realmente é o amor incondicional.
"Enquanto eu for forte, eles serão fortes", diz ele.
"Eles vão continuar a luta. Minha inclinação como pai é protegê-los, mas sei que eles poderão transformar toda essa dorbrazino777 plataformaalgo positivo".
'Um dever'
Luis Emilio diz que, enquanto se sentir com força, continuará contandobrazino777 plataformahistória como lhe pediubrazino777 plataformaavó. Mas isso não é fácil.
"Meus tios que sobreviveram à tortura têm dificuldadebrazino777 plataformafalar sobre o que passaram até mesmo com seus próprios filhos."
"Agora que minha avó paterna (a ativista Ana González) não está aqui, eu tenho que fazer isso. É um dever."
"Para mim o Chile é um paradoxo: odeio o país pelo que me causou e, ao mesmo tempo, amo o país porque soubrazino777 plataformalá, porque é o meu povo e porque, depois da morte da minha avó, sintobrazino777 plataformasolidariedade, seu carinho".
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