As rochas que podem reescrever a história da chegada do homem às Américas:

Pesquisadora Alia Lesnek durante o trabalho na ilha Suemez

Crédito, Jason Briner

Legenda da foto, Cientistas foram a lugares remotos, como a ilha Suemez, no Alasca, para estudar formações rochosas

Isso porque essa rota, formada com o baixo nível do mar na Era do Gelo há cerca15 mil anos, só teria se tornado viável para um processo imigratório há 12,6 mil anos – quando, segundo esse estudo, um ecossistema com plantas e animais já havia tomado contatal "ponte", fornecendo então alimentos para os humanos que vinham da Ásia para a América. Entretanto, a despeito dessa conclusão, há indíciosque os primeiros povos americanos já estavam por aqui há mais15 mil anos.

Vista aérea da ilha Suamez

Crédito, Jason Briner

Legenda da foto, Vegetação densa, nevoeiro e terreno montanhoso dificultaram acesso a locais onde seria possível coletar amostras

Essa interrogação pode ser explicada pela geologia. É o que aponta o trabalho desenvolvido pelos cientistasBuffalo.

"As pessoas são fascinadas por essas questões, querem saberonde vieram os primeiros povos e como chegaram lá. Nossa pesquisa contribui para o debate sobre como os seres humanos colonizaram o planeta", afirma Jason Briner, professorgeologia da UniversidadeBuffalo.

A verdade está nas pedras

Para fazerem a pesquisa, cinco cientistas da UniversidadeBuffalo e da UniversidadeDakota do Sul foramhelicóptero até as remotas ilhas. A primeira conclusão a que chegaram foique o arquipélago certamente tinha sido glacial, ou seja, coberto por gelo no passado.

De acordo com os geólogos, isso pode ser percebido porque as superfícies rochosas são lisas e riscadas – as ranhuras são resultado da fricção do gelo sobre as pedras. E justamente para identificar a época precisaque o gelo recuou na região é que foi efetuada uma coletaamostrasrochas das superfícies.

Para descobrir o período, os cientistas utilizaram um método chamado"surface exposure dating", que identifica justamente o tempoque as amostras recebem radiação cósmica – quando cobertas pelo gelo, elas estavam protegidastais efeitos. Os resultados apontaram para 17 mil anos atrás. Ou seja: quatro mil anos antes do EstreitoBering ter sido um trajeto viável, a costa do Pacífico já oferecia condições para uma migração ao sul.

Bióloga Charlotte Lindqvist na ilha Suemez Island

Crédito, Jason Briner

Legenda da foto, A superfície da rocha é lisa e apresenta riscos deixados pelo movimento do gelo sobre ela

O interessante é que os cientistas observaram ainda que,acordo com a geologia, essa rota costeira não foi simplesmente aberta na época – e permaneceu aberta assim. Mas foi um caminho que existiu somente naquele período, o degelo das rochas e o mar num nível ainda baixofunção da Era Glacial. O momento certo. A oportunidade para os primeiros americanos.

A descoberta recenteum esqueletofoca-aneladauma caverna da região, restos datados17 mil anos atrás, sugerem que o hoje arquipélago era um pontonatureza efervescente.

Geólogo Jason Briner coleta amostras na ilha Dall, no sul do Alasca

Crédito, Charlotte Lindqvist

Legenda da foto, Cientistas retiraram amostrasformações rochosas com face para o oceano Pacífico, como esta na ilha Dall...
Geólogo Jason Briner coleta amostrasrochas na ilha Suemez

Crédito, Charlotte Lindqvist

Legenda da foto, ...e esta na ilha Suemez; análise mostrou que elas deixaramser protegidas pelo gelo há 17 mil anos

Hipóteses

A teoria mais aceita da ocupação da América, via EstreitoBering, foi proposta1590 pelo historiador e jesuíta espanhol JoséAcosto (1540-1600), no livro História Natural e Moral das Índias,1590. Cientificamente,hipótese só passou a ser aceita entre os anos 1928 e 1937, após escavações arqueológicas no Novo México, nos Estados Unidos, terem encontrado artefatos semelhantes aos da regiãoBering.

Há um consenso científicoque, durante a última Era Glacial, devido à grande quantidadegelo do planeta o nível dos oceanos recuoupelo menos 120 metros. Isso fez com que verdadeiras pontes naturais, conexões terrestres surgissemdiversos pontos da Terra – entre o Japão e a Coreia, entre as Filipinas e a Indonésia e, no casoBering, entre a Ásia e a América (atual extremo leste da Rússia e atual Alasca).

Trata-seum trechomar raso,30 a 50 metros. Com a descida do nível dos oceanos, um amplo território tornou-se terra.

Outra teoria, conhecida como Malaio-Polinésia, afirma que a ocupação americana ocorreu por meiocanoas. Esses aborígenes, oriundos da Oceania, teriam puladoilhailha, rumo ao leste, até chegarem à América.

O maior defensor dessa teoria foi o etnólogo francês Paul Rivet (1876-1958) – ele não negava o EstreitoBering, mas afirmava que a ocupação americana devia ter ocorrido por maisuma rota. Segundo os defensores dessa hipótese, teriam sido duas rotas migratórias por meiotais barcos. Uma primeira, 6 mil anos antes da realizada pelo EstreitoBering; e uma segunda, praticamente no mesmo período.

Pesquisadoresilha do arquipélagoAlexander

Crédito, Jason Briner

Legenda da foto, Alguns locais foram alcançados apenashelicóptero...
Pesquisadorestrajetobarco até a ilha Warren

Crédito, Jason Briner

Legenda da foto, ... e outros, como a ilha Warren,barco

Colaboração brasileira

É do brasileiro Walter Neves, antropólogo e arqueólogo da UniversidadeSão Paulo, a polêmica teoria dos dois componentes biológicos.

Ao analisar morfologicamente fósseisHomo sapiens pré-colombianos, ele chegou à conclusãoque a América recebeu duas levas migratórias, uma anterior e que acabou extinta,indivíduos vindos da África e da Oceania; uma seguinte, que prosperou, vinda da Ásia.

Mas Neves não é o único brasileiro a colocar um ponto nessa históriapovoamento americano.

A arqueóloga Niède Guidon, do Parque Nacional da Serra da Capivara, defende que a América já era habitada por humanos há 58 mil anos – baseada elaresquícios arqueológicos. Sua teoria é bastante controvertida.

Em 2016, uma equipequinze arqueólogos, da UniversidadeSão Paulo e da empresa Zanettini Arqueologia, encontrou artefatospovos pré-colombianosum sítioSão Manuel, no interior do Estado. As estimativas sãoque os itens sejam11 mil anos atrás – antes do que se supunha para a ocupação da região.