'Em 15 ou 20 anos, o câncer deverá ser uma doença controlada, como a Aids', diz pesquisador do Inca:roleta da escolha

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Legenda da foto, Câncer é a doença que mais amedronta brasileiros; ela surgeroleta da escolhamutações genéticas que transformam célulasroleta da escolhacélulas tumorais

Por outro lado, ressalta ser difícil poder falarroleta da escolha"cura definitiva" quando se trata da doença, já que ela pode ser extintaroleta da escolhaum órgão e voltarroleta da escolhaoutro. Até por isso, os cientistas trabalham para torná-la "controlável" - assim como é a infecção pelo HIV hoje.

"É muito difícil falarroleta da escolhacura porque, uma vez que você tem, precisa estar sempreroleta da escolhavigilância. Mas o que a gente está prevendo é que,roleta da escolha15 ou 20 anos, o câncer vai ser a mesma coisa que a Aids. O paciente ficaroleta da escolhatratamento-controle por muito tempo, e aí vira uma doença crônica. Isso é bem plausível, bem possível."

Legenda da foto, 'O que a gente está prevendo é que,roleta da escolha15 ou 20 anos, o câncer vai ser a mesma coisa que a Aids. O paciente ficaroleta da escolhatratamento-controle por muito tempo e aí vira uma doença crônica. Isso é bem plausível'

Leia os principais trechos da entrevista, na qual Viola fala sobre a evolução no tratamento da doença e as perspectivas sobre seu futuro.

roleta da escolha BBC Brasil - Quando falamosroleta da escolhacâncer, ainda há um estigma forte e uma ideiaroleta da escolhaque a doença é uma "sentençaroleta da escolhamorte", mais ou menos como era a Aids na décadaroleta da escolha1980. Hoje, a Aids não foi erradicada, mas consegue ser bem controlada com remédios. O que evoluiuroleta da escolhalá para cá no caso do câncer?

roleta da escolha João Viola - Existe uma correlaçãoroleta da escolhadesenvolvimento muito semelhante com a Aids, hoje a gente discute o câncer mais ou menos desse jeito. Mas é importante ressaltar que, quando a gente falaroleta da escolhaAids, a gente está falandoroleta da escolhauma doença. Quando a gente falaroleta da escolhacâncer, a gente está falandoroleta da escolhamaisroleta da escolhacem doenças diferentes. Há alguns mais agressivos, menos agressivos, mas é uma abrangênciaroleta da escolhadiferentes tipos.

O ponto importante é: a grande maioria dos tumores hoje são curáveis. Desde que sejam identificados mais precocemente. Se a gente consegue identificar o tumor bem precoce, há intervenções com as quais conseguimos curar o paciente.

roleta da escolha BBC Brasil - O câncer engloba várias doenças, mas o mecanismoroleta da escolhaação é o mesmoroleta da escolhatodas elas, certo? Uma célula ruim que se multiplica e vai afetando um órgão. Por que, então, é tão difícil inibir esse mecanismo que forma os tumores malignos?

roleta da escolha João Viola - O câncer é uma doença basicamente genética. Nosso genoma é a informação genética que nós temos, então o câncer tem uma base genética e ele parteroleta da escolhamutações no nosso genoma que alteram a fisiologia daquela célula. Uma célula, como qualquer ser vivo, nasce, divide, diferencia e morre. Toda célula tem que fazer isso. O câncer é uma doença genética que altera essa relação da fisiologia celular, e essa célula passa a se dividir desreguladamente e não morre.

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Legenda da foto, Após decifrar todo o genoma humano, a ciência conseguiu avançar nas formasroleta da escolhatratamento do câncer

Há um conjuntoroleta da escolhagenes chamados oncogenes que, quando estão no seu funcionamento normal, são fundamentais para nós. Mas se ele passa por uma mutação que o faz se desregular, isso altera a vida celular. Só que são milharesroleta da escolhagenes. A gente já conhece algumas dessas alterações, mas elas são muitas, e relacionadas a diferentes tipos tumorais.

São doenças muito diferentes que podem ter estágios diferentes, e que são causadas por mutaçõesroleta da escolhagenes diferentes. O tumor X pode estar mais relacionado ao oncogene Y e por aí vai. Mas o mecanismo é o mesmo:roleta da escolhaalgum órgão seu, uma célula mutou para uma célula tumoral.

E aí tem uma coisa que a gente chamaroleta da escolhamicroambiente tumoral. Quando a gente tem um tumor que está crescendo, ele altera o ambiente onde está, onde as outras células vivem. Os tumores malignos, alémroleta da escolhacrescerem naquele local, as células dele saem daquele tumor, pegam a corrente sanguínea e crescemroleta da escolhaoutros tecidos - que são as metástases. Então retirar o tumor não necessariamente retira o problema.

roleta da escolha BBC Brasil - O senhor se formou no final da décadaroleta da escolha1980, quando o câncer ainda era pouco conhecido. Um paciente que se descobria com a doença naquela época tinha quais tiposroleta da escolhatratamento disponíveis?

roleta da escolha João Viola - O primeiro tratamento que se tem é a cirurgia. Até hoje, a primeira coisa que se faz é tentar retirar esse tumor. Então até que os primeiros quimioterápicos surgissem, era só cirurgia. Mas a probabilidaderoleta da escolhacurar assim era muito pequena, não vai resolver por causa dos tumores secundários que surgem.

No final da décadaroleta da escolha1970, começam a surgir as primeiras químios, as primeiras drogas quimioterápicas que aparecem e que basicamente inibem a divisão celular, ou seja, inibe que aquela célula (tumoral) se divida muito. Só que são drogas completamente inespecíficas. Elas não inibem só a divisão das células tumorais, inibem a divisão das células normais também. Quais são as células nossas que dividem muito? Cabelo, pele, intestino - por isso que as pessoas que passam por químio têm problemas intestinais e perdem cabelo.

Então o que você fazia? Retirava o tumor por cirurgia e tratava por quimioterapia tentando matar aquelas células tumorais que você não sabe onde está. Junto com isso surge também a radioterapia, no século 20. Você tenta matar essas células também por radiação. Esse era o tripé do tratamento.

roleta da escolha BBC Brasil - E hoje, três décadas depois, o que hároleta da escolhanovidade nos tratamentos?

roleta da escolha João Viola - No final do século 20 e início do 21: dois grandes gruposroleta da escolhadrogas começam a ser importantíssimos e começam a mudar a perspectivaroleta da escolhavida dos pacientes, junto com as outras.

Uma delas é a terapia-alvo. Você começa a conhecer melhor a biologia do tumor e consegue entender qual é o gene que faz o tumor X, Y, Z, quais são as mutações, e isso é muito importante. No final do século 20, a gente teve o genoma humano mapeado, e aí a gente conhece todos os genes humanos e sabe qual é a estrutura do gene normal.

Sabendo isso, a gente começa a trabalharroleta da escolhacima do câncer e entender: o gene X está mutado na doença A. E começa a correlacionar os genes e as doenças: esse gene é importante para desenvolver o tumorroleta da escolhamama, esse para o tumor cerebral e por aí vai. Aí começamos a desenvolver drogas que agem especificamente nessas vias que estamos falando, para interferir no gene X, Y ou Z.

Isso é o que a gente chamaroleta da escolhaterapias-alvo. Se a gente sabe que há tal mutação, a gente vai trabalhar para bloquear essa mutação para se aproximar da cura. As terapias-alvo são um passo à frente da quimioterapia. Porque na quimio você vai lá e mata tudo, a terapia-alvo consegue ir naquele alvo específico.

Uma das possibilidades que a gente tem, alémroleta da escolhafazer todos esses tratamentos, é ativar o nosso próprio sistema imune para destruir o câncer, destruir a célula tumoral. Porque temos uma resposta imunológica no organismo contra ela, só que, por diversas razões, o tumor consegue escapar. Mas aí conseguimos modular esse escape e fazer com que as células do sistema imune combatam esse tumor. Essas são as imunoterapias.

Legenda da foto, Kymriah é droga que usa tecnologia da imunoterapia para tratar o câncer | Foto: Novartis

Agora uma coisa importante é o custo. Essas terapias não tiram as originais. O paciente continua sendo operado, continua usando químio, radioterapia e mais essas duas outras terapias. O que faz com que hoje o tratamento seja extremamente caro. Teremos que trabalhar isso, mas é um tratamento que está dando muito certo.

roleta da escolha BBC Brasil - Se é possível fazer com que o próprio organismo produza os anticorpos para combater as células tumorais, isso significaria uma possível cura definitiva do câncer?

roleta da escolha João Viola - Não necessariamente, porque essa resposta autoimune também pode ter consequências ruins. Veja, a maior revolução mesmo contra o câncer que temos hoje é uma outra coisa, os bloqueadores do pontoroleta da escolhachecagem imunológico.

Isso funciona assim: tudoroleta da escolhanosso organismo tem algo que acelera e tem um freio, comoroleta da escolhaqualquer lugar. Para balancear. A resposta imune é a mesma coisa. Há um pontoroleta da escolhachecagemroleta da escolhaque identificamos que essa célula, por exemplo, é tumoral - aí vem o linfócito e vai tentar matar. Esse linfócito reconhece inicialmente o problema e libera o anticorpo contra ele, mas depois o linfócito passa a ter naroleta da escolhamembrana umas moléculas que vão fazer um freio na resposta imune. Ela freia a resposta imune. Porque você ter uma reposta autoimune exagerada também vai causar doença - por exemplo, as doenças autoimunes.

O tumor é feito pela gente, diferenteroleta da escolhauma infecção viral ouroleta da escolhabactéria, que vemroleta da escolhafora. Então a resposta antitumoral é uma resposta que está na gente, ou seja, autoimune, a princípio. Então como qualquer resposta autoimune, o nosso organismo freia essa resposta. Porque indivíduos que apresentam problemas nesse freio têm doenças autoimunes. Há muitas: lúpus, artrite reumatoide....

O que se viu? É que no câncer, se eu venho aqui e bloqueio essa via negativa que freia os linfócitos, eu aumento a resposta antitumoral. Se eu posso ativar a resposta autoimune contra um tumor, também posso bloquear o bloqueador da resposta, que são essas moléculas. E aí o organismo consegue continuar multiplicando os anticorpos e os linfócitos conseguem combater e matar o tumor.

Legenda da foto, Pesquisadores acreditam que descoberta sobre mutações ajudarároleta da escolhatratamentos contra câncer | Foto: SPL

roleta da escolha BBC Brasil - O câncer tem esse aspectoroleta da escolhair e voltar. É possível hoje falarroleta da escolhacura real do câncer?

roleta da escolha João Viola - É muito difícil falarroleta da escolhacura, porque uma vez você que tem, precisa estar sempreroleta da escolhavigilância. Você só cura se, depoisroleta da escolha20 anos, não apareceu mais nada. Só posso falarroleta da escolhacura se ela for definitiva. A gente sempre fala que o câncer pode recorrer, sim.

Eu vi a Aids aparecer, depois vi os tratamentos. Então saí da faculdade, e ela não tinha cura. Um paciente que tinha diagnósticoroleta da escolhaAids, isso era uma sentençaroleta da escolhamorte. Um, dois anosroleta da escolhavida, seis meses. Mas mudou absolutamente, essa terapia tripla que se faz atualmente é uma coisa fantástica. Eu tenho amigos que são HIV positivo, não têm Aids e estão no tratamento há 15 anos.

Mas vira uma doença crônica. É a mesma coisa que estamos falando da diabetes, vai ter que controlar o resto da vida. Hipertensão se trata para o resto da vida. Mas se fizer direitinho, está controlado. Mas não está curado. A Aids, a mesma coisa.

O que estamos prevendo é que, possivelmente,roleta da escolhaalguns anos o câncer vai ser assim. É possível que daqui a pouco a gente tenha tratamento e que o paciente fiqueroleta da escolhatratamento-controle por muito tempo, que vire uma doença crônica. Continue mais ou menos na correlação da Aids.