Nasa prevê impactoderretimentogeleirastrês cidades brasileiras:
"Mas resolvemos pensar do pontovistaalguém que está numa cidade costeira, tentando entender como as áreas geladas ao redor do mundo podem mudar o aumento do nível do mar ali. Por isso tivemos que usar computação reversa."
O estudo reafirmou o que os cientistas vêm dizendo há algum tempo - que o aumento do nível dos oceanos não será exatamente igualtodo o mundo.
Mas trouxe também uma informação surpreendente: não é o derretimento da geleira mais próximauma cidade que pode oferecer problemas - é justamente a mais distante.
"Quanto mais longe você estáuma massagelo, mais tem que se preocupar com ela. Mas as pessoas acham que é o contrário disso", diz Larour.
"Isso tem consequências muito grandes para o planejamento das estratégias das cidades."
Como o Brasil seria afetado?
As imagens geradas pelo novo modelo, que se chama mapeamentoimpressões digitaisgradiente, mostram o nível sensibilidade das cidades brasileiras ao derretimento que ocorre na Antártida, na Groenlândia eoutras 13 massasgelo - a maiores do mundo, que incluem o Estado americano do Alaska e a cordilheira dos Andes.
Quanto mais vermelha a área do mapa, mais sensível é a cidade ao derretimento naquela parte da massagelo. Quanto mais azul, menos impactada ela será.
No caso da Groenlândia, por exemplo, as três cidades brasileiras serão afetadas pela desintegraçãoqualquer parte do gelo - principalmente Rio e Recife (veja as imagens abaixo).
Já no caso da Antártida, o Rio, mesmo estando no Sudeste, é pouco afetado pelo derretimento na parte do continente que fica mais próxima da América do Sul - justamente o local que os cientistas dizem estar entrandocolapso mais rapidamente.
A maior preocupação para as cidades brasileiras deve ser justamente a parte da Antártida que fica mais próxima da Austrália e da Nova Zelândia. Essa sim pode causar um aumento no nível do mar nelas.
Larour diz, no entanto, que essa região não parece estar sob riscoderretimento no momento.
"A mensagem é que todos devemos nos importar com as massasgelo, mesmo as que estão mais distantenós. Aliás, especialmente as que estão mais distantes", afirma.
Usando imagens do satélite Grace, da Nasa, os engenheiros conseguiram mostrar também quanto as massasgelo no mundo contribuem para cada milímetroaumento no nível do mar nas cidades. Veja como a ferramenta funciona aqui.
Segundo os dados do Grace, o mar do RioJaneiro aumentou aproximadamente 3,03 mm por ano até 2015, por exemplo. O novo modelo consegue mostrar que 30% desse aumento vem do derretimento da neve da Groenlândia.
Em Recife, porvez, esse percentual é um pouco menor, eBelém, menor ainda - mesmo que a capital do Pará esteja, a rigor, mais perto da Groenlândia.
Por que isso acontece?
O derretimento da coberturagelo da Groenlândia, por exemplo, poderia aumentar os níveis do mar6,09 metros,maneira geral, caso se liquefizesse por completo euma só vez. Mas as regiões da ilha estão derretendoritmos diferentes.
Eric Larour explicou à BBC Brasil que há três processos-chave que influem no padrãomudanças do nível do mar no mundo. O primeiro deles é a gravidade. "Do mesmo jeito que corpos celestes como a Lua e o Sol se atraem, o oceano e o gelo se atraem, porque são massas enormeságua", explica.
"As massasgelo são tão pesadas que, quando derretem, a gravidadetorno delas se modifica. Por isso, o oceano se afasta, seu nível decresce. O derretimento cria uma espéciedeclive no oceano por muitos quilômetros."
Nessa perspectiva, é mais seguro, por exemplo, viver pertouma grande geleira que esteja derretendo do que mais longe.
O modelo dos cientistas mostra, por exemplo, que cidades como Oslo, na Noruega, e Reykjavík, na Islândia, que estão mais próximas da Groenlândia, terão uma diminuição no nível do mar com o derretimento do gelo, não um aumento.
Além disso, o solo por baixouma geleira se comporta, segundo Larour, como um colchão, que se expande depois que seu dono se levanta dele pela manhã.
"O leitorocha é comprimido pelo gelo, que é bastante pesado. Quando o gelo derrete, ele volta a se expandir verticalmente, ou seja, cresce lentamente. Se você está dianteuma praia, por exemplo, o solo 'sobe' e o mar recua", diz.
O último fatormudança é a rotação do planeta. O engenheiro compara o planeta Terra a um pião girandotornoseu eixo. "Assim como a Terra, o pião não só gira, mas ele também bamboleia, não faz uma rotação perfeita", diz.
"Com o gelouma parte da Terra está derretendo, a oscilação do planeta também muda (porque a massa emsuperfície fica distribuídaforma diferente). Isso também redistribui a água dos oceanos."
A novidade do modelo criado pela equipeLarour é incorporar todos esses elementos no modeloprevisão, para ter mais detalhes sobre como essa redistribuição acontece.
"Outros estudos já haviam mostrado a atuação desses três fatores, mas agora podemos calcular a sensibilidade exata - numa cidade específica - do nível do marrelação a cada massagelo do mundo."
O objetivo principal, diz ele, é ajudar no planejamento das principais cidades do mundo para os próximos cem anos - sabendo quais geleiras apresentam mais risco eque velocidade elas estão derretendo, governos podem pensarcomo diminuir efeitos do aumento do nível do mar.
Larour ressalta que quase todo o gelo da Terra estáalgum estadoderretimento. "Algumas áreas específicas estão aumentando, mas são poucas, e também há poucas que estão no meio do caminho. A maioria está derretendo ou quebrando, liberando mais icebergs no oceano."