O que os autorretratosVan Gogh revelam sobrevida eobra:
Mas seu rosto é familiar para nós por ter sido um dos artistas que mais pintaram autorretratos (35, ao todo) —ainda que, para ele, fosse um desafio, como confessou ao seu irmão Theo: "É difícil conhecer-se a si mesmo, mas também não é fácil pintar [seu próprio retrato]".
"Entre os grandes predecessoresVincent, somente seu compatriota Rembrandt pintou mais autorretratos que ele (40), mas isso durante uma carreira quatro vezes mais longa", relata à BBC News Mundo (serviçonotíciasespanhol da BBC) Martin Bailey, autor do livro Van Gogh's Finale: Auvers and the Artist's Rise to Fame (O fimvan Gogh: Auvers e a ascensão do artista para a fama,tradução livre), que não tem edição brasileira.
Auvers é uma pequena cidade ao norte da França, onde Van Gogh passou seus últimos dois mesesvida.
É por isso que muitosnós temos uma imagem tão clara deste homemolhos claros e barba ruiva, que reconheceríamos sem titubearmeio a uma multidão. Ou será que não?
Este é Van Gogh
"O que mais me surpreendeu foi como eles são distintos", afirma Karen Serres, doutoraartes e curadora que, pela primeira vez na história, reuniu 16 autorretratos do pintor na galeria do InstitutoArte Courtauld,Londres.
"Foi muito interessante porque eu havia visto as obras separadamente e pensei que, ao reuni-las, encontraria uma mesma pessoa olhando para mimtodas as paredes. Mas são tão diferentes... parecem mais membrosuma mesma família", afirma.
"Foi simplesmente reconfortante, pois me fez lembrar que ele era um artista incrivelmente variado e não fazia sempre a mesma coisa."
Estas duas obras a seguir são uma amostra daversatilidade.
O mais incrível é que apenas um ano separa as duas obras.
Van Gogh só decidiu dedicar-se à arte com 27 anos, depoistrabalhar como marchandHaia e Londres, como professorescola na Inglaterra, livreiroDordrecht e pastor na Bélgica.
Quando finalmente encontrouvocação, embora tivesse alguma formação, ele foi se desenvolvendo como pintor a partir da observação, da prática e da busca porformaexpressão. Foi esta busca que,parte, produziu retratos tão distintos entre si.
"O primeiro retrato é tão bonito e encanta pelo poucoazul na tela, já que o azul contra a barba ruiva é um contrastecores realmente interessante", destaca Serres.
"Já o segundo é o que seus amigos chamavam'o rosto fogosovan Gogh' e foi pintado depoissuas experiências com o pontilhismo. Os pontos foram convertidospinceladas, que parecem irradiar do centro do rosto."
Autorretrato Como Pintor, provavelmente o último que finalizou duranteestadiadois anosParis, "mostra seu progresso assombroso", destaca Bailey.
O artista escreveu que estava procurando "uma semelhança mais profunda que a do fotógrafo". A esposa do seu irmão Theo elogiou o quadro como sendo o autorretrato "mais parecido com ele".
Razões e revelações
Van Gogh pintou seus 35 autorretratos conhecidosseus últimos três anos e meiovida.
Neles, pode-se vê-lo com ou sem chapéu; com ou sem barba; com cabelo curto, raspado ou despenteado; com bochechas profundas (ele teve 10 dentes arrancadosAntuérpia, na Bélgica, o que fez com que parecesse ter mais30 anos,idade na época) ou comdentadura postiçaborracha vulcanizada; com roupaspintor ou com traje formal...
Será que estes retratos fornecem alguma indicação do seu bem-estar,autoimagem ou seu estado psicológico?
"Acredito que é quase inevitável pensar no seu suicídio e naluta contra a doença mental quando admiramos suas obras", afirma Serres. "Desdemorte, tudo se tornou uma coisa só:vida earte."
"Mas exatamente uma das coisas que queríamos fazer era mostrar que ele usava os autorretratos por muitas razões diferentes. A introspecção era uma pequena parte delas, que aparece somente no final", segundo a curadora.
Assim comoalgumas ocasiões ele pintava autorretratos para testar diversas abordagens técnicas, como contrastescores ou pinceladas,outras ele o fazia por faltamodelos, pois não tinha dinheiro para pagá-los e "parecia ter uma aversão generalizada a pintar amigos próximos e familiares",acordo com Bailey.
"Sem modelos, a forma mais simplesdesenvolvimento como retratista é pintar a si mesmo, o que só exige o usoum espelho", destaca Bailey, que é especialistaVan Gogh e escritor da publicação The Art Newspaper.
O próprio Van Gogh escreveu para Theo1989: "Estou trabalhandodois retratosmim mesmo neste momento, na faltaoutro modelo, porque está mais do que na horafazer algum trabalho sobre figuras".
"De fato, ele só pintava quando se sentia bem ou quando tentava usar a pintura para sentir-se melhor", afirma Serres.
"Em suas cartas, disse certa vez: 'Se eu me recuperar, será graças à minha arte'."
"Para mim, parece muito corajoso e ambicioso que ele simplesmente seguisse adiante sem remoerdor."
Bailey acrescenta que "a maioria dos seus autorretratos foram pintados antes da doença se manifestar".
E, exceto por alguns poucos, "os demais autorretratos não a representam, e acredito ser muito arriscado tirar conclusões sobre o seu estado mental a partir deles".
"Ele certamente aparece muito sério nos seus autorretratos, mas é algo que geralmente acontece, já que é preciso ficar olhando para o espelho e, a menos que você se obrigue a dar um sorriso forçado, como fazemos às vezes hojedia, você está concentrado e tentando capturar seus traços", observa Bailey.
O especialista também lembra que pintar leva muito tempo: "Você não consegue ficar sorrindo por três horas!"
Por isso, ao vermos um autorretrato com feições tristes, nunca saberemos se Van Gogh estava assim quando começou a pintar ou se ficou triste no final — o que é maravilhoso, não porque nos permite vertristeza, mas porque ele pintou algo repletoexpressão.
Se há algo que os rostosVan Gogh revelam é o seu desenvolvimento estilístico, mas é difícil concluir algo mais sobrepersonalidade ou atéaparência, "exceto pela cor dabarba", conforme destaca Bailey.
Mas há um porém...
Karen Serres confessa que, embora "quiséssemos, com a exposição, desafiar um pouco esse nosso instintoprocurar nas suas obras o que sabemos davida, é claro que não é possível evitar completamente o assunto".
A primeira grande crisesaúde mentalVan Gogh ocorreu23dezembro1888, quando ele cortou grande parte daorelha esquerda, após uma discussão com seu amigo e colega artista Paul Gauguin.
"O Autorretrato com a orelha cortada é muito interessante porque foi deliberadamente pintado três semanas depois da mutilação,forma que é uma clara reflexão do seu estado mental", afirma Bailey.
Apesar da frágil saúde do pintor, o Autorretrato com a Orelha Cortada é uma imagem composta com muito cuidado e certamente não é o trabalho impulsivoum "louco".
E está repletoincógnitas, segundo o especialista.
"Por que ele o pintou? Qual é amensagem?"
"Pode ser interpretado como uma determinação otimistavoltar a pintar e desafiar seus problemas, como um pedidoajuda ou ambos. Nunca saberemos o que estava namente, mas, como toda obraarte, ele apresenta questões interessantes."
A internação e o fim
Após uma sérierecaídas,8maio1889, Van Gogh deu entrada voluntariamente no hospícioSaint-Paul-de-Mausole, localizadoum antigo monastério pertoSaint-Rémy, na França. Ele permaneceu lá por um ano e, durante este período,saúde mental apresentou flutuações significativas.
Duranteestada, Van Gogh pintou dois autorretratos com apenas uma semanadiferença: o primeiro, quando ainda estavameio à grave crisesaúde mental que havia sofridomeadosjulho; e o segundo, enquanto se recuperava. Estes retratos nunca haviam sido expostos lado a lado até a exposição no InstitutoArte Courtauld.
"Ver estas obras juntas é uma experiência incrivelmente comovente, a encarnação da resiliência e da coragemVan Gogh frente às adversidades pessoais", ressalta Serres.
"Elas mostram o que a pintura significou para ele e pararecuperação, e como ele foi capazcriar, nas circunstâncias mais difíceis, obras que continuam sendo incrivelmente poderosas, maisum século depois."
O primeiro quadro "é um autorretrato muito perturbador e parece mostrar alguém com problemassaúde mental", explica Bailey.
Mas Van Gogh, "em pouco maisuma semana, conseguiu passar desta obra tão dolorosa e diferente do que ele normalmente fazia (pois ele usou a espátula para raspar a pintura) para a [pintura] otimistaalguns dias depois", observa Serres.
"Para mim, o fatono segundo quadro ele ter se retratado com a paleta — algo que fezapenas três dos seus 35 autorretratos — é como se estivesse recuperando seu sensoidentidade. É uma espéciereafirmação: ele até aparece com seu maravilhoso blusão azulpintor", completa.
E Bailey concorda: "Este autorretrato era uma mensagem para seu médico, para seus companheiroshospício, para o seu irmão Theo e, o mais importante, para si mesmo: depoissairoutra crise, ele estava totalmente decidido a seguirvocação como artista".
E assim o fez, com grande esforço. Masrecuperação durou pouco.
Menosum ano depois, Vincent van Gogh deu um tiro no próprio peitomeio a um campotrigo, regressou cambaleando para o seu quarto no hotel Auberge Ravoux,Auvers, e morreu29julho1890.
Seu legado só foi amplamente reconhecido após amorte.
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