'Brasil pode mostrar ao mundo como reagir a ataques contra a democracia', diz promotorslot jatekok'Argentina, 1985':slot jatekok
Pelo menos 30 mil pessoas desapareceram no país durante a ditadura, segundo estimativasslot jatekokorganizaçõesslot jatekokdireitos humanos.
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Mas o primeiro presidente da redemocratização, Raúl Alfonsín, tinha como bandeiraslot jatekokcampanha levar a julgamento os responsáveis nas Forças Armadas pelos crimes da ditadura — venceu a eleição com 52%.
Alfonsín revogou uma leislot jatekok"autoanistia" que os militares editaram antesslot jatekokdeixar o poder. E determinou por decreto que a promotoria abrisse investigações contra os comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército no período ditatorial. Assim nasceu o processo contra os nove comandantes militares.
O Brasil caminhouslot jatekokmaneira oposta. Nenhum presidente tomou a iniciativaslot jatekokrevogar a Lei da Anistia, sancionada pelo último ditador, João Figueiredo,slot jatekok1979. O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve,slot jatekok2010, a validade da Lei da Anistia, e ainda não pautou o julgamentoslot jatekokum recurso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tenta reverter a decisão.
A Corte Interamericanaslot jatekokDireitos Humanos (CIDH) já mandou o Brasil reabrir investigações sobre responsáveis por assassinatos durante a ditadura brasileira, o que tem amparado decisõesslot jatekokjuízes para retomar e avançar alguns casos. Para Ocampo, a anistia tornou o Brasil mais propenso à interferências das Forças Armadas na vida política.
"A faltaslot jatekokclareza do que aconteceu no Brasil durante a ditadura ajuda pessoas a romantizar sobre serem protegidas por homens fortes, como minha mãe pensava que era protegida pelo general Jorge Videla (ditador que comandou a Argentina entre entre 1976 e 1981)", diz o ex-promotor.
Mas, depois dos ataquesslot jatekok8slot jatekokjaneiroslot jatekokBrasília — quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) destruíram patrimônio, mobiliário e edificações do Executivo, do Legislativo e do Judiciário contra a vitóriaslot jatekokLuiz Inácio Lula da Silva (PT) —, Ocampo avalia que o Brasil pode servirslot jatekokmodelo sobre como reagir a investidas contra a democracia.
"Ainda que existam diferenças políticas, todos os políticos precisam concordarslot jatekokproteger a democracia. O Brasil pode mostrar ao mundo como reagir politicamente a ataques contra a democracia. Por isso, acredito que o governo Lula tem que criar um consenso sobre isso. Sei que é difícil, porque as redes sociais estão tornando a sociedade muito fragmentada", pondera o jurista.
"É um grande desafio político para Lula conseguir consenso para proteger a democracia e tirar vantagem desses ataques", acrescenta.
Para ilustrar a importância não sóslot jatekokpunir os ditadores argentinos, masslot jatekokfazer issoslot jatekokum julgamento justo, Ocampo conta que sugeriu ao diretor do filme, Santiago Mitre, que incluísse essa ideia no roteiro, na falaslot jatekokum dos juízes: "Vamos dar aos militares o que eles não deram às suas vítimas: um julgamento justo".
Veja abaixo trechos da entrevista com Ocampo:
slot jatekok BBC News Brasil - Ao contrário da Argentina, o Brasil aprovou uma Leislot jatekokAnistia para militares e não julgou os responsáveis por torturas e assassinatos durante a ditadura. Quais as consequências disso?
slot jatekok Luis Moreno Ocampo - No livro The Justice Cascade: How Human Rights Prosecutions Are Changing World Politics, a professora Kathryn Sikkink mostrou que a faltaslot jatekokinvestigações no Brasil está ligada ao fatoslot jatekokocorrerem mais casosslot jatekoktortura do queslot jatekokoutros países. Países que investigam o passado têm menos problemasslot jatekoktortura policial do que o Brasil. Isso é importante. Precisamos oferecer ao presidente Lula um bom projeto para investigar o crime organizadoslot jatekokmaneira generalizada. A ideiaslot jatekokgerenciar a violência com meios pacíficos é crucial para nosso futuro, como a Argentina mostrou.
slot jatekok BBC News Brasil - Essa anistia aos militares da ditadura tornou o Brasil mais propenso a interferências ou a problemas com os militares na atualidade?
slot jatekok Ocampo - Sim. A faltaslot jatekokclareza do que aconteceu no Brasil durante a ditadura ajuda pessoas a romantizar sobre serem protegidas por homens fortes, como minha mãe pensava que era protegida por Videla. Não sei o suficiente sobre o Brasil, mas na Argentina a investigação do passado produziu rebeliões militares e conflitos. Só que as pessoas reagiram e defenderam a democracia. Essa foi a questão definidora.
slot jatekok BBC News Brasil - Como o senhor observou os ataques contra os Três Poderes do Estado brasileiro no dia 8slot jatekokjaneiroslot jatekokBrasília?
slot jatekok Ocampo - É incrível como os ataquesslot jatekokBrasília foram similares aos ataques contra o Congresso dos Estados Unidos. Acho que não estamos prestando atenção a isso. Nos Estados Unidos, condenaram os líderes dos ataques, mas ainda há políticos no Senado apoiando essa invasão.
É muito importante o que Lula fez no Brasil no dia seguinte ao ataque, quando reuniu líderes políticos contra isso. Isso é crucialmente importante. Ainda que existam diferenças políticas, todos os políticos precisam concordarslot jatekokproteger a democracia.
O Brasil pode mostrar ao mundo como reagir politicamente a ataques contra a democracia. Por isso, acredito que o governo Lula tem que criar um consenso sobre isso. Sei que é difícil, porque as redes sociais estão tornando a sociedade muito fragmentada. É um grande desafio político para Lula conseguir consenso para proteger a democracia e tirar vantagem desses ataques.
Especialistas acadêmicos precisam oferecer a Lula mecanismos eficientes para controlar o crime violento e as mudanças climáticas. Quando se é político, não se tem temposlot jatekokpensar nesse tiposlot jatekokquestão. Os acadêmicos não estão ocupando esse espaço. Especialistas precisam conceber novas ferramentas, incluindo ferramentas que usam inteligência artificial, para controlar o crime organizado. Isso é crucial.
slot jatekok BBC News Brasil - Houve relatos no Brasilslot jatekokque alguns militares teriam facilitado ou se omitido nos ataquesslot jatekokBrasília. Como as autoridades devem lidar com isso?
slot jatekok Ocampo - Quando você vê o que aconteceuslot jatekokBrasília, a faltaslot jatekokreação foi similar ao que aconteceuslot jatekokWashington. A polícia e a Guarda Nacional não foram eficientes por horas. Não foi tão diferente. A polícia e o Exército seguem ordens. Não precisa prender todos os policiais ou todos os militares. Precisa dar ordens claras.
Na Argentina, pessoas disseram que o responsável pela nossa segurança, durante o julgamento, tinha trabalhadoslot jatekokum centroslot jatekoktortura, masslot jatekok1985 o comissárioslot jatekokpolícia não seguia ordens do general Jorge Videla. Até escoltou Videla como prisioneiro. Os policiais seguem ordens.
slot jatekok BBC News Brasil - Por que o sr. acha que a reaçãoslot jatekokmilitares e policiais foi semelhante no Brasil e nos EUA?
slot jatekok Ocampo - Nos Estados Unidos, a Guarda Nacional foi realmente lenta e dizem que há militares insubordinados nos baixos escalões das Forças Armadas. Mas acho que ninguém estava preparado para isso. Não é fácil matar pessoas protestando na frente do Congresso. É complicado. Não estavam preparados para lidar com o problema. Mas algumas pessoas no Brasil e nos EUA agiram bem para resolver a situação, sejam autoridades ou membros do Congresso. O Brasil virou exemploslot jatekokcomo a democracia sob ataque é um problema global.
slot jatekok BBC News Brasil - Como as instituições devem reagir a ataques como os sofridos pelo Brasil?
slot jatekok Ocampo - Os juízes reagiram muito bem, corretamente, garantindo que os criminosos sejam identificados. Realmente precisamos que os políticos deixem claro no Brasil que a democracia é um projeto comum. Depois podem debater a economia. Mas isso é crucial.
slot jatekok BBC News Brasil - A ordem jurídica internacional está equipada para lidar com episódios como os ataquesslot jatekokBrasília?
slot jatekok Ocampo - Não. Precisamos fazer mais. É um momentoslot jatekokque precisamos pensar como desenvolver a conexão entre instituições nacionais e internacionais. Alguns dizem que a Organização das Nações Unidas (ONU) não pode ser culpada pela faltaslot jatekokpaz no mundo, porque a ONU é o prédio onde países soberanos se encontram. Culpar a ONU pela faltaslot jatekoksegurança é como culpar o Madison Square Garden quando os Knicks jogam mal. O Tribunal Penal Internacional (TPI) foi a primeira instituição a intervir nos países-estado. Minha experiência lá transformou o meu entendimento.
Precisa ter esse tiposlot jatekokinstituição internacional para constranger sistemas nacionais que pratiquem atos ilegais. É um modelo a ser desenvolvido, porque precisamos desenhar coisas novas. Precisamosslot jatekokalgo como um tribunal contra o crime organizado, que possa intervir quando crimes não são investigados. Precisamosslot jatekokalgo assim contra as mudanças climáticas e contra o crime organizado.
Para o crime organizado, precisamos primeiroslot jatekokuma organização regional investigando os crimes. A Europol é a maior organização policial, mas só para a Europa. E a Interpol não é operacional; é um sistemaslot jatekoktrocaslot jatekokinformações sobre fugitivos. Precisamosslot jatekokuma polícia central para controlar o crime organizado.
slot jatekok BBC News Brasil - Quase 40 anos depois, quais foram as consequências para a Argentina do julgamento dos comandantes militares pelos crimes praticados na ditadura?
slot jatekok Ocampo - O presidente Raúl Alfonsín dizia que tínhamos que acabar com 50 anosslot jatekokimpunidade por golpesslot jatekokEstado e proteger a democracia. Esse era o plano dele. Ele se elegeu para isso. É interessante porque naqueles dias professoresslot jatekokciência política eslot jatekokrelações internacionais não queriam julgamentos ou investigações, porque a Espanha teve uma transição mais suave sem desafiar o ditador Francisco Franco.
E o Brasil tinha seguidoslot jatekokfrente sem investigar antigos ditadores. Alfonsín enfrentou rebeliões militares, mas as pessoas apoiaram a democracia e assim ela ficou mais forte. O filme é incrível, porque passou essa mensagem para novas gerações. O filme não é só importante para a Argentina, mas para o mundo todo, porque a democracia está sob ataqueslot jatekoktodo o mundo.
slot jatekok BBC News Brasil - Como foi superada a alegação defensiva dos comandantes argentinosslot jatekokque não sabiam e não organizaram os assassinatos e as torturas?
slot jatekok Ocampo - Esse foi o maior desafio para nós. No início, não sabíamos exatamente quem estava torturando ou matando as vítimas. Então escolhemos os casos mais graves da Comissão da Verdade. Tentamos mostrar diferentes anos e juntas militares,slot jatekokdiferentes partes do país. Juntamos 700 casos.
Depois, começamos a ligar para os sobreviventes e a perguntar como foram sequestrados, se havia testemunhas, se algum familiar viu etc. Tentamos fortalecer os depoimentos das vítimas com outras testemunhas.
Em seguida, buscamos outros documentos como habeas corpus ou queixas na justiça sobre a prisão da vítima. Depois, na parte importanteslot jatekokprovar que comandantes sabiam, o fato é queslot jatekoktodos os casos depois do sequestro as pessoas eram torturadasslot jatekokcentros clandestinosslot jatekokdependências das Forças Armadas ou da polícia. Era um sistemaslot jatekoktortura.
Para quebrar o silêncio, eles torturavam sem limites para conseguir mais informações. Isso mostrava a responsabilidade do comando e que não era um incidente isolado ou grupos agindo por conta própria. A Comissão da Verdade chamava esses locaisslot jatekoktorturaslot jatekok"centros clandestinos".
Mas os militares, naslot jatekoklinguagem, chamavamslot jatekok"localslot jatekokencontroslot jatekokprisioneiros". Quando perguntávamos aos generais quais eram os centros clandestinos na área sobslot jatekokresponsabilidade, eles negavam. Mas quando perguntávamos se havia "locaisslot jatekokencontroslot jatekokprisioneiros" nas suas áreas, eles reconheciam esses lugares. Eles admitiam que inspecionavam e prestavam informações aos comandantes.
slot jatekok BBC News Brasil - Como se chegou a uma prova irrefutável contra os comandantes militares?
slot jatekok Ocampo - Tivemos uma "smoking gun" (uma "arma fumegante", uma prova irrefutável). A melhor prova para mim foi um casoslot jatekokque a Marinha disse que freiras francesas foram sequestradas pelo grupo guerrilheiro Montoneros. Mostraram fotos das freiras com a bandeira dos guerrilheiros atrás.
Tivemos diferentes testemunhas dizendo que as fotos foram feitasslot jatekokum quartel da Marinha. E a mais importante testemunha foi o ex-presidente da França, Valéry Giscard d'Estaing, porque ele contou que recebeu o almirante Emilio Massera na Europa, quando o militar argentino fazia um tourslot jatekokbuscaslot jatekokapoio para virar o novo presidente.
O presidente francês perguntou a Massera sobre as freiras francesas. Massera deu um papel sem assinatura, mostrando que as freiras francesas, citadas pelo nome, foram mortas pelas Forças Armadas, não pelos guerrilheiros.
Massera alegava que o Exército tinha matado as freiras, mas a verdade era que a Marinha tinha matado, então Massera estava escondendo isso. Isso foi uma grande evidência, uma "smoking gun". E o presidente francês testemunhou.
Nenhum comandante matou com as próprias mãos. Eles davam ordens. Comandantes não atiram, traçam planos. As ordens formais nunca diziam para "torturar". As ordens diziam para fazer o que chamavamslot jatekok"entrevistas táticas". Usavam palavras diferentes para esconder os crimes.
Chamavam as vítimasslot jatekok"alvo planejado" e "alvo oportuno". "Alvo planejado" era a pessoa que devia ser sequestrada. "Alvo oportuno" era a pessoa que devia ser torturada. Algumas ordens nós localizamos, mas tivemosslot jatekokdecodificar, porque foram escritasslot jatekokmaneira cifrada.
O númeroslot jatekokvítimas transformou o julgamento. Militares tentaram dizer que venceram a guerra contra os terroristas. Mas o que fizeram foi pior. A verdadeira questão é a seguinte: tratamos pessoas violentas como criminosos com direitos ou inimigos que podem ser mortos? Militares consideraram que os argentinos eram inimigos a matar. Diziam que defendiam a democracia e a liberdade. Como podem matar e torturar defendendo a democracia e a liberdade?
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