InvasõesBrasília: 3 semelhanças (e 3 diferenças) com a invasão do Capitólio nos EUA há 2 anos:

Duas fotografias lado a lado: da invasãoBrasília e da invasão do Capitólio

Crédito, Getty Images

TantoWashington quantoBrasília, os manifestantes conseguiram passar pelo pequeno númeropoliciais que tentaram detê-los e abriram caminho quebrando janelas e arrombando portas.

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Bolsonaristasverde e amarelo durante a invasãoBrasília

Crédito, Reuters

No domingo, os bolsonaristas saíram das imediações do Quartel General do Exército onde estavam acampados e avançaram cercaoito quilômetros até a Praça dos Três Poderes para invadir o Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

Vestidos com as cores da bandeira nacional, sendo que muitos enrolados na própria bandeira brasileira, eles praticaram inúmeros atosvandalismo, destruindo tudo o que encontravam pela frente — quebraram vidraças, móveis antigos, obrasarte, equipamentosinformática e arquivos.

Como aconteceu no Capitólio6janeiro2021, vários vídeos publicados nas redes sociais mostram como alguns dos invasores levaram "troféus" do Congresso Nacional.

Em ambos os casos, muitos manifestantes vieramlugares distantes no país.

Em Washington, eles se reuniram pela manhã na esplanada conhecida como The Ellipse,frente à Casa Branca, para ouvir os discursosTrump ealgunsseus aliados. De lá, marcharam para o Capitólio. Muitos haviam chegado no dia anterior.

Invasão do Capitólio dos Estados Unidos

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Multidão invadiu o prédio do Congressojaneiro2021ato semelhante ao ocorrido no Brasil dois anos depois

Em Brasília, dezenasônibus com manifestantes chegaram horas antesoutras partes do Brasil para se juntar ao acampamentobolsonaristas na capital. Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, 40 desses ônibus já foram identificados, assim como quem os financiou.

A violência não foi apenas patrimonial.

Cerca70 pessoas,acordo com o Ministério da Saúde, ficaram feridas no domingo, incluindo policiais e jornalistas, que foram agredidos pela multidão. Pelo menos 1,2 mil pessoas foram detidas.

Em Washington, cinco pessoas morreram e cerca140 policiais ficaram feridos. Quatro policiais que responderam ao ataque cometeram suicídio desde então.

2. A narrativa

Tanto os apoiadoresDonald Trump quanto osJair Bolsonaro estão convencidos, sem nenhuma prova,que houve fraude nas eleiçõesque seus candidatos perderam — e que, portanto, eles estavam lutando para corrigir uma injustiça.

Assim como Trump fez (e continua a fazer nos EUA), Bolsonaro passou meses alimentando a narrativaque as eleiçõesque foi derrotado não foram limpas — e semeando dúvidas sobre as urnas eletrônicas, que poderiam ser manipuladas, segundo ele, seguindo retórica semelhante a que tem sido usada pelo ex-presidente dos Estados Unidos.

Apertomãos entre Donald Trump e Jair Bolsonaro

Crédito, Reuters

Em uma votação bastante apertada, o petista Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições presidenciais30outubro e tomou posse1ºjaneiro.

Lula conseguiu se candidatar e vencer as eleições após a condenação por corrupção que o fez passar 580 dias na cadeia ter sido anulada pelo Supremo Tribunal Federal.

Em um país profundamente dividido,que posições extremistas se acentuaram diante do populismoextrema-direita representado pela gestãoBolsonaro, a voltaum presidenteesquerda — sobretudo apóspassagem pela prisão — foi demais para seus opositores.

Desde a derrotaBolsonaro nas urnas, muitosseus apoiadores se organizaramgruposWhatsApp e Telegram para planejar manifestações e acampamentos como os que acontecemfrente aos quartéisvárias cidades do país.

Esse discursoconspiração que se ouve no Brasil lembra aquele que faz parte da estratégia da equipeDonald Trump desde que ele perdeu as eleições.

Na verdade, desde a derrota nas urnas, a equipeBolsonaro, incluindo seu filho Eduardo, tem mantido contato tanto com Trump quanto com seu estrategista Steve Bannon e seu ex-porta-voz Jason Miller, conforme revelou o jornal americano The Washington Post.

O próprio Bannon, ideólogo da nova direita radical populista, descreveu Bolsonaro como um "herói" e alimentou a teoria"eleição roubada"seu podcast War Room e na rede social Gettr, criada pelo ex-presidente americano.

3. O momento

Ambas as invasões aconteceram alguns meses depois das eleiçõesque seus candidatos foram derrotados.

Joe Biden venceu as eleições3novembro2020, embora só tenha tomado posse como presidente20janeiro2021.

Lula venceu o segundo turno das eleições presidenciais30outubro2022, e tomou posse1ºjaneiro, uma semana antes das invasõesBrasília.

Lula comemorando comequipe quando foi proclamado vencedor das eleições presidenciais brasileiras

Crédito, EPA

Durante esses dois meses, a retóricatorno da suposta fraude eleitoral — nunca comprovada — foi ganhando força nas redes e canaiscomunicação dos seguidores dos candidatos derrotados, até resultar nos ataques às instituições.

Esse tempo também permitiu que os invasores se organizassem.

No caso do Brasil, o Ministério da Justiça está agora investigando não só os autores dos atosviolência no domingo, como também quem os iniciou e financiou.

As diferenças

1. O papel do Exército e da polícia

Diferentemente do que aconteceu nos EUA, onde os trumpistas estavam determinados a retomar o poder por seus próprios meios, no Brasil os bolsonaristas pedem uma intervenção militar para levar Bolsonarovolta ao Palácio do Planalto.

Até domingo passado, o Exército, que desempenhou um papeldestaque durante o mandato do ex-presidente, parecia ter tolerado o acampamento desses manifestantesfrente aos seus quartéis.

"As principais figuras militares apoiaram a agendadireita radicalBolsonaro por um longo tempo e, mesmo recentemente, mostraram total apoio a várias manifestações a favor do golpeEstado que ocorreramdiferentes partes do país nos dias que antecederam o ataque", afirmou Rafael R. Ioris, professorhistória da América Latina,artigo publicado no sitenotícias acadêmicas The Conversation.

Durante a gestãoBolsonaro, vários militaresalto escalão ocuparam cargos no governo, incluindo no Ministério da Defesa e até mesmo no Ministério da Saúde durante o auge da pandemiacovid-19. Estima-se também que cerca6 mil militares ativos receberam cargos não militares no governo nos últimos 8 anos.

Um militar observa acampamento bolsonarista ser desmontado

Crédito, Reuters

Desde que assumiu o cargo, Lula manteve uma postura "conciliadora" com as Forças Armadas.

De acordo com o historiador Carlos Fico, estudioso da ditadura militar brasileira (1964 a 1985), "qualquer governo que assumisse agora teria dificuldade (na relação com os militares), a não ser que fosse umextrema-direita. Então, acho compreensível a tentativaacalmar os ânimos", disse eleentrevista à BBC News Brasil.

O papel da polícia durante as invasões também levantou questionamentos.

A imprensa brasileira divulgou vídeos que mostram uma aparente passividade dos policiais militares da capital diante dos invasores, chegando a conversar com elesforma descontraída.

O secretárioSegurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, que foi ministro da Justiça no governo Bolsonaro, foi exonerado do cargo pelo governador, e a Advocacia-geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federalprisão.

Durante as eleições, alguns setores da polícia também foram criticados por instalarem barreiras policiais nas rodovias para dificultar o acesso às zonas eleitorais nas regiõesque Lula seria eleito.

2. Trump ainda era presidente, e Bolsonaro não

A invasão do Capitólio2021 aconteceu ainda sob o mandatoDonald Trump. Apesarjá ter perdido as eleições, o republicano ocuparia a Casa Branca até o dia 20janeiro, então naquele momento ele era a autoridade máxima.

Bolsonaro, no entanto, deixou o cargo31dezembro — e se encontra, desde então, nos Estados Unidos, especificamente na Flórida.

Alguns meioscomunicação brasileiros interpretaram essa saída como uma estratégia para evitar comparecer à posseseu sucessor, enquanto seus opositores veem uma fuga preventiva diante do fim daimunidade presidencial, o que poderia colocar o ex-presidente perante a Justiça.

Na mesma manhã da invasão ao Capitólio, Donald Trump fez um discurso aos seus apoiadores no qual afirmou que nunca aceitaria o resultado das eleições, e no qual pediu ao seu vice-presidente, Mike Pence, que revogasse o resultado.

Embora não tenha feito um apelo explícito à violência, o discurso dele estava repletoimagens violentas e pedia, inclusive, que (seus apoiadores) marchassem até o Capitólio e "lutassem como demônios" porque, do contrário, segundo ele, "vocês não terão mais um país" .

Já Bolsonaro, embora alimente há meses teoriasque as eleições foram fraudadas, se desvinculou no domingo dos acontecimentosBrasília.

"Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasõesprédios públicos como ocorridos no diahoje, assim como os praticados pela esquerda2013 e 2017, fogem à regra", escreveu Bolsonaro no Twitter.

Ambos, no entanto, levaram várias horas para reagir depois que os incidentes começaram.

Na segunda-feira, foi anunciado que Bolsonaro havia sido internadoum hospital da Flórida com dores abdominais, embora seu estadosaúde não seja grave.

O ex-presidente foi esfaqueado2018 e desde então enfrenta dores abdominais.

3. O Capitólio estava no meiouma sessão

Outra diferença entre os dois ataques é que a invasãoBrasília aconteceuum domingo, com todas as instituições fechadas. Já a invasão do Capitólio,Washington, ocorreumeio a uma sessão legislativa.

E não era uma sessão qualquer, era a sessão do Legislativo que certificaria a vitóriaJoe Biden nas eleições.

Os trumpistas pretendiam, portanto, impedir a transferência pacíficapoder.

Diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos, os bolsonaristas não invadiram apenas a sede do Poder Legislativo, mas também a do Executivo e do Judiciário, à espera possivelmenteque outros se juntassem àluta, inclusive o Exército.

Os manifestantes vagaram pelos edifícios-sede dos Três Poderes, cujos projetos arquitetônicos sãoOscar Niemeyer, quase sem encontrar obstáculos até a polícia conseguir retirá-loslá.

Congressistas são retirados da Câmara dos Representantes dos EUA

Crédito, Getty Images

Na invasão ao Capitólio, no entanto, o prédio estava repletorepresentantes políticos e suas equipes, alémjornalistas e forçassegurança, o que causou pânico entre os presentes.

Muitos tiveram que se esconderseus escritórios, outrosseus assentos nas câmaras, enquanto alguns conseguiram ser retiradoscenas que nunca haviam sido vistas no país.

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