Como corteverba ameaça atendimento à saúdemoradoresrua:

Crédito, DanielSouza

Legenda da foto, Agentessaúde do Consultório na Rua durante atendimento

Em cinco anos, no período entre 2015 e 2020, estima-se que a populaçãobrasileirossituaçãorua mais do que dobrou, passandocerca102 mil para 222 mil, segundo estimativa do Ipea (InstitutoPesquisa Econômica Aplicada).

Apesar disso, dadosum estudo feito pelo Ieps e pelo Instituto Cactus, ao qual a BBC News Brasil teve acesso exclusivo, indicam que houve uma queda no investimento destinado ao programa Consultório na Rua.

Em 2019, o investimento foiR$ 580.470. Pouco depois,2021, o investimento do Ministério da Saúde na área caiu para R$ 490.436, uma reduçãocercaR$ 90 mil.

A BBC News Brasil questionou o Ministério da Saúde sobre o investimento reduzido, mas não recebeu resposta até a publicação desta matéria.

Crédito, IEPS (InstitutoEstudos para PolíticasSaúde

Legenda da foto, Dadospesquisa feita pelo Ieps e Instituto Cactus

"O programa é extremante importante e necessário para o atendimento da populaçãorua, e esse desmonteinvestimentos, que também vemos no SUS (Sistema ÚnicoSaúde) e na Farmácia Popular, tende a deixar esse grupouma situaçãovulnerabilidade ainda maior", analisa Nilza Rogeria Nunes, professora da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do RioJaneiro) e pesquisadora na áreapolíticas sociais.

Na avaliaçãoDayana Rosa, pesquisadora do Ieps, o número do contingente deve ser maior do que o notificado.

"Sabemos que não há metodologias capazesestimar com precisão quantas são as pessoas sem moradia. O dinheiro disponível para essa política pública não acompanha a necessidadequem está na rua."

Nilza Nunes acrescenta, ainda, que os censos deixamfora pessoassituaçãopobreza como catadoresrecicláveis que passam a semana dormindo nas ruas, mas periodicamente voltam às suas casas longe das cidades onde ficam na maior parte do tempo.

As políticas públicas focadas na populaçãorua ainda são recentes. Os avanços mais significativos começaram2009, com a instituição da Política Nacional para a PopulaçãoSituaçãoRua e do Comitê IntersetorialAcompanhamento e Monitoramento.

No âmbito da saúde, o Plano OperativoSaúde para a populaçãosituaçãorua, implementado no mesmo ano, e a criação do Programa Consultório na Rua,2012, são considerados os avanços mais relevantes.

Como funciona o Consultório na Rua

Há cerca180 consultóriosrua no Brasil. O trabalho das equipes é percorrer as cidades, sobretudo os locais conhecidos por maiores aglomeraçõespessoas desabrigadas, e oferecer atendimento.

O projeto faz parte do atendimento do SUS, financiado pelo Ministério da Saúde. Em alguns municípios, os consultórios têm parceria com instituições sem fins lucrativos, como é o casoSão Paulo, que fez parceira com o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto.

Crédito, DanielSouza

Legenda da foto, Vacinação, curativos, escuta ativasintomas clínicos e orientação são apenas algumas das ações promovidas pelos consultórios nas ruas

Há três tiposcomposições diferentes para as equipes, que podem ser formada com quatro a sete profissionais a depender do censo da populaçãorua naquela determinada cidade ou região.

Entre os agentes, podem estar enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, agentes sociais, técnicos ou auxiliaresenfermagem, médicos, técnicossaúde bucal, cirurgiões dentistas, profissionaiseducação física e profissionais com formaçãoarte e educação.

"O trabalho é ir até essas pessoas e perguntar se estão precisandoalguma coisa, se têm queixas relacionadas à saúde. Se o paciente responde que tem tossido, por exemplo, perguntamos há quanto tempo, se tem experimentado outros sintomas... Vamos ouvindo e tentamos solucionar o problema. Também fazemos curativos, aplicamos vacinas, fazemos atendimentos psicológicos...", diz o articulador nacional dos consultóriosrua, DanielSouza.

"Para chegar até essas pessoas, toda equipe tem, ou pelo menos deveria ter, um carro ou uma van com os insumos necessários, já que o atendimento é in loco. Algumas equipes têm um 'quartel general'alguma unidadesaúde, mas ao abordar um paciente que precisaum atendimento mais complexo, podemos levá-lo para qualquer unidade", completa.

Em vídeo veiculado pela Fiocruz no YouTube, uma idosa no RioJaneiro aparece recebendo atendimento odontológico.

"Eles que me acharam, eu tive essa surpresa. Eu ficava sentada lá, amuada. Eles perguntaram se eu queria ajuda, disseram que iam cuidarmim. Eu não tinha água para escovar os dentes, não tinha recursos."

Busca pelo cuidado integral

O articulador DanielSouza reforça que, para atender a uma população tão ampla, com características diferentes, é necessário pensaruma forma ampla e que abrace a questão da cidadania além das necessidades urgentes da saúde.

"Temos parcerias com a SecretariaDesenvolvimento Social e com a Defensoria Pública. Essa galera às vezes tem desejosair da rua, mas não querem ir para qualquer abrigo, não tem documentos, tem baixa escolaridade e pouca ou nenhuma experiência profissional. Com a parceria podemos oferecer soluções mais completas para essas pessoas", aponta.

Em alguns municípios, como é o casoSão Paulo, moradoresrua que tenham o ensino fundamental completo (ou consigam completar com a ajuda do próprio programa), podem ser empregados na própria equipe do consultório da rua.

É o caso, por exemplo,Samira Alves Matos, transexual que viveu um período difícil nas ruas e teve a oportunidadeentrar na equipe como agentesaúde. Com a ajudauma ONG focada na população LGBTQIA+, se formou na faculdade e hoje é assistente social.

"Hoje tenho a oportunidadeatender pessoas para quem conto minha história, e posso inspirá-las que é possível conseguir condições melhores", diz Samira.

Crédito, DanielSouza

Legenda da foto, Agentes dos consultórios nas ruas promovem, alématendimentosaúde, orientações sociais para a populaçãorua

As dificuldades do atendimento

Um dos empecilhos do atendimento à populaçãorua, especialmente para tratamentos mais longos, como para tuberculose (de duraçãocercaseis meses), ou até para doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e para pessoas que convivem com o vírus HIV, é o fatoque muitos são itinerantes, e portanto, é difícil para os agentessaúde encontrá-los.

"Mesmo que consigam os remédios, podem pegar chuva, serem roubados, e não conseguir no mês seguinte se perderem os documentos, por exemplo", exemplifica a pesquisadora Nilza Nunes.

Em relação à faltainvestimento, Daniel afirma que São Paulo e RioJaneiro sentiram menos impactos sobretudo por contaum dinheiro destinado especificamente durante o período da pandemia da covid-19. "Mas equipesoutras cidades perderam trabalhadores e insumos", diz.

"Já existem políticas nacionais voltadas à populaçãorua desde 2009. A gente precisa mostrar que há pessoas comprometidas com essa luta, e o que falta realmente é investimento. Teríamos condiçõesatuarforma muito mais humanizada e ampla se isso virasse uma pauta política, mas há faltainteresse politico, e isso inclusive reverbera no olhar que a sociedade tem: quem desconhece, criminaliza", conclui Nilza.

Crédito, DanielSouza

Legenda da foto, Agentessaúde a caminhomoradoresrua que vivem embaixoponte

- Este texto foi publicadohttp://vesser.net/brasil-62810753

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