Racismo fora do debate presidencial: 'Democracia brasileira é festa para poucos', diz pesquisadora:bet365 da bonus
"É como se a democracia brasileira fosse uma festa para poucas e poucos, e todo mundo que está ali, buscando nos representar naquela festa, olhasse apenas para um pedaço da população. Para a metade branca da população brasileira. Isso é um problema."
Ela observa que todos os dados sociais brasileiros mostram diferenças significativas entre brancos e não brancos. Desemprego, baixa renda, violência, feminicídio são todos exemplosbet365 da bonusproblemas que afetam mais gravemente pretos e pardos do que a parcela branca da população, ressalta.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
bet365 da bonus BBC News Brasil - Você foi uma das muitas pessoas negras a chamar atenção para a ausência do tema do racismo no debate presidencial deste domingo [28/8]. Nabet365 da bonusavaliação, por que esse tema não esteve presente na discussão entre os candidatos e qual é o problema disso?
bet365 da bonus Bianca Santana - Me parece que essas candidaturas não compreenderam ainda que o racismo é o problema central do país. Que todas as nossas desigualdades se estruturam a partir do racismo.
O Lula mencionou a escravidão, a Simone Tebet menciona mulheres negras. Mas são menções muito tímidas diante do tamanho do problema a enfrentar nesse país. O problema do racismo é enorme para ele não ser central num debatebet365 da bonus2022.
A gente não pode esquecer que, depois do assassinato do George Floyd [americano negro mortobet365 da bonus2020 por um policial branco que ajoelhoubet365 da bonusseu pescoço], estava todo mundo querendo mostrar que era antirracista, incluindo a própria imprensa. E aí, num debate promovido pela Band, com uma sériebet365 da bonusoutros órgãosbet365 da bonusimprensa, quem faz perguntas são apenas jornalistas brancos.
bet365 da bonus BBC News Brasil - A ausênciabet365 da bonusjornalistas negros e negras entre os entrevistados é um fator importante na omissão do tema do racismo no debate?
bet365 da bonus Santana - Me parece que são dois assuntos paralelos. Porque os jornalistas brancos teriam toda a condiçãobet365 da bonusperguntar sobre o racismo. Hoje, no Brasilbet365 da bonus2022, não dá para nenhum jornalista que estivesse naquele lugar dizer que não prestou atenção ainda no racismo.
As pessoas sabem que o racismo existe e mesmo as pessoas brancas, sabendo do tamanho dessa questão do Brasil, e sabendo que somos um paísbet365 da bonusmaioria negra, têm obrigaçãobet365 da bonuscolocar esse tema. Então me parece que a responsabilidade desses jornalistas brancos e desses veículos também tem que ser cobrada.
Outro dado é que nenhum jornalista negro fez perguntas. Um jornalista negro ou uma jornalista negra poderia estar lá para qualificar o debate sobre economia, sobre corrupção.
Ninguém ali teve coragem, por exemplo,bet365 da bonusperguntar sobre "rachadinha", sobre cheque que Michelle Bolsonaro recebiabet365 da bonus[Fabrício] Queiroz, sobre as relaçõesbet365 da bonusBolsonaro com a milícia. Talvez um jornalista negro pudesse fazer essas perguntas, pudesse ter aprofundado o debate sobre saúde ou qualquer outro tema.
[Nota da redação: o presidente e a primeira-dama sempre negaram qualquer envolvimento com irregularidades]
bet365 da bonus BBC News Brasil - A diversidade também entre os jornalistas participantes é importante para garantir a diversidadebet365 da bonustemas, por exemplo?
bet365 da bonus Santana - Com certeza, eu não tenho dúvidabet365 da bonusque é importante. Só que eu também não gostaria que a gente reforçasse que o racismo só não foi debatido porque não tinha jornalista negro.
Porque tem jornalistas negros que são especializadosbet365 da bonusuma sériebet365 da bonusoutros temas e a gente não pode esperar que só jornalistas negros perguntam sobre racismo. Mas não tenho dúvida nenhumabet365 da bonusque o debatebet365 da bonusgênero só existiu ali porque alémbet365 da bonuscandidatas mulheres, tinha também jornalistas mulheres que olham para a questãobet365 da bonusgênero.
bet365 da bonus BBC News Brasil - Queria voltar àbet365 da bonusprimeira resposta. A senhora falou que nossas desigualdades se estruturam a partir do racismo aqui no Brasil. Queria que você explicasse um pouco mais esse ponto. O que a senhora quer dizer quando diz que nossas desigualdade se estruturam a partir do racismo?
bet365 da bonus Santana - Todos os nossos dados sociais mostram uma diferença enorme quando a gente fala da população branca, num extremo, e da população preta e pardabet365 da bonusoutro extremo, que é o que chamamosbet365 da bonuspopulação negra.
Quando a gente olha para os dadosbet365 da bonusdesemprego, por exemplo, para a população negra, os dados são ainda piores do que para a população branca. Quando falamos da renda, a população negra tem a menor renda. Quando a gente falabet365 da bonusviolência, a população negra é a que mais sofre violência.
Os candidatos falaram no debate sobre a pandemia. Quem mais morreu na pandemia foram pessoas negras. Então, se eu não racializo esse debate, eu não consigo propor soluções efetivas para o Brasil.
Porque eu vou continuar reproduzindo práticas que mantêm pessoas negras na base da pirâmide social e que fazem as soluções não serem eficazes.
Quando a gente olha, por exemplo, a Lei Maria da Penha que é uma lei super importante e quebet365 da bonusfato reduziu o feminicídio entre mulheres brancas, nos espanta perceber que, entre as mulheres negras, o feminicídio não só não foi reduzido, como aumentou.
Isso é muito grave, porque [sem discutir as desigualdade raciais], eu não consigo olhar para os problemas do Brasil da forma como eles realmente existem na sociedade. E aí eu crio falsas soluções para os nossos problemas.
Me preocupa muito o debate deste domingo, porque não compreender que todos os temas abordados têm relação direta com a questão racial significa que, provavelmente, muitas dessas candidaturas não vão conseguir enfrentar o problema do racismo. Se elas não tiverem o enfrentamento à desigualdade racial como algo central, a maior parte das soluções por elas propostas vai ser capenga.
bet365 da bonus BBC News Brasil - A questão das mulheres acabou ganhando uma centralidade no debate deste domingo, a partir do ataque do presidente Jair Bolsonaro à jornalista Vera Magalhães. Nabet365 da bonusvisão, para além do tema da mulher, seria importante que as campanhas presidenciais discutissem especificamente o tema da mulher negra e das políticas públicas para essa parcela da população, que é a mais afetada pela fome, miséria, desemprego, informalidade, violência, como a senhora ressaltou. Seria importante um olhar específico para a mulher negra por parte dos candidatos?
bet365 da bonus Santana - É sempre importante olhar para as especificidades da população. Não existir menção às mulheres negras, que são a base da pirâmide social do país, é um problema. Não ter havido menção à população LGBTQIA+ [sigla que inclui lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, queers, intersexuais, assexuais e todas as demais sexualidades e gêneros], é mais um problema, pois quem mais sofre violência política nesse país são as mulheres negras trans.
Não haver menção aos povos indígenas, que têm sido exterminados, que têm sofrido um monte com o agronegócio, que foi tão elogiado naquele debate...
É como se a democracia brasileira fosse uma festa para poucas e poucos e todo mundo que está ali, buscando nos representar naquela festa, olhasse apenas para um pedaço da população. Para a metade branca da população brasileira. Isso é um problema.
É como no início da nossa democracia, quando as pessoas começaram a votar no Brasil, que só homem branco rico votava e tínhamos uma democracia que era para pouquíssimas pessoas e representava pouquíssimos. A gente vive a mesma coisabet365 da bonus2022.
Isso a gente consegue perceberbet365 da bonusforma muito escancarada no debate presidencial, mas podemos falar o mesmo sobre a Câmara Federal e o Senado. O Legislativo é muito ocupado pelos homens brancos, que estão sobrerrepresentados e há uma sub-representação extremabet365 da bonusmulheres negras no Congresso Nacional.
Se estamos falandobet365 da bonusdemocracia representativa, esse é um grande problema da nossa democracia e isso não é ruim apenas para a população negra, é ruim para todas as pessoas porque temos uma democracia frágil.
bet365 da bonus BBC News Brasil - Se por um lado o tema racial parece distante das campanhas presidenciais, esse ano temos pela primeira vez o númerobet365 da bonuscandidatos negros superando obet365 da bonusbrancos. Como a senhora avalia essa mudança?
bet365 da bonus Santana - Tem muitas coisas para a gente pensar sobre isso, mas acho que conseguiremos ter essa conversa melhor depois da eleição, quando saberemos se esse aumentobet365 da bonuscandidaturas negras significa um maior númerobet365 da bonuspessoas negras eleitas.
Porque o númerobet365 da bonuscandidaturas negras nunca foi pequeno, mas o númerobet365 da bonuspessoas eleitas sim.
O orçamento secreto dribla uma conquista importante do movimento negro brasileiro que ébet365 da bonusconseguir verba do fundo partidário para financiar campanhasbet365 da bonuspessoas negras. Se há um mínimobet365 da bonusequidade na distribuição do fundo partidário, o orçamento secreto permite que um montebet365 da bonusdinheiro seja colocadobet365 da bonusforma nada transparentebet365 da bonuspoucas candidaturas [atravésbet365 da bonusemendas cuja destinaçãobet365 da bonusrecursos fica a critério dos parlamentares].
O resultado disso me preocupa e vamos ter que prestar muita atenção para entender se esse crescimento [de candidaturas negras] vai ser proporcional ao númerobet365 da bonuspessoas negras eleitas.
bet365 da bonus BBC News Brasil - Um dos temas quentes do debate deste domingo foi a paridade entre homens e mulheres na composição do ministério. A senhora avalia que algo parecido com relação à diversidade racial também seria desejável?
bet365 da bonus Santana - Estamos tão longebet365 da bonusfalarbet365 da bonusparidade... Eu acompanhei a Coalizão Negra por Direitosbet365 da bonusuma viagem ao Chile no início desse ano. E pudemos ver o governo [Gabriel] Boric com paridadebet365 da bonusgênero. Mas também uma Constituinte que se propôs paritária, que teve uma maioriabet365 da bonusparlamentares constituintes eleitas mulheres, mas por respeitar a paridade, colocaram metadebet365 da bonushomens e metadebet365 da bonusmulheres.
Quando dizemos que gostaríamosbet365 da bonuster paridadebet365 da bonusgênero e raça, isso tem a ver com o equilíbrio numa democracia que é representativa. Se o Brasil não fosse um país racista, não seria necessário colocar paridade como meta. Mas a gente precisa falar na paridade porque, se não, as pessoas negras não são colocadas. É o que a [psicóloga e ativista] Cida Bento chama do "pacto narcísico da branquitude" [espéciebet365 da bonusacordo silencioso entre pessoas brancas para manter privilégios].
Então eu só reconheço como digno, eu só reconheço o méritobet365 da bonusquem é igual a mim. E aí eu só vou chamar homens brancos como eu para compor o meu governo, num discursobet365 da bonusmeritocracia que não tem nadabet365 da bonustécnico, nem neutro. Seria afirmar que a gente não tem pessoas negras no Brasil suficientemente preparadas para ocupar cargosbet365 da bonusconfiança, cargos executivos. O que também seria uma afirmação racista.
bet365 da bonus BBC News Brasil - Mas a senhora acredita que seria desejável, por exemplo, uma lei, uma meta dos governos, ou uma pressão da sociedade rumo à paridade? Como isso poderia ser feito na prática?
bet365 da bonus Santana - Não temos um histórico no Brasilbet365 da bonusas leis resolverem nossas questões raciais. Racismo é crime na Constituição brasileira, ainda assim assistimos racismo todos os dias. A própria Abolição: foi escrito no papel que as pessoas negras não seriam mais escravizadas, só que tinha uma política que não oferecia nem terra, nem trabalho digno, nem educação. Então que liberdade é essa?
Eu tenho grande dificuldadebet365 da bonusachar que só o texto da lei nos serve. Me parece que temos que complexificar o debate, não tem resposta simples para problema complexo.
Alémbet365 da bonuspensarmosbet365 da bonusparidade — que é sim interessante para o Executivo — precisamosbet365 da bonusum Congresso Nacional mais representativo. Porque aí esse Congresso com pessoas negras ligadas a pauta antirracista, com mulheres realmente conectadas ao feminismo, esse Congresso tem condiçãobet365 da bonusdebater a necessidade ou nãobet365 da bonusdeterminada legislação,bet365 da bonusinterlocução com a sociedade.
bet365 da bonus BBC News Brasil - A senhora lembrou desse históricobet365 da bonusleis que não tiveram resultados completos no combate ao racismo, mas temos o exemplobet365 da bonusuma lei muito bem sucedida, que é a Leibet365 da bonusCotas. Ela está completando dez anos esse ano e vai ter que ser rediscutida no próximo governo, já que o atual não o fez, apesar dessa revisão estar prevista na lei. Teria sido importante saber o que os candidatos pensam acerca desse tema? E como a senhora está vendo a discussão sobre o futuro da Leibet365 da bonusCotas?
bet365 da bonus Santana - Acho ótimo você perguntar da Leibet365 da bonusCotas. Porque as cotas nas universidades públicas começaram antes da existênciabet365 da bonusuma lei. A UERJ [Universidade do Estado do Riobet365 da bonusJaneiro] e a UnB [Universidadebet365 da bonusBrasília] fizeram políticasbet365 da bonuscotas e um partido contrário a essa política foi à Justiça dizer que aquilo era inconstitucional.
A partir daí, o movimento negro, a sociedade civil organizada se articula para defender as cotas raciais e afirmar que aquela era uma prática sim constitucional. Então a gente tembet365 da bonus2012 a Leibet365 da bonusCotas, nesse contextobet365 da bonusenfrentamento. Por isso eu acho que as leis são muito importantes e muito efetivas quando elas estão diretamente conectadas com as práticas sociais, que foi exatamente o que aconteceu na Leibet365 da bonusCotas.
bet365 da bonus BBC News Brasil - Mas a senhora acredita que seria importante saber o que os candidatos pensam acerca da continuidade dessa lei?
bet365 da bonus Santana - Me parece que a gente não tem que ficar perguntando se as coisas que já estão provadas como positivas são boas ou ruins. A Leibet365 da bonusCotas se mostrou extremamente efetiva. Todas as avaliações sãobet365 da bonusque foi uma política que funcionou. Então por que eu vou perguntar para um candidato o que ele acha dessa lei? Fica parecendo que é uma questãobet365 da bonusopinião e não é.
bet365 da bonus BBC News Brasil - Mas mesmo pessoas defensoras da Leibet365 da bonusCotas indicam que ela pode ser aperfeiçoada. Por exemplo, o próprio [sociólogo, economista e professor da Universidade do Texas associado ao Departamentobet365 da bonusEstudos da Diáspora Africana] Marcelo Paixão, numa entrevista recente, falou da necessidadebet365 da bonusse incluir a assistência estudantil como uma parte integrante da políticabet365 da bonuscotas. Então, talvez esses dez anos da lei pudessem ser usados como um momentobet365 da bonusaperfeiçoá-la. Por isso eu pergunto se seria importante ter esse debate com quem vai estar à frente do poder nos próximos quatro anos.
bet365 da bonus Santana - Eu não tenho dúvidabet365 da bonusque avaliar a Leibet365 da bonusCotas é importante e aprimorá-la também. Só que essa avaliação não pode ser baseada na opinião, nembet365 da bonuscandidatos à presidência, nembet365 da bonusquem quer que seja.
Precisa ser uma avaliação rigorosa, quebet365 da bonusfato olhe o que é efetivo na Leibet365 da bonusCotas e o que precisa ser melhorado nela. Agora, se a gente faz essa pergunta solta num debate, as pessoas vão responder a opinião delas sobre aquele tema. É uma possibilidade, sempre é.
Mas confesso a você que me parece pertinente fazer essa avaliação da Leibet365 da bonusCotas com um Congresso Nacional mais interessante do que a gente tem hoje.
bet365 da bonus BBC News Brasil - Por fim, a senhora é autora da biografia da Sueli Carneiro, uma das mais importantes militantes do movimento negro brasileiro. Como o movimento negro tem atuado para fortalecer a presença da temática racial nas eleições e as candidaturas negras?
bet365 da bonus Santana - A Coalizão Negra por Direitos tem uma iniciativa chamada Quilombo no Parlamento. Alémbet365 da bonusapresentar maisbet365 da bonus100 candidaturasbet365 da bonusvários partidos, são candidaturas conectadas à agenda política da coalizão. E isso é fundamental.
Se o debate racial está tão longe do debate das candidaturas à Presidência, precisamos buscar um equilíbrio no Congresso Nacional. Então nós que vamos votarbet365 da bonus2022 precisamos ter issobet365 da bonusmente. Precisamos eleger candidaturas negrasbet365 da bonusmovimento negro. Porque essa é a nossa chancebet365 da bonuster algum equilíbrio na nossa democracia.
Tem um slogan da Coalizão que é: "Enquanto houver racismo, não haverá democracia". Então precisamos desse equilíbrio para que o paísbet365 da bonusfato cumpra a Constituição e assegure direitos para todas as pessoas.
Precisamosbet365 da bonusum equilíbrio na nossa representação no Congresso. Precisamosbet365 da bonuspolíticas públicas destinadas à população negra. Precisamos enfrentar o racismobet365 da bonustodas as políticas. Essa é a nossa chancebet365 da bonuscumprir a nossa Constituição e viver num país democrático.
- Este texto foi publicado originalmentebet365 da bonushttp://bbc.co.ukhttp://vesser.net/brasil-62718701
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