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Quem foi Maria Felipa, a escravizada liberta que combateu marinheiros portugueses e incendiou navios:lampions bets
"Nos cortejos cívicos e nos espetáculos que têm lugar por ocasião das comemorações da independência, as estampas com os seus rostos costumam ser vistos e muito bem apreciados", afirma.
A primeira a quem Moura se refere é Joana Angélicalampions betsJesus, superiora do Convento da Lapa,lampions betsSalvador, que foi assassinada por soldados portugueses que queriam invadir o local, no dia 8lampions betsnovembrolampions bets1822, na Batalhalampions betsPirajá.
A segunda é Maria Quitérialampions betsJesus, a primeira mulher a ingressar nas Forças Armadas brasileiras e, que para isso, se disfarçoulampions betshomem — cortou o cabelo, amarrou os seios e vestiu roupas masculinas — e se alistou como soldado Medeiros.
O professor Gilberto Mendonça, da Universidade Estaduallampions betsFeiralampions betsSantana (UEFS), tem dois hobbies: o estudolampions betshistória, sobretudo da Bahia, e colecionar álbunslampions betsfigurinhas, hábito que trouxe da infância.
"Durante a pandemia, os dois passatempos se mesclaram e,lampions betscolaboração com um grupolampions betsamigos colecionadores, criamos um álbumlampions betsfigurinhas sobre a história da Bahia", revela.
"Foi na pesquisa para a confecção deste álbum que me aprofundei um pouco mais na histórialampions betsMaria Felipa, uma das três heroínas da independência do Brasil."
Para ele, sendo lenda ou realidade, Maria Felipa faz parte do imaginário popular, suas histórias são contadas e cantadaslampions betstodo recôncavo da Bahia.
Ela é retratada como uma mulher negra, marisqueira, que trabalhava na indústria baleeira, e sobretudo, uma das grandes heroínas da guerra da independência do Brasil e da Bahia,lampions bets2lampions betsjulholampions bets1823, quando finalmente houve a rendição e fuga dos portugueses.
"Acimalampions betstudo, é um ícone, um exemplo, um modelolampions betsmulher, negra, trabalhadora e corajosa", diz ele.
Maria Felipa teria nascido na Ilhalampions betsItaparicalampions betsdata incerta e morridolampions bets4lampions betsjulholampions bets1873. Chamada na épocalampions betsArraial da Ponta das Baleias, a ilha passou depois a ter o nome atual, que,lampions betstupi, significa "cercalampions betspedra", devido aos recifeslampions betscorais que a rodeiam. Ela tem 36 kmlampions betscomprimento e uma superfícielampions bets180 km², que abrigam 36 localidades.
Segundo conta Eny Kleydelampions betsseu livro, baseado principalmentelampions betsdepoimentos oraislampions betsilhéus atuais e obraslampions betsautores que a precederam - entre os quais Ubaldo Osório Pimentel (1883-1974), avô do escritor João Ubaldo Ribeiro -, Maria Felipa, descendentelampions betssudaneses, nasceu na Rua da Gameleira, no atual municípiolampions betsItaparica. Ela morou na regiãolampions betsBeribeira e, depois, na Ponta das Baleias, num casarão chamado "Convento".
Localizado próximo às principais edificações, o "Convento" era uma residêncialampions betstrabalhadores, na qual se alojavam pescadores, carpinteiros, marisqueiros, entre outros, conta Enylampions betsseu livro.
"Maria Felipa nasceu 'provavelmentelampions bets1799', conforme registra Fernando Rebouças,lampions betspublicação do Informativo Assabita [Associação dos Amigos da Bibliotecalampions betsItaparica]."
De acordo com o historiador Pablo Antonio Iglesias Magalhães, da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), a personagem Maria Felipa apareceu pela primeira vezlampions betsletralampions betsforma no livro A Ilhalampions betsItaparica: História e Tradição, escrito por Pimentel maislampions betsum século depois da guerra.
"É possível afirmar que personagens citados por ele, na referida obra, não possuem nenhum respaldo documental", garante.
É o casolampions betscerto impressor, que, com ouvidos apurados, teria interceptado informações militares junto ao editor português Inácio Josélampions betsMacedo, que era contrário à independência, e alertado às autoridadeslampions betsItaparica da iminêncialampions betsuma investida militar contra a ilha.
"Pode ser que tenham existido, permanecendo na memória, mas sem os devidos registros", diz Magalhães.
De acordo com a tradição oral, no entanto, na guerralampions betsindependência da Bahia, Maria Felipa teria se destacado na defesalampions betsItaparica, quando os portugueses atacaram a ilhalampions bets7lampions betsjaneirolampions bets1823.
Segundo Laurentino Gomes,lampions betsseu livro 1822, que não tem nenhuma referência à personagem, foi um grande ataque lusitano, com "40 barcas, dois brigueslampions betsguerra e lanchas canhoneiras contra a fortalezalampions betsSão Lourenço e o povoado". Mas os baianos resistiram, no entanto, e depoislampions betstrês diaslampions betscombates, derrotaram os inimigos.
O professorlampions betshistória da América, Rodrigo Lopes, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), chama atenção para o fatolampions betsque a ilha era um local estratégico para portugueses e baianos, pois está no caminho entre a foz do Rio Paraguaçu e a Baíalampions betsTodos os Santos, por onde entrava a maior parte dos víveres que abasteciam a cidadelampions betsSalvador.
Por isso, ocupar Itaparica era condição indispensável para que os portugueses pudessem ter acesso a alimentos, que já não chegavam do sertão por terra, pois os baianos, liderados por Pedro Labatut, general francês contratado para comandar as tropas brasileiras, haviam formado uma barreiralampions betsPirajá.
"A intenção era matar a 'marotada'lampions betsfome", informa Lopes. A palavra "marotos" designava os portugueses colonialistas na época.
Foi neste contextolampions betsguerra que Maria Felipa teria atuado e se destacado. Conta a tradição que ela se alistou na Campanha da Independência, que reunia índios, negros livres e escravizados — africanos e brasileiros e até alguns portugueses, que eram a favor da independência do Brasil, e que organizavam a resistência na ilha.
Segundo Eny Kleyde narralampions betsseu livro, na Campanha havia as "vedetas", no sentidolampions betssentinelas ou vigias, que, dia e noite, vigiavam barcos próximos ou que vinham ao longe, com intençãolampions betsatacar a ilha.
"Maria Felipalampions betsOliveira era líder das 'vedetas', observando as praias, as matas, os caminhos e subindolampions betsouteiros, principalmente o do Balaústre e o da Josefa, que ficavam próximos aos camposlampions betsguerra, para identificar os portugueses que desciam dos barcos para saquear", diz a escritora emlampions betsobra.
Mas Maria Felipa também teria entradolampions betscombate direto, durante a batalhalampions bets7lampions betsjaneiro.
"Ao contrário do que acontece com relação a Joana Angélica e Maria Quitéria, não dispomoslampions betsdocumentoslampions betsarquivo que atestem a existência e atuação dela", ressalva Moura.
"A tradição popular vem, assim, completar a lacuna dos arquivos. Maria Felipa é situada principalmentelampions betsdois eventos, sempre acontecidos na beira do mar".
O primeiro, continua Moura, é a surralampions betscansanção (Jatropha urens), uma planta urticante que produz uma coceira intensa e que, com golpes vigorosamente desferidos, pode produzir queimaduras muito dolorosas, que Maria Felipa e suas companheiras teriam dado nos soldados portugueses.
"A narrativa falalampions betsum grupolampions betsmulheres que começaram a dançar na praia,lampions betsmodo insinuante", conta o historiador.
"Quando os portugueses se aproximaram, elas teriam se lançado sobre eles com os molhoslampions betscansanção ocultados sob os arbustos."
Há outras versões sobre como elas esconderam os galhos da planta. Segundo uma delas, Maria Felipa e suas companheiras aproveitavam suas roupas largas para ocultar armas, principalmente peixeiras (facas), que usavamlampions betsseu trabalho. Elas também misturavam folhaslampions betscansanção junto a flores e outros ramos comuns, que faziam com que parecessem apenas enfeitadas. Mas na verdade, estavam vestidas para matar.
O segundo episódio citado por Moura é o incêndiolampions betsnavios portugueses causado por tochas, lançadaslampions betsuma canoa conduzida por Maria Felipa e suas companheiras, impondo assim perdas às tropas inimigas.
O quadro Alegoria ao 7lampions betsJaneiro,lampions betsautorialampions betsMike Sam Chagas, professor da Escolalampions betsBelas Artes da UFBA, pintadolampions bets2019, retrata a batalhalampions bets7lampions betsjaneirolampions bets1823.
Na obra, reproduzida acima, a personagem Maria Felipa aparece no centro, com uma blusa clara que deixa os ombros à mostra e uma tocha acesalampions betsuma das mãos.
"Àlampions betsesquerda, outra mulher empunha um ramolampions betservas — justamente o cansanção", descreve Moura.
"Veem-se personagens índios, negros e brancos. No canto superior esquerdo, o Fortelampions betsSão Lourenço, onde está guardado o quadro. No canto superior direito, os navios portugueses."
O problema é que não há provas históricas destes dois episódios.
"Não há registros sobre a tal 'sedução' com dança", diz o pesquisador independente itaparicano Felipe Peixoto Brito.
"Além do mais, considerando o climalampions betsbeligerância, e profundo preconceito das tropas europeias (até mesmo contra brancos nascidos no Brasil), jamais dariam lugar a tal cena. A narrativa me parece recente, e frutolampions betsum sexismo,lampions betsque uma mulher só poderia vencer homenslampions betsum confronto se valendo do desejo do seu corpo,lampions betstraição oulampions betsveneno."
No caso dos navios portugueses incendiados, Brito diz que,lampions betsfato, alguns foram queimados e destruídos pelas forças itaparicanas, entrincheiradas ao longolampions betsmaislampions bets8 km entre a Praia do Mocambo, o povoadolampions betsItaparica, e a praialampions betsAmoreiras.
"A ilha foi atacada por maislampions bets40 navios armadoslampions betsdiferentes tamanhos", conta.
"Apesar da grande perdalampions betssoldados e marinheiros portugueses (cercalampions bets200, entre mortos e feridos), sabemos que o incêndiolampions betstodos eles não ocorreu, sendo fruto do exagero oulampions betsconfusão narrativa, pois isso representaria um massacre vergonhoso elampions betsgrandes proporções para época."
Com outras palavras, é o que também diz Magalhães. Ele observa que, se uma única embarcação tivesse sido destruída, seria necessário fazer os competentes relatórios. Destruir dezenas delas colapsaria a marinha portuguesa da época, e os responsáveis por uma falha dessa natureza deveriam responder aos superiores ou comissão militar.
"Uma única canhoneira causou imensa comoção ao atacar a vilalampions betsCachoeira,lampions betsjunholampions bets1822", lembra.
"Considerado o estrago que dezenaslampions betsbarcos poderiam realizar, deve-se ponderar o que representaria, à época, a mítica açãolampions betsincendiá-los. Alguém teria que responder pelo fiasco."
O historiador Jaime Nascimento é mais radical sobre a existêncialampions betsMaria Felipa.
"Ela não existiu", garante. "É uma personagemlampions betsficção criada pelo escritor itaparicano Ubaldo Osório, avôlampions betsJoão Ubaldo Ribeiro, que foi apropriada por segmentos do 'Movimento Negro' e transformadalampions bets'Heroína da Independência'lampions betsforma bizarra e desonesta com a história."
De qualquer forma, os estudos continuam e a percepção sobre Maria Felipa vem mudando nos últimos anos.
No primeiro caso, Magalhães diz que algumas novidades têm aparecido, "fruto da investigação do pesquisador independente Felipe Peixoto Brito, possivelmente quem mais conhece a documentaçãolampions betsItaparica atualmente".
"Certa Maria Felipa é mencionadalampions betsdocumentoslampions bets1832 e 1834", afirma.
No primeiro, ela está registrada como solteira e no segundo, tem uma filha.
"Então, é possível que exista alguém, para além do mito, que pode ser melhor compreendida por meiolampions betsexaustiva buscalampions betsvelhos papéis", acredita Magalhães.
O próprio Brito diz que isso prova apenas a existência dela, nãolampions betsepisódios atribuídos a ela.
Em relação à percepção sobre a personagem, isso pode ser notado nas comemorações da independência.
"Nos cortejos do 2lampions betsjulho,lampions betsSalvador, elampions bets7lampions betsjaneiro,lampions betsItaparica, há sempre pelo menos uma mulher — jovem ou menina — caracterizada como Maria Felipa", observa Moura.
Neste ano, no cortejo do 2lampions betsjulho,lampions betsSalvador, um pequeno grupolampions betsum Candomblé Angola trazia, na frente, uma mulher corpulenta,lampions betstorço e blusa branca com os ombros à mostra.
"Enfim, é uma personagem que se consagrou no repertório das comemorações", diz Moura.
"Em escolaslampions betsItaparica, a personagem é entusiasticamente encenadalampions betsatividades com crianças e adolescentes."
Seja lenda ou real, para muitos estudiosos Maria Felipa não deixalampions betster importância histórica.
"Não é difícil compreender o entusiasmo da populaçãolampions betsItaparicalampions betstornolampions betssua grande personagem feminina, que se difundiu e intensificou nos últimos quinze anos", diz Moura.
"Uma mulher do povo, negra, marisqueira, transpõe o limitelampions betssua condiçãolampions betssubalternidade e se constitui como sujeito político proeminente."
Para Brito, Maria Felipa é "um símbolo maior das classes oprimidas, na disputa eterna que é o passado".
"Reconhecer a participação dela e da 'gente comum' do Recôncavo Baiano nessa luta, é fundamental para a construçãolampions betsum país que quer superar o racismo e a misoginia", defende.
"Os questionamentos acerca disso jogam luz sobre o ceticismo, a acomodação e o desinteresse da historiografia clássica, pela memória dos oprimidos, ao mesmo tempo que revelam novos caminhos, criam sonhos e orgulham aqueles que se sentiam à margem desse processo, como eu, um jovem pesquisador, negro e filholampions betsItaparica."
O historiador André Carvalho, especialistalampions betshistória da Bahia e ex-diretor do Museu Memorial da Câmara Municipal do Salvador, pensalampions betsmaneira semelhante. De acordo com ele, durante muitos anos a trajetória dessas mulheres negras baianas, a exemplolampions betsFelipa, permaneceram anônimas na história da Bahia e do Brasil.
"Eram lembradas apenas nos conteúdos escolares por referências negativas, quando citadas como baderneiras, arruaceiras e bandidas, criando assim uma identidade indissociável da mulher negra ao crime", critica.
"Uma imposição racista histórica, que leva a figura feminina negra a ter suas características estéticas marginalizadas e riscadas da existência."
Ele acredita que Maria Felipa timidamente hojelampions betsdia vem sendo inscrita na história e nos espaços da sociedade. Ela também vem sendo inserida não só nas comemorações oficiais do 2lampions betsjulho, como também no 7lampions betssetembro.
"Como o desfile do Grito dos Excluídos, reconhecendo que 'muitas surraslampions betscansanção' e queimalampions betsnavios ainda serão necessárias para se lembrar das heroínas negras na proclamação do 2lampions betsjulho, a verdadeira independência do Brasil", avalia.
Tendo existido ou não, e mesmo com a história praticamente desconhecida, Maria Felipalampions betsOliveira foi declarada,lampions bets26lampions betsjulholampions bets2018, Heroína da Pátria Brasileira pela Lei Federal nº 13.697, tendo seu nome inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que se encontra no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves,lampions betsBrasília.
- Este texto foi publicado em http://vesser.net/brasil-62353785
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