Nise da Silveira: quem foi a psiquiatra brasileira que foi pioneira no tratamento com artes:não consigo entrar no pixbet
"Seu trabalho mudou os tratamentos psiquiátricos, substituindo métodos pouco eficientes e extremamente agressivos para os pacientes com transtornos mentais", prossegue Rehfeld.
O psiquiatra Paulo Amarante, presidente honorário da Associação Brasileiranão consigo entrar no pixbetSaúde Mental e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ressalta que "Nise foi uma psiquiatra que questionou os métodos invasivos, violentos e ineficazes da psiquiatria". "Ao se recusar aplicar a eletroconvulsoterapia [ECT], abriu um precedente singular na psiquiatria ortodoxa", diz ele, à BBC News Brasil.
Tratamento pela arte
A psiquiatra acreditava que a arte servia para que os doentes conseguissem ressignificar suas conexões com a realidade. Ela defendia que isso era possível por meionão consigo entrar no pixbetsuas expressões criativas e simbólicas.
Ferreira Gullar nunca deixounão consigo entrar no pixbetacompanhar, com fascínio, a trajetória da médica, que acabou se convertendonão consigo entrar no pixbetamiga. Em 1996 ele publicou,não consigo entrar no pixbetlivro, uma longa conversa com ela. A obra se chama Nise da Silveira - Uma Psiquiatra Rebelde. O poeta também dedicou ao tema algumasnão consigo entrar no pixbetsuas colunas no jornal Folhanão consigo entrar no pixbetS. Paulo.
Em outubronão consigo entrar no pixbet2006, por exemplo, ele contou a histórianão consigo entrar no pixbetum "paciente magrinho chamado Emygdio" que, no ateliênão consigo entrar no pixbetpintura do manicômio, destacou-se pela produção. "Um dia, próximo ao Natal, Nise perguntou a Emygdio que presente gostarianão consigo entrar no pixbetganhar e ele respondeu: 'Um guarda-chuva'. Ela concluiu que ele desejava ir embora", narrou Gullar.
A psiquiatra, que respeitava as liberdades dos seus pacientes, ajudou a organizar uma exposição para venda dos quadros do então artista. Ele se mudou para a casanão consigo entrar no pixbetparentes. "Muitos anos se passaram até que, certa tarde, Emygdio reapareceu, no Centro Psiquiátrico Nacional,não consigo entrar no pixbetmaleta e guarda-chuva, e informou a dra. Nise que queria reinternar-se para voltar a pintar", prossegue o texto. "E ali ficou, pintando, até completar 80 anos, quando, por lei, teve que deixar o hospital. A dra. Nise conseguiu interná-lo num asilonão consigo entrar no pixbetvelhos, onde concluiunão consigo entrar no pixbetexistência vivida fora da História. É certo, porém, que graças a ele, há hoje no universo, alémnão consigo entrar no pixbetplanetas e galáxias, alguns quadros e guachesnão consigo entrar no pixbetespantosa beleza."
"Ela foi uma das pioneiras na utilização da arte como terapia e estratégianão consigo entrar no pixbetemancipação da pessoanão consigo entrar no pixbetsofrimento psíquico e foi fundamental na criaçãonão consigo entrar no pixbetum movimento crítico no campo da saúde mental", complementa Amarante.
O legadonão consigo entrar no pixbetNise da Silveira, a médica que teve a homenagem nacional vetada pelo presidente Jair Bolsonaronão consigo entrar no pixbetmaio, pode ser divididonão consigo entrar no pixbetduas partes: a importância para o atendimento psiquiátrico; e a importância para as artes.
"O legado da Nise da Silveira é enorme, foi uma verdadeira pioneira global da psiquiatria humanizada, baseada na arte, na criatividade e nos vínculos afetivos com humanos e outros animais - e não no uso excessivonão consigo entrar no pixbetmedicamentos altamente dopantes", afirma o neurocientista e biólogo Sidarta Ribeiro, professor titular e vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
"Fez tudo isso como mulher entrandonão consigo entrar no pixbetespaços dominados por homens, numa épocanão consigo entrar no pixbetgrande verticalização da psiquiatria,não consigo entrar no pixbetque internações compulsórias, eletrochoques, camisasnão consigo entrar no pixbetforça, polimedicação e mesmo lobotomias eram aplicadasnão consigo entrar no pixbetforma generalizada a pessoas com todo tiponão consigo entrar no pixbettranstorno mental."
não consigo entrar no pixbet Militância comunista
Nascidanão consigo entrar no pixbetMaceió, Silveira tinha um pai professornão consigo entrar no pixbetmatemática e jornalista e uma mãe pianista. Estudounão consigo entrar no pixbetum colégionão consigo entrar no pixbetfreiras exclusivo para meninas e, nos anos 1920, graduou-se na Faculdadenão consigo entrar no pixbetMedicina da Bahia. Era a única mulhernão consigo entrar no pixbetuma turmanão consigo entrar no pixbetmaisnão consigo entrar no pixbet150 homens.
Já casada com o médico sanitarista Mário Magalhães da Silveira (1905-1986), mudou-se para o Rionão consigo entrar no pixbet1927.
Nos anos 1930 começou a estudar psiquiatria. Depoisnão consigo entrar no pixbetespecializar-senão consigo entrar no pixbetsaúde mental, passounão consigo entrar no pixbetconcurso público e começou a trabalhar no Serviçonão consigo entrar no pixbetAssistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospital da Praia Vermelha.
Mas esse começonão consigo entrar no pixbetcarreira na área sofreu uma interrupção. Porque foi na mesma época que ela passou a se interessar por arte e literatura e, simultaneamente, engajar-se politicamente. Tornou-se militante do Partido Comunista Brasileiro e, denunciada por uma enfermeira, acabou presa por "possenão consigo entrar no pixbetlivros marxistas". Foram 18 meses no presídio Frei Caneca, onde conviveu com o escritor Graciliano Ramos (1892-1953) — também detido ali — e isso acabou fazendo dela uma personagem do livro Memórias do Cárcere.
"A figuranão consigo entrar no pixbetNise entrara-me fundo no espírito. Apesarnão consigo entrar no pixbethavermos ficado momentos difíceis um diante do outro, confusos, aturdidos,não consigo entrar no pixbetvão buscando uma palavra, aquela fisionomia doce e triste, a revelar inteligência e bondade, impressionava-me", diz um dos trechos do livro. "Não me arriscaria a dirigir-me a ela. Se isto acontecesse, emudeceríamos outra vez, permaneceríamos no constrangimento horrível, a catar ideias incompletas e espalhadas. Contentava-me perceber-lhe à distância a palidez, o sossego fatigado, a viveza dos enormes bugalhos."
No livro, há 41 menções ao nome dela.
Pintura e modelagem
O retorno ao serviço público só se daria nos anos 1940. Em 1944, ela assumiu a coordenação dos trabalhosnão consigo entrar no pixbetterapia ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II. Enão consigo entrar no pixbetatividade acabou revolucionando a maneira como esses pacientes são tratados no mundo.
"O exercícionão consigo entrar no pixbetmúltiplas atividades ocupacionais revelava, por inumeráveis indícios, que o mundo interno do psicótico encerra insuspeitadas riquezas e as conserva mesmo depoisnão consigo entrar no pixbetlongos anosnão consigo entrar no pixbetdoença, contrariando conceitos estabelecidos", escreveu ela, sobre esse trabalho, no livro Imagens do Inconsciente. "E, dentre as diversas atividades praticadas na nossa terapêutica ocupacional, aquelas que permitiam menos difícil acesso aos enigmáticos fenômenos internos eram desenho, pintura, modelagem, feitos livremente."
Rehfeld explica que era um trabalho "muito ligado à costura e à pintura", que resultava tambémnão consigo entrar no pixbetexposições. "Não foi coisanão consigo entrar no pixbetum, dois, três anos. Foi uma vida inteira dedicada a esse tiponão consigo entrar no pixbettrabalho que se mostrou efetivamente muito eficiente como expressão no tratamentonão consigo entrar no pixbetsaúde mental", explica o professor.
Sua atuação terapêutica não ficou circunscrita ao Centro Psiquiátrico Nacional. Em 1956, ela fundou a Casa das Palmeiras, uma clínica destinada a reabilitar antigos pacientesnão consigo entrar no pixbetinstituições psiquiátricas — muitas vezes com sequelas devido aos maus tratos recebidos. Sua ideia era reabilitá-los para que eles fizessem uma transição entre o períodonão consigo entrar no pixbetinternação e a reintegração social.
Nise da Silveira também foi uma pioneira no usonão consigo entrar no pixbetanimais para tratamentonão consigo entrar no pixbetdoentes mentais, encarando os bichos como fundamentais para o reforço das relações emocionais e também para fortalecer sensonão consigo entrar no pixbetresponsabilidade. Sobre isso, ela escreveu o livro Gatos: A Emoçãonão consigo entrar no pixbetLidar.
"Ela possuía uma sérienão consigo entrar no pixbetanimais e os deixava semprenão consigo entrar no pixbetcontato com os pacientes, que podiam se relacionar e cuidar deles", completa Rehfeld.
A psiquiatra foi uma das pioneiras na difusão da psicologia junguiana no Brasil — ela chegou a estudar no instituto fundado pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961)não consigo entrar no pixbetdois períodos. A partir dos anos 1950, correspondeu-se intensamente com Jung e foi à convite dele que realizou uma mostra com as obras feitas por seus pacientesnão consigo entrar no pixbetum congresso internacional realizadonão consigo entrar no pixbetZurique, na Suíça,não consigo entrar no pixbet1957.
Até mesmo os edifícios dos hospitais psiquiátricos foram alvonão consigo entrar no pixbetpreocupações da médica. "A ausêncianão consigo entrar no pixbetinteresse da psiquiatria pelos problemas do espaço revela-se na arquitetura hospitalar. É uma arquitetura fria, rígida", argumentou, também no livro Imagens do Inconsciente. "Dá suporte e reforço ao medo, ao sentimentonão consigo entrar no pixbetestar isoladonão consigo entrar no pixbettudo."
Importância para a arte
Seu legado artístico é um efeito colateral da medicina psiquiátrica por ela aplicada. Em 1952, Nise da Silveira fundou no Rionão consigo entrar no pixbetJaneiro o Museunão consigo entrar no pixbetImagens do Inconsciente, uma instituição dedicada a estudos, pesquisa e preservação dos trabalhos produzidos nos ateliês frequentados por seus pacientes.
A instituição abriga hoje um acervonão consigo entrar no pixbetcercanão consigo entrar no pixbet350 mil obras produzidas por artistas-pacientes. Entre os principais nomes estão Emygdionão consigo entrar no pixbetBarros (o Emygdio citado por Ferreira Gullar), Octávio Inácio, Adelina Gomes e Carlos Pertuis.
Em seu livro Imagens do Inconsciente, a própria Silveira analisa detidamente 272 ilustrações produzidas por seus pacientes.
Homenagens
Apesarnão consigo entrar no pixbetter tido a inscriçãonão consigo entrar no pixbetseu nome no livro dos Heróis e Heroínas da Pátria vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, não faltam reconhecimentos nacionais e internacionais à carreiranão consigo entrar no pixbetNise da Silveira.
O centro psiquiátrico onde ela trabalhou, por exemplo, hoje é chamadonão consigo entrar no pixbetInstituto Municipalnão consigo entrar no pixbetAssistência à Saúde Nise da Silveira. Há instituições inspiradas no trabalho dela — algumas nomeadasnão consigo entrar no pixbethomenagem a ela —não consigo entrar no pixbetPortugal, na França e na Itália, alémnão consigo entrar no pixbetcidades brasileiras como Juiznão consigo entrar no pixbetFora, Recife, Porto Alegre e Salvador, entre outros.
Em 1987 ela foi reconhecida com o graunão consigo entrar no pixbetoficial da Ordemnão consigo entrar no pixbetRio Branco. Em 1992, a Associação Brasileiranão consigo entrar no pixbetCríticosnão consigo entrar no pixbetArte concedeu a ela o títulonão consigo entrar no pixbetpersonalidade do ano. Ela também recebeu a Medalha Chico Mendes do grupo Tortura Nunca Mais e a Ordem Nacional do Mérito Educativo, do Ministério da Educação,não consigo entrar no pixbet1993.
Sobre o vetonão consigo entrar no pixbetBolsonaro, Rehfeld afirma ser "lamentável" que sejam "detratadas com muita facilidade personagens muito importantes". "A gente perde um pouco da nossa história. O trabalhonão consigo entrar no pixbetNise é reconhecido mundialmente, aí uma ignorância e um partidarismo pouco defensável, porque ela militou na esquerda, fazem tirar dela a possibilidadenão consigo entrar no pixbetreceber um prêmio", pontua.
"É um absurdo. Mostra uma tendêncianão consigo entrar no pixbettermos muito pouco apreço à nossa história e não cuidarmosnão consigo entrar no pixbetgrandes exemplos que temos e que poderiam continuar a influenciar o país", conclui o professor.
Segundo a Agência Senado, Bolsonaro vetou a homenagem por representar "contrariedade ao interesse público".
Para Bolsonaro, não seria possível avaliar, segundo a leinão consigo entrar no pixbet2007 que traz os critérios para a inscriçãonão consigo entrar no pixbetnomes no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, "a envergadura dos feitos da médica Nise Magalhães da Silveira e o impacto destes no desenvolvimento da nação, a despeitonão consigo entrar no pixbetsua contribuição para a área da terapia ocupacional". O presidente justificou ainda, segundo a Agência Senado, que deve-se priorizar o reconhecimento a personalidades da história do paísnão consigo entrar no pixbetâmbito nacional, "desde que a homenagem não seja inspirada por ideais dissonantes das projeções do Estado democrático".
O Congresso pode derrubar o veto.
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