O que se sabe sobre invasãogarimpeiros no território yanomami:

Garimpo na Terra Indígena Yanomami

Crédito, Funai

Legenda da foto, Danos provocados pelo garimpo ilegal na região do rio Uraricoera, na Terra Indígena Yanomami

A denúnciaque uma menina indígena teria morrido após ser estuprada eque outra teria desaparecidoum episódio envolvendo garimpeiros dentro da Terra Indígena Yanomami jogou luz sobre o impacto da mineração ilegal no território.

Garimpeiros atuam na região desde ao menos os anos 1980. A atividade viveu um declínio com a demarcação da terra indígena,1992, mas voltou a crescer nos últimos anos.

Segundo a Hutukara, principal associação yanomami, a área desmatada por garimpeiros dentro do território cresceu 46%2021comparação com o ano anterior.

"Esse é o maior crescimento observado desde que iniciamos o nosso monitoramento2018", diz a entidadeum relatório divulgado no mês passado (leia mais abaixo).

Denúncia e investigações

Em 25abril, o presidente do Conselho DistritalSaúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY), Júnior Hekukari, divulgou um vídeo no qual disse ter recebido a informaçãoque uma menina11 ou 12 anos teria morrido na comunidadeAracaçá após ser estuprada por garimpeiros.

O vídeo citava ainda outra menina da comunidade que supostamente teria desaparecido no rioepisódio relacionado ao caso anterior.

Então, nos dias 27 e 28abril, uma comitivaórgãos federais visitou a aldeia para apurar a denúncia.

Após a expedição, foi divulgado um vídeo que mostrava parte da aldeia queimada e sem a presença dos moradores.

As imagens alimentaram a campanha "CADÊ OS YANOMAMI?", compartilhada nas redes sociais por vários políticos e celebridades.

A BBC News Brasil lista abaixo o que já se sabe sobre o caso.

Anciãos yanomamis na aldeia Maturacá
Legenda da foto, Anciãos na comunidade Maturacá, na Terra Indígena Yanomami

O Condisi-YY, órgão que inicialmente divulgou as denúncias sobre as meninas yanomami, tem como função fiscalizar as ações do Ministério da Saúde no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do território yanomami.

Segundo o conselho, os episódios teriam ocorrido na comunidadeAracaçá, que abriga cerca25 indígenas e está rodeada por áreasgarimpo ilegal.

Participaram da expedição até a aldeia representantes da Polícia Federal (PF), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal (MPF) e da Secretaria EspecialSaúde Indígena (Sesai). A Força Aérea Brasileira e o Exército deram apoio logístico à operação, que partiuBoa Vista e envolveu o usoaeronaves e barcos.

Ao retornar da expedição, o MPF divulgou uma nota dizendo que "foram colhidos relatosindígenas da comunidade, mas após buscas na região não foram encontrados indícios materiais da prática dos crimeshomicídio e estupro ouóbito por afogamento".

"As diligências demonstraram a necessidadeaprofundamento da investigação, para melhor esclarecimento dos fatos", afirmou o órgão.

Na viagem, o órgão foi representado pelo procurador Alisson Marugal, representante da CâmaraPopulações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR)Roraima.

Dias antes da viagem, Marugal participouuma audiência na ComissãoDireitos Humanos do Senado Federal que tratou do garimpo ilegal no território yanomami.

Emfala, o procurador apresentou dados e gráficos sobre o crescimento da atividade na região. "Num períododois anos, foram aproximadamente 3 mil alertasmineração ilegal, mostrando a expansão dessa atividade. Atualmente, essa mineração afeta mais16 mil indígenas", disse o procurador.

Especialistas atribuem parte do crescimento a declarações do presidente Jair Bolsonaro favoráveis a garimpeiros e à proposta, atualmentediscussão no Congresso,legalizar a mineraçãoterras indígenas.

Segundo Marugal, mais20 mil garimpeiros estariam atuando dentro da terra indígena. Ele afirmou que as penas para os crimes relacionados ao garimpo não ultrapassam quatro anosreclusão e são normalmente substituídas pela prestaçãoserviços.

"O que temos feito agora é apostar na investigação das organizações criminosas e lavagemdinheiro para introduzirmaneira lícita os lucros obtidos no garimpo, crimes que geram penas maiores. Essa é a maneira mais eficientese combater o garimpo ilegal no âmbito da investigação", disse o procurador.

Vista aéreamaloca com indígenas

Crédito, Funai

Legenda da foto, Malocasindígenasisolamento voluntário dentro do território yanomami; comunidade está a 17 kmfocosgarimpo, segundo a Funai

Cadê os yanomami?

Após a visita das autoridades à aldeia, uma nova carta divulgada pelo Conselho DistritalSaúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY) abriu outra frente no caso.

O texto do Condisi-YY afirma que, quando as autoridades chegaram à aldeia para apurar as denúncias, "avistamos a comunidadechamas e sem a presençamoradores indígenas no local, que só apareceram 40 minutos após pousarmos, somente para resgatar materiaisgarimpeiros".

O comunicado afirma que a queimada, no entanto, poderia estar relacionada a uma tradição. "Líderes indígenas analisaram as imagens da comunidade queimada, e relataram, conforme costume e tradições, que após a morteum ente querido, a comunidadeque residia é queimada e todos evacuam para outro local", diz o texto.

O comunicado afirma ainda que, "após insistência, alguns indígenas relataram que não poderiam falar, pois teriam recebido cinco gramasouro dos garimpeiros para manter o silêncio".

Após a divulgação dessa carta, usuários no Twitter começaram uma campanha questionando: "CADÊ OS YANOMAMI?".

A expressão entrou nos Trending Topics (assuntos mais comentados) da plataforma na última terça-feira (03/05) e foi reproduzida por vários políticos, como os deputados federais Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Fernanda Melchionna (PSOL-RJ).

Também cobraram respostas sobre as denúncias a cantora Anitta, o DJ Alok e o humorista Whindersson Nunes, entre outros.

Vários tuítesendosso à campanha afirmavam que a comunidadeAracaçá teria "desaparecido".

No entanto, a própria carta do Condisi-YY afirmava que membros da comunidade haviam sido contatados pela comitiva federal — ou seja, não estavam desaparecidos.

'Região mais impactada pelo garimpo'

As denúncias sobre as meninas que teriam morrido na comunidade estão sendo acompanhadas pela Hutukara Associação Yanomami, principal organização da etnia.

Em nota27abril, a associação afirmou que estava "apurando mais informações junto às comunidades para esclarecer os fatos e encaminhar o que for necessário junto às autoridades".

"A Hutukara chama a atenção para o fatoque, se confirmado, este não é um caso isolado", disse a organização.

indígenaáreagarimpo na floresta

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Garimpo ilegal no território yanomami

"Infelizmente, episódiosviolência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres Yanomami praticadas por garimpeiros invasores já foram registradosoutras regiões", afirma a carta, que cita um relatório sobre o tema publicado pela própria organização11abril.

O relatório Yanomami Sob Ataque detalha casosviolência armada e ameaças contra indígenas dos povos Yanomami e Ye'kwana.

O documento afirma ainda que a regiãoWaikás, onde fica a aldeia Aracaçá, "é a região mais impactada pelo garimpo ilegal" na Terra Indígena Yanomami.

"A devastação na região2021 foi 296,18 hectares, um aumento25%relação à 2021", diz o texto.

"Essas e outras graves violações aos direitos dos povos indígenas causadas pelo garimpo ilegalsuas terras há anos vêm sendo denunciadas ao poder público pela Hutukara Associação Yanomami. Insistimos que o Estado brasileiro cumpra o seu dever constitucional e promova urgentemente a retirada dos invasores", concluiu o comunicado da entidade.

O documento é assinado pelo vice-presidente da organização, Dario Kopenawa Yanomami.

O território yanomami

Com área equivalente àPortugal, a Terra Indígena Yanomami abriga cerca27.398 membros dos povos yanomami e ye'kwana, espalhados por 331 aldeias.

O território ocupa porções do Amazonas eRoraima e se estende por boa parte da fronteira do Brasil com a Venezuela.

O Pico da Neblina
Legenda da foto, Ponto mais alto do Brasil, o pico da Neblina fica dentro do território yanomami, perto da fronteira com a Venezuela

Ricadepósitosouro, a área é alvogarimpeiros há décadas. Em visita ao território2018 para a gravaçãoum documentário, a BBC atestou como o ouro circula livremente pela região.

Parte das gravações ocorreu numa base do Exército dentro da terra indígena, o 5º Pelotão EspecialFronteira. Numa aldeia ao lado da base militar, era possível comprar mercadorias com ouro, pesado numa balança sobre o balcãouma loja.

Além do desmatamento, o garimpoouro está associado à contaminação por mercúrio, usado pelos garimpeiros para aglutinar o metal. A substância está associada a problemas motores e neurológicos, perdavisão e danosfetos.

Em 2016, um estudo do Instituto Socioambiental (ISA)parceria com a Fiocruz e a Fundação Getulio Vargas (FGV) revelou índices preocupantescontaminação por mercúrioaldeias yanomami próximas a garimposRoraima.

Numa delas — justamente aAracaçá, local das investigaçõescurso — o índicemoradores com altos níveismercúrio no sangue chegou a 92%.

Ouro apreendido pela Polícia FederalRoraima

Crédito, Polícia Federal

Legenda da foto, Barrasouro avaliadasR$ 1,3 milhão apreendidas pela Polícia Federal no aeroportoBoa Vista,2018

Condenação por genocídio

A entrada dos garimpeiros no territórioRoraima ganhou impulso1986, quando o governo federal ampliou uma pistapouso na área, na fronteira do Brasil com a Venezuela.

A obra facilitou o ingresso dos invasores, que no fim da década chegavam a 40 mil e construíram maisuma centenaoutras pistas.

Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, "comunidades inteiras desapareceramdecorrência das epidemias, dos conflitos com garimpeiros, ou assoladas pela fome".

"Os garimpeiros aliciaram indígenas, que largaram seus modosvida e passaram a viver nos garimpos. A prostituição e o sequestrocrianças agravaram a situaçãodesagregação social", diz o documento, divulgado2015.

Em 1993, as tensões no território provocaram um massacre. Em vingança pela mortequatro indígenas, os yanomami tiraram a vidadois garimpeiros, que reagiram atacando uma aldeia.

Doze indígenas foram assassinados, entre os quais idosos e crianças.

O episódio ficou conhecido como MassacreHaximu e gerou a primeira condenação da história do Brasil pelo crimegenocídio.

Línea

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