É proibido se dizer nazista ou negar Holocausto no Brasil? O que dizem leis e especialistas:bez depozita bonusi

Himmler e Hitler inspecionam soldados da SS

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Debate sobre o que deve ser proibidobez depozita bonusitorno do nazismo teve início ao redor do mundo logo após o genocídio cometido pelo regime liderado por Hitler

"Quando se defende o partido nazista, não se defende a democracia. Pelo contrário, se está querendo destruir a democracia."

É importante deixar claro ainda que a liberdadebez depozita bonusiexpressão não é um direito absolutobez depozita bonusinenhum país, e no Brasil não servebez depozita bonusisalvaguarda para quem comete outros crimes, como obez depozita bonusiracismo.

"A Constituição consagra o binômio: liberdade e responsabilidade. O direito fundamental à liberdadebez depozita bonusiexpressão não autoriza a abominável e criminosa apologia ao nazismo", escreveu no Twitter o ministro Alexandrebez depozita bonusiMoraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O debate sobre o que deve ser proibidobez depozita bonusitorno do nazismo teve início ao redor do mundo logo após o genocídio cometido pelo regime liderado por Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), que matou maisbez depozita bonusi6 milhõesbez depozita bonusijudeus, alémbez depozita bonusiadversários políticos, negros, homossexuais, pessoas com deficiência, comunistas, integrantes da etnia roma e outras minorias.

E voltou à tona no Brasil recentemente depois que o apresentador Monark e o deputado federal Kim Kataguiri (que se filiará ao Podemos) defenderambez depozita bonusium podcast ao vivo que o país deveria permitir a existênciabez depozita bonusium partido nazista, sob o pontobez depozita bonusivista da liberdadebez depozita bonusiexpressão (a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos). Pouco depois,bez depozita bonusium programa da Jovem Pan, o comentarista Adrilles Jorge, ao tratar do tema, fez um gesto entendido como uma saudação nazista.

Monark acabou desligado do programa do qual era apresentador e sócio, Kataguiri deve enfrentar um processo na Comissãobez depozita bonusiÉtica da Câmara dos Deputados e ambos ainda são alvobez depozita bonusiinvestigação da Procuradoria-Geral da República (PGR) sob suspeitabez depozita bonusiapologia ao nazismo. Adrilles, porbez depozita bonusivez, foi demitido da emissora e denunciado ao Ministério Público Estadual, que também deve abrir uma investigação sobre o caso.

Os três pediram desculpas, mas negaram qualquer ilegalidade.

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A lei brasileira proíbe alguémbez depozita bonusiser nazista ou racista?

O advogado criminalista Davi Tangerino, professorbez depozita bonusidireito da FGV-SP, entende que não. Segundo ele, o Direito não tem como regular o que uma pessoa é, mas o que ela faz.

"Qual é que é o poder do Direitobez depozita bonusimudar a essênciabez depozita bonusiuma pessoa? Mas o que uma pessoa anti-qualquer-coisa não pode fazer? Assumir condutas discriminatórias ou que façam apologia ou incitação da discriminação. A saudação é uma apologia porque ela traduz um valor. Quando você terminabez depozita bonusifala, que primeiro relativiza o nazismo e depois termina com uma saudação nazista, ele está propagando a ideia nazista", afirmoubez depozita bonusientrevista à BBC News Brasil.

Em seu Twitter, Adrilles afirmou que todabez depozita bonusifala sobre o caso foi crítica à defesabez depozita bonusium partido nazista e que "imputar um falso crime a alguém é um crime. Serão responsabilizados todos aqueles que exercem seu ódio me colando falso discursobez depozita bonusiódio por um gesto deturpado".

E no caso da defesa da existênciabez depozita bonusium partido nazista, isso seria enquadrado como apologia? Mais uma vez Tangerino argumenta que não.

"Ele (Monark) não estava dizendo que as pessoas deveriam ser nazistas, não estava dizendo que o nazismo é bacana. Estava apenas, por mais odioso que isso seja, levando um argumento liberal tosco às últimas consequênciasbez depozita bonusique todo mundo pode pensar o que quiser. Isso, para mim, não é nem incitação nem apologia ao nazismo. No final do dia, não pode ser crime você sustentar que um determinado crime deixebez depozita bonusiser crime, porque senão você fechabez depozita bonusimaneira autoritária o debate público sobre o que deve ser crime ou não."

O especialista compara o caso com a Marcha da Maconha. "É apologia às drogas? As decisões dos tribunais foram se consolidando mostrando que não. Você pedir a descriminalizaçãobez depozita bonusiuma conduta não é apologia àquela conduta. Então, eu acho que a mesma lógica se aplica aqui, muito embora, é claro, você advogar o consumobez depozita bonusimaconha, do pontobez depozita bonusivista material, é totalmente diferentebez depozita bonusivocê sustentar a existência do nazismo. Mas a metarregra é a mesma."

Ivar Hartmann, advogado e professor associado do Insper, tem entendimento semelhante. "Existe uma diferença entre incentivar pessoas a cometer um crime e defender alterações na lei para que essa mesma prática deixebez depozita bonusiser considerada um crime", dissebez depozita bonusientrevista ao jornal Folhabez depozita bonusiS.Paulo.

Thiago Amparo, advogado e professorbez depozita bonusidireito internacional e direitos humanos na FGV-SP e da FGV-Rio, discorda da distinção entre tese processual (defender que exista o partido nazista) e tese substantiva (defender a tese nazista).

"Sustento que, aqui, não há essa divisão: defender que um partido busque políticas nazistas é o mesmo que tolerá-las", escreveubez depozita bonusiseu perfil no Twitter.

Negação do Holocausto como discursobez depozita bonusiódio e incitação à violência

Tangerino também não considera a negação do Holocausto um crime previsto na legislação do país, porque seria a contestação sem fundamentosbez depozita bonusium fato histórico, mas a relativização do Holocausto, seria sim um crime.

"Você não pode justificar o Holocausto comparando com outra experiência, não pode dizer que algo como 'o Holocausto comparado com o extermínio comunista mostra que foi menos'. Você não pode comparar valorativamente o Holocausto porque, ao fazer isso, você estábez depozita bonusialguma forma justificando, corroborando, aceitando a prática nazista."

Baker discorda. Ela defende que haja a tipificação expressa da negação do Holocausto no Código Penal brasileiro, mas argumenta que hoje essa prática seria considerada crime na Justiça brasileira mesmo não estando expressamente prevista na lei.

"A lei tenta ser a mais clara possível, porque no Brasil temos um princípio da legalidade, ou seja, tudo que a gente quer proibir tem que estar previsto na lei. Mas evidentemente é impossível que uma lei preveja todas as incidências, e por isso que existem os juízes, que vão interpretar o texto legal, e as emendas nas leis originais. Mas a intenção da lei e da Constituição é clara."

Ela cita como exemplo o caso do editor Siegfried Ellwanger, condenadobez depozita bonusi2000 no Supremo Tribunal Federal pelo crimebez depozita bonusiincitação ao racismo por contestar a existência do Holocausto e propagar outras ideias antissemitasbez depozita bonusium livro. O debate no Supremo girou principalmentebez depozita bonusitorno da liberdadebez depozita bonusiexpressão ebez depozita bonusidiscursobez depozita bonusiódio.

A advogada menciona também o artigo 17 da Convenção Europeiabez depozita bonusiDireitos Humanos, que proíbe o usobez depozita bonusium direito (como a liberdadebez depozita bonusiexpressão) para a destruiçãobez depozita bonusioutros direitos ou liberdades. Assim, a negação do Holocausto tem sido entendida por Cortes europeias como um abuso da liberdadebez depozita bonusiexpressão, incitação à violência e ataque à honra e à dignidade do povo judeu.

Soldado da SS inspeciona judeus no guetobez depozita bonusiVarsóvia, na Polônia,bez depozita bonusi1943

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Segundo especialistas, judeus eram perseguidos por simbolizarem dois "inimigos" do nazismo: o capitalismo liberal e o socialismo marxista

"A negação do Holocausto representa a ideiabez depozita bonusique os judeus como pessoas manipuladoras, enganosas e controladoras mentembez depozita bonusirelação ao Holocausto, querendo gerar benefícios para eles como se estivessem conspirando contra o mundo. É evidente que essa mensagem promove uma animosidadebez depozita bonusirelação ao povo judeu", escreve ela embez depozita bonusitesebez depozita bonusidoutorado sobre o tema.

Para Baker, esse negacionismo é um discursobez depozita bonusiódio que ataca três bens jurídicos (a igualdade, a honra e a paz) e por isso deve ser punido pela lei.

"O pior e mais relevante são as consequências práticas no dia a dia das pessoas alvo dessas mensagens (negacionistas). Essas minorias se sentem inibidas, intimidadas no seu ir e vir; muitas vezes largam o emprego, deixambez depozita bonusiir à escola, evitam ir a certos lugares, ficam e se sentem desprovidasbez depozita bonusipoder dar uma resposta."

Há diversos projetosbez depozita bonusileibez depozita bonusitramitação no Congresso para criminalizar expressamente a negação ou relativização do Holocausto (ou shoah,bez depozita bonusihebraico, que remete a catástrofe, destruição). Mas o que seria esse crime na prática? O projetobez depozita bonusilei do deputado federal Robertobez depozita bonusiLucena (Podemos-SP), por exemplo, cita oito aspectos mostrando que o negacionismo não se resume apenas a argumentar que o genocídio não aconteceu:

"A depreciação (ou a minimizaçãobez depozita bonusisua escala e impacto), a deflexão (ou minimizaçãobez depozita bonusiresponsabilidades individuais ou nacionais), as alusõesbez depozita bonusiequivalência antes da guerra ebez depozita bonusitempobez depozita bonusiguerra (como formabez depozita bonusibanalizar o ocorrido, quando os fatos colacionados pelas Forças Aliadasbez depozita bonusicamposbez depozita bonusiconcentração demonstram a não precedência da escala e dos requintesbez depozita bonusicrueldade), as alusõesbez depozita bonusiequivalência pós-guerra (por razões assemelhadas), a inversão (culpabilização dos judeus pelo próprio destino ou culpabilização dos judeus por supostas ações assemelhadas, quando, novamente, os fatos históricos confirmam não haver critériobez depozita bonusicomparação), as acusaçõesbez depozita bonusiabuso da memória (formabez depozita bonusizombaria aos judeus alegando que enfatizam demais o tema do Holocausto), a obliteração ou o silenciamento da memória (o impedimentobez depozita bonusique açõesbez depozita bonusimemória ocorram) ou a universalização ou trivialização do Holocausto como crimes (a comparação leviana do Holocausto com qualquer quadrobez depozita bonusigravidade e não desejado supostamente atentatório das direitos humanos)."

Liberdadebez depozita bonusiexpressão no 'mercadobez depozita bonusiideias' dos EUA

Em debates sobre liberdadebez depozita bonusiexpressão e discursobez depozita bonusiódio, os Estados Unidos costumam ser citados como exemplo máximobez depozita bonusise dizer o que pensa, inclusive ofensas raciais.

Não há uma definição universal sobre o que é discursobez depozita bonusiódio, mas segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), ele pode ser entendido como qualquer tipobez depozita bonusicomunicação que ataque ou use termos pejorativos contra uma pessoa ou um grupo com base embez depozita bonusireligião, nacionalidade, etnia, corbez depozita bonusipele, raça, gênero ou qualquer outro elementobez depozita bonusiidentidade.

A tolerância ao discursobez depozita bonusiódio variabez depozita bonusium país para outro. "O sistema jurídico americano proíbe o discurso do ódio o mais tarde possível — apenas quando há perigo iminentebez depozita bonusiatos ilícitos. A jurisprudência alemã coíbe o discurso do ódio o mais cedo possível", exemplifica o jurista alemão Winfried Brugger.

No Brasil, a lei federal 7.716/89 prevê prisão para quem comete discriminação contra os outros por causabez depozita bonusi"raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional."

O ordenamento jurídico alemão é o melhor exemplo do que ficou conhecido como "democracia militante" ou "democracia defensiva".

"É um requisitobez depozita bonusiuma democraciabez depozita bonusifuncionamento que as pessoas tolerem ideias com as quais discordam. No entanto, alguns discursos, alguns grupos, alguns partidos podem ser tão prejudiciais que os políticos e o público concluem que os riscos que eles representam superam os benefíciosbez depozita bonusiprotegê-los. Os alemães virambez depozita bonusiprimeira mão onde o nazismo pode levar e por isso mesmo a Alemanha está entre os defensores mais ativos do que é chamadobez depozita bonusi'democracia militante' —bez depozita bonusioutras palavras, a noçãobez depozita bonusique a democracia deve ser defendida, mesmo ao custobez depozita bonusirestringir algumas liberdades quando essas liberdades estão sendo exploradas para minar a democracia", afirmou Erik Bleich, professor da Faculdade Middlebury College,bez depozita bonusientrevista à BBC News Brasil.

Segundo ele, a Alemanha é a democracia mais restritiva enquanto os Estados Unidos, onde é relativamente comum ver manifestações da extrema direita com suásticas e símbolosbez depozita bonusisupremacia branca, têm menos regulações.

"Ambos os países ainda permitem uma variedade muito grandebez depozita bonusidiscursos e ações,bez depozita bonusidiversos espectros ideológicos. A parte difícil dessa história para as democracias é descobrir como restringir, banir ou punir apenas os discursos, grupos e partidos realmente perigosos, deixando o escopo mais amplo possível do que é permitido. Diferentes países desenvolveram soluções diferentes para este enigma".

Tangerino, da FGV-SP, afirmou que o Brasil adotou uma espéciebez depozita bonusicaminho do meio entre esses dois polos. Ou seja, no entendimento dele, no país "pode-se admitir no campo das ideias a existênciabez depozita bonusiuma organização nazista no Brasil, isto não é crime, mas não se pode agir inspirado por essa ideia nazista, e isto é crime".

"No final do dia, é sempre uma ponderação entre o que você considera mais nocivo. É mais nocivo tolher a possibilidadebez depozita bonusideterminadas ideias circulem ou as ideias que se quer proibir são mais nocivas? Há três paradigmas. Nos EUA, entendeu-se que era mais nocivo o controlebez depozita bonusiideias, mas bem mais ou menos, é só lembrar do que foi o macarthismo e a perseguição aos comunistas. Esse mercadobez depozita bonusiideias é livre, pero no mucho."

Monark

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Monark fez comentário sobre nazismo durante podcast e foi repudiado por diversas entidades

Inspiradobez depozita bonusipensadores como o filósofo britânico John Stuart Mill, o mercadobez depozita bonusiideias é o nome dado a um conceito jurídico americanobez depozita bonusiuma livre circulaçãobez depozita bonusiideiasbez depozita bonusique quase nada é proibido (salvo raras exceções, como obscenidades e algo que gere perigo iminente ou atente contra a segurança nacional) e que as "melhores ideias" se sobressaem com a demanda no debate e as ruins desaparecem.

Gordon Baker considera esse conceito bastante perigoso. "Cass Sunstein, constitucionalista e professorbez depozita bonusiHarvard, defende que mesmo o mercadobez depozita bonusisapato,bez depozita bonusixampu oubez depozita bonusisabão tem regulamento. Além disso, certas mentiras e questões conspiratórias acabam não morrendo, elas continuam. Na questão da verdade, eu acredito que deve haver um debate sim, distribuir o livro Minha Luta, do Hitler, com prefácio explicativo. Mas é preciso ter muito cuidado e responsabilidade ao se usar a liberdadebez depozita bonusiexpressão para tratar da maior crueldade e destruição da dignidade humana".

"Já tentamos um mercado livrebez depozita bonusiideias antijudeu e sabe o que aconteceu? O Holocausto. Não há sociedade que permita liberdade irrestrita sem responsabilidade pelo dano a outrem", escreveu Amparo.

Para a jurista feminista americana Catharine MacKinnon, no último século, a discussão sobre liberdadebez depozita bonusiexpressão também acabou sendo usada como armabez depozita bonusidebates políticos.

Segundo a especialista, ela deixoubez depozita bonusiser "uma proteção para dissidentes, radicais, artistas, ativistas, socialistas, pacifistas e desvalidos para se tornar uma arma para autoritários, racistas, misóginos, nazistas, supremacistas, pornógrafos e corporações que compram eleições na surdina".

Línea

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