Como a ciência explica pais que já esqueceram filhos no carro - e o que fazer para evitar:onabet v1

Ana com o caçula Gabriel

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Ana com o caçula Gabriel. Na época do incidente o menino tinha 10 mesesonabet v1idade

"Uns cinco minutos depois, eu me dei contaonabet v1que tinha deixado o Gabriel na cadeirinha no bancoonabet v1trás. Voltei correndo e encontrei meu filho distraído com um brinquedo na mão", conta.

O episódio atormentou Ana por muito tempo. "Passei meses me culpando e pensando na tragédia que evitei por pouco, porque o dia estava muito quente e eu tinha estacionado o carro na rua, embaixo do sol."

Mas, aos poucos, a angústia deu lugar à empatia por pais que já passaram pela mesma situação.

"Aconteceu comigo e pode acontecer com qualquer um, porque estamos muito acostumados a cumprir as tarefas no piloto automático, na pressa."

Por que os pais esquecem os filhos no carro?

Bebê dormindo no carro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A neurociência tem uma explicação para o esquecimento dos pais

É consenso entre especialistas que, na maioria dos casos, pais não esquecem os filhos no carro por negligência.

O psicólogo e neurocientista David Diamond, da Universidade do Sul da Flórida, nos Estados Unidos, dedica parteonabet v1sua carreira ao estudo desses episódios.

Ao longo dos anos, o pesquisador entrevistou e conversou com cercaonabet v150 famílias que viveram o traumaonabet v1perder uma criança nessas condições e identificou um padrãoonabet v1comportamento.

"Todos os pais relatam ter sofridoonabet v1um lapsoonabet v1memória. E quase todos eles esqueceram seus filhos no carro após mudaremonabet v1rotina, seja porque decidiram fazer um trajeto diferente ou porque tiveram que levar os bebês para a creche mais cedo", diz Diamondonabet v1entrevista à BBC News Brasil.

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Segundo o especialista, é comum isso ocorrer quando alguém faz algo que não é habitual. "Não são só pais que passam por essa situação: há registrosonabet v1pilotosonabet v1avião que, por estarem tão acostumados a conduzir o mesmo modeloonabet v1aeronave, se envolvemonabet v1acidentes quando são designados a pilotar outro tipo", diz.

"Por isso usamos agendas, alarmes e post-its para lembraronabet v1tarefas novas. Nosso cérebro precisaonabet v1ajuda para não esquecer."

Diversas partes do cérebro são usadas no processoonabet v1armazenar e ativar memórias. Nos casos citados, porém, duas áreas distintas e concorrentes são acionadas.

A pesquisaonabet v1Diamond destaca os gânglios basais como o primeiro mecanismo dessa engrenagem da mente.

Essa parte do cérebro operaonabet v1um nível subconsciente, ou seja, permite que habilidades já adquiridas ou informações armazenadas no passado sejam utilizadas sem precisar pensar ativamente sobre elas.

"Os gânglios basais são nosso piloto automático: nos permitem, por exemplo, dirigir sem pensar sobre os movimentos nos pedais ou caminho exato para o trabalho", diz o neurocientista.

Ao mesmo tempo, também utilizamos frequentemente o hipocampo e o córtex frontal, responsáveis por processar e reter informações novas.

Esse sistemaonabet v1memória é completamente diferente e independente do primeiro,onabet v1acordo com Diamond.

Enquanto os gânglios basais funcionamonabet v1forma automática, o hipocampo precisa ser ativado conscientemente para que os dados armazenados voltem a fazer parteonabet v1nossos pensamentos.

Isso pode ser feito por meioonabet v1um lembrete escrito ouonabet v1um fator externo, mas,onabet v1alguns casos, simplesmente não acontece.

Quando Ana saiu da rotina, seu hipocampo foi ativado para processar a nova informação. Mas como ela não estava acostumada com a situação, os gânglios basais fizeram com que agisse no automático e fosse para o supermercado sem se lembrar do filho que estava no bancoonabet v1trás.

"De certa forma, os gânglios basais e o hipocampo competem dentroonabet v1nosso cérebro. E, quando uma mãe esquece seu filho no carro, significa que o hipocampo perdeu a batalha", explica Diamond.

Esse tipoonabet v1situação pode acontecer com qualquer pessoa, mas pais que estão sob estresse ouonabet v1situaçãoonabet v1privaçãoonabet v1sono - o que é muito comum nos primeiros mesesonabet v1um bebê - estão ainda mais sujeitos a isso.

Em situaçõesonabet v1cansaço e nervoso, o hipocampo é prejudicado, mas os gânglios basais continuam a funcionar normalmente, explica Diamond emonabet v1pesquisa.

'Síndrome do bebê esquecido'

Mariana Lopes,onabet v134 anos, viveu meses complicados depois do seu segundo filho nascer. Sebastião, hoje com 4 anos, sofriaonabet v1refluxo e alergia ao leiteonabet v1vaca, demandando muito cuidado.

Mariana e os dois filhos, Vicente e Sebastião

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Mariana e os dois filhos, Vicente e Sebastião: 'Hojeonabet v1dia não desço do carro sem olhar pelo menos uma vez para o bancoonabet v1trás'

"Fiquei meses seguidos sem uma noiteonabet v1sono e ainda precisava cuidar da casa e do meu menino mais velho, Vicente, que na época tinha 3 anos."

Quando Sebastião completou 4 meses, o maridoonabet v1Mariana decidiu levá-la para dar uma voltaonabet v1uma praça para tentar aliviar seu estresse. Deixaram Vicente com a avó e trouxeram o caçula com eles.

"Era a primeira vez que saíaonabet v1casa desde o parto e estava exausta", conta Mariana.

"Desci do carro atravessei a rua e fuionabet v1direção ao banco da praça. Foi quando ouvi meu marido me chamar, pois tinha esquecido que o bebê estava na cadeirinha."

Mariana relata que quis voltar para casa imediatamente, tamanha a culpa que sentiu naquele momento. "Se estivesse sozinha provavelmente não teria me lembrado do Sebastião", diz.

"Hojeonabet v1dia, não desço do carro sem olhar pelo menos uma vez para o bancoonabet v1trás para ter certezaonabet v1que não esqueci meus filhos."

Episódiosonabet v1bebês esquecidosonabet v1carros se tornaram tão comuns - e temidos - nos Estados Unidos, que o fenômeno ganhou até um nome oficial entre cientistas e autoridades: síndrome do bebê esquecido.

Há organizações que se dedicam exclusivamente à prevenção e monitoramento dos casos. A ONG NoHeatstroke é uma delas e calcula que 906 crianças morreram desde 1998 depoisonabet v1terem sido esquecidasonabet v1veículos fechados no país, onde 90% dos lares têm pelo menos um carro. Ou seja, foramonabet v1média 37 episódios assim por ano.

Não há dados atualizados sobre esses incidentes no Brasil, mas um levantamento feito por uma pesquisadora da Universidade Federalonabet v1Juizonabet v1Fora identificou 59 casosonabet v1crianças deixadas sem supervisão no carro entre 2006 e 2018.

Em 80% dos casos, elas foram esquecidas, e,onabet v117%, as crianças entraram nos veículos sozinhas e ficaram presas.

Nanna Pretto,onabet v142 anos, viveu há cinco anos o pânico que as famílias experimentam nesse tipoonabet v1situação.

Ela conta que,onabet v1uma manhã atribulada, mudouonabet v1rotina e alterou a ordemonabet v1que deixava os filhos na escola todos os dias.

Mas, depoisonabet v1entregar o mais velho,onabet v1vezonabet v1seguir para a crecheonabet v1Rafael, na época com 1 anoonabet v1idade, esqueceu-se completamente que ele dormia na cadeirinha no bancoonabet v1trás e foi direto para o banco,onabet v1próxima parada.

"Já estava a caminho do caixa eletrônico quando percebi que precisava da carteira, que estava no carro. Quando voltei para pegar, vi a mochila do Rafael no banco e me lembrei que ele ainda estava na cadeirinha", lembra.

"Me senti péssima, como se não amasse meu bebê o suficiente para me dar contaonabet v1sua existência no bancoonabet v1trás", relata Nanna.

Quando o pior acontece

Felizmente, nada grave aconteceu, mas, para outras famílias, o pior ocorre, e a criança não resiste ao caloronabet v1um carro fechado.

Em agostoonabet v12021, o casoonabet v1Bauru, no interioronabet v1São Paulo,onabet v1um meninoonabet v12 anos esquecido no carro por uma cuidadora foi notícia dos principais jornais do país.

Arthur Oliveira dos Santos ficou por maisonabet v1três horas no veículo e morreu. Aquele foi até então o dia mais quente do ano, quando os termômetros marcaram maisonabet v135°C.

Segundo a NoHeatstroke, nos casosonabet v1que a criança é deixada por longos períodosonabet v1tempo no carro fechado, a causa da morte quase sempre é insolação.

Quando a temperatura corporal excede cercaonabet v141ºC, as células são danificadas, e os órgãos internos começam a se desligar, explica a ONG emonabet v1página oficial. Essa sequênciaonabet v1eventos pode levar rapidamente à morte.

A cuidadora responsável pelo menino Arthur comandava uma creche irregular emonabet v1casa, onde recebia outras 9 crianças.

Ela teve a prisão preventiva decretada e foi acusadaonabet v1homicídio com dolo eventual, quando se assume um risco que pode levar a morteonabet v1alguém.

O processo ainda corre na Justiça, e a cuidadora aguarda o julgamentoonabet v1liberdade condicional desde setembro

Segundo o advogado Carlos Nicodemos, que é especializadoonabet v1direito da criança, se uma autoridade policial é chamada para prestar socorro a crianças esquecidasonabet v1carros, o conselho tutelar é acionado imediatamente - mesmo que se trateonabet v1um esquecimento repentino.

"Se é determinado que não houve omissão intencional e tudo não passouonabet v1um acidente, se aplica uma medida protetiva, e os pais são encaminhados para acompanhamento familiar e programa assistencial", explica o advogado.

"Mas, quando há negligência repetitiva, o caso passa a ser classificado como abandonoonabet v1incapaz e entra na esfera penal."

No segundo caso, os pais ou tutores podem ser condenados a penasonabet v1prisão ou penas alternativas, a depender das circunstâncias eonabet v1seu histórico criminal. As famílias ainda podem perder a guarda da criança.

Como evitar?

Uma recomendação para que casos assim não aconteçam é que os pais estejam cientesonabet v1que isso pode ocorrer com qualquer um.

"É importante que eles saibam que casos assim são comuns, para que nunca deixemonabet v1checar pelo menos duas vezes se a criança ainda está no carro antesonabet v1fechar as portas", diz Erika Tonelli, coordenadora do Instituto Bem Cuidar e da organização Aldeias Infantis SOS.

Há outras formasonabet v1evitar o esquecimento. As mães entrevistadas nesta reportagem desenvolveram, por exemplo, algumas técnicas que aplicam no dia a dia.

A mais simples é manter um objeto que ajude a lembrar da criança por perto, no banco do carona ou preso na chave ou celular - pode ser uma chupeta, um brinquedo ou até uma fraldaonabet v1pano.

Tela da função 'Lembreteonabet v1Criança' do Waze

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, A função 'Lembreteonabet v1Criança' do Waze envia uma notificação quando o motorista chega ao destino final /

Também é útil criar o hábitoonabet v1colocar a bolsa ou os pertences pessoais no bancoonabet v1trás do carro, ao lado da cadeirinha onde o bebê costuma ser transportado.

As mães ainda recomendam a instalaçãoonabet v1um espelho no carro, para que o bebê possa ser observado mesmo quando a cadeirinha estiver na posiçãoonabet v1costas, como determina o Códigoonabet v1Trânsito para criançasonabet v1até 1 anoonabet v1idade.

Por fim, foram desenvolvidas nos últimos anos diversas tecnologias que podem facilitar muito a vidaonabet v1pais e mães.

O aplicativoonabet v1navegação Waze possui a função 'Lembreteonabet v1Criança', que pode ser ativada nas configurações. Há ainda outros programas próprios para isso, como como o Kars 4 Kids e o BabyOnBoard.

Eles são conectados ao GPS do celular e emitem alertas sonoros assim que o motorista estaciona.O aplicativo Backseat ainda pode ser programado para enviar SMS automáticos a contatos pré-estabelecidos sempre que o carro é desligado. As mensagens relembram que a criança pode estar no bancoonabet v1trás.

E alguns modelosonabet v1cadeirinha mais modernos têm sensores que avisam ao motorista por meio do celular ou avisos sonoros que a criança ainda está no assento.

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