Mudanças climáticas: governo Bolsonaro quer convencer o mundo que problema do Brasil é 'de imagem':

Ativista segura cartaz com uma foto do presidente Jair Bolsonaro eflorestaschamas, com as palavras 'negligência' e 'genocídio'inglês. Londres, agosto2019

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Legenda da foto, Em Londres, ativista segura cartaz com fotoBolsonaro eflorestaschamas, com as palavras 'negligência' e 'genocídio'inglês

Já o presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Marcello Brito, que se diz um "agroambientalista", admitiuentrevista recente ao Roda Viva da TV Cultura que "o Brasil vai chegar na COP devendo" e "não entre os líderes, mas entre os liderados".

'Destruidor da Amazônia não é nosso convidado. Volte para casa, Bolsonaro', diz cartazprotestoinglês durante a visita do presidente brasileiro à Índia,janeiro2020

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Legenda da foto, 'Destruidor da Amazônia não é nosso convidado. Volte para casa, Bolsonaro', diz cartazprotestoinglês durante a visita do presidente brasileiro à Índia,janeiro2020

'Problemaimagem'

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, apresentouvisão quanto à questão ambiental brasileiraum evento sobre mudanças climáticas promovido pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) no fimagosto. O Fórum Brasil Pró-Clima foi transmitido ao vivo pelas redes sociais da entidade representativa da indústria, mas teve pouca repercussão. A íntegra do encontro está no YouTube.

"Todos aqui sabemos das características da nossa agricultura tropical, que se singulariza como uma das mais produtivas, inovadoras e descarbonizantes do mundo", iniciou a ministra, emfala na abertura do evento.

"No entanto, muitas vezes nos surpreendemos ao descobrir o quão pouco se sabe efetivamente sobre a nossa agropecuária fora do Brasil. Esse desconhecimento acaba sendo aproveitado por aqueles que querem avançar narrativas tendenciosas, que buscam transferir para este setor parte do ônus histórico pela emissãogases do efeito estufa", seguiu ela.

Reconhecendo o aumento da urgência para que os países tomem medidas concretas para o enfrentamento do aquecimento global, Tereza Cristina defendeu a importânciao Brasil mostrar ao mundo queagropecuária "promove a conservação ambiental".

"Precisamos apresentar o verdadeiro agro brasileiro ao mundo", disse a ministra, considerada uma voz moderada do agronegócio no governo Jair Bolsonaro.

Tereza Cristina

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Legenda da foto, 'Precisamos apresentar o verdadeiro agro brasileiro ao mundo', disse a ministra Tereza Cristina

Também presente, o embaixador Orlando Ribeiro, secretárioComércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), aprofundou emfala a visão da pasta quanto ao "problemaimagem" brasileiro.

"É preciso a gente diferenciar o problema que nós temos do problema da imagem", disse Ribeiro. "Nós temos sim um problema com números crescentesdesmatamento, o governo está ciente disso e procurando reverter essa tendência que não nos ajuda."

"Mas existe um outro problema maior, que é a percepção no exterior dessa situação. No imaginário popular europeu, a Amazônia está queimando, estão extraindo madeira no coração da Amazônia e a gente sabe que não é isso", afirmou, destacando a grandeza do bioma amazônico e o fatoque o desmatamento ocorre mais nas "franjas"maior ocupação humana, como o norte do Mato Grosso e o sul do Pará. "É um problema muito localizado."

Interesse comercial europeu

O moderador do debate questionou Ribeiro sobre até que ponto as críticas ao Brasil focadas nos desmatamentos, nos incêndios florestais e na questão da preservação ambiental seriam "uma tentativaimpor uma barreira comercial à exportação e ao desenvolvimento do agronegócio brasileiro".

Orlando Ribeiro

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Legenda da foto, 'Pressão internacional, sobretudo da União Europeia, veio após a conclusão das negociações do Acordo Mercosul-União Europeia', avaliou Ribeiro

O secretário respondeu que o Brasil está atento a iniciativas como a intenção do Reino Unidocriar uma obrigaçãorastreamento das importaçõesalimentos oriundosáreasdesmatamento (obrigação"due diligence", na expressãoinglês) e a implementação da política "Farm to Fork" (da fazenda ao garfo) pela União Europeia, que busca implementar ações para maior sustentabilidade da cadeia produtiva alimentar do bloco.

"Essas iniciativas poderão sim ter impactos na competitividade das exportações agrícolas do Brasil", afirmou o diplomata.

"De fato, essa pressão internacional, sobretudo da União Europeia, veio após a conclusão das negociações do Acordo Mercosul-União Europeia", acrescentou, ponderando que não se tratauma pressãotodos os países europeus, masalguns países que desde o princípio manifestam contrariedade com a tratativa. Esses países, segundo ele, usam da questão ambiental como "uma desculpa para não avançar na implementação do acordo".

"A agricultura brasileira é muito competitiva e isso às vezes assusta. Então é normal esse tiporeação por partealguns países que querem defender seus sistemas ineficientes e seus modelos tradicionais", afirmou.

'Maus brasileiros'

Também parte do debate, o presidente executivo da CropLife Brasil, Christian Lohbauer, levou as críticas além.

"Tem muitos brasileiros lá fora,universidades,instituições e institutos, que fazem um serviços que não ajuda o Brasildentro. Isso tem que ser dito. São os 'maus brasileiros', como a gente costuma dizer, nós que estamos na indústria, na produção, no agronegócio, no front", afirmou Lohbauer.

"Além da questão comercial, que acho que é essencial — existe uma resistência sim, uma tentativase conter o acordo por interesse comercial. Mas tem uma outra questão que é uma corporação internacional: todas as entidades que passaram a viver dessa agenda ambiental, institutospesquisa, organizações não-governamentaistoda natureza, que recebem dinheiro privadodoação do bom contribuinte holandês, norueguês, alemão", disse o executivo.

"São bilhõesdólares disponíveis, cada vez mais, e se criou uma corporaçãopessoas que têm um trabalho e uma responsabilidade que não querem mais perder. Essa corporação trabalha para que essa agenda fique mais complicada do que ela é", afirmou.

"Essas instituições vivem do confronto porque recursos bilionários são direcionados a elas, se não tiver recurso, o sujeito não tem trabalho — acho que aí começa a solução do problema."

Christian Lohbauer

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Legenda da foto, 'Instituições vivem do confronto porque recursos bilionários são direcionados a elas', disse o presidente da CropLife Brasil, Christian Lohbauer

'Parte da elite não entende que o jogo mudou'

Maurício Santoro, professor do DepartamentoRelações Internacionais da UERJ (Universidade do Estado do RioJaneiro) avalia como "surpreendente" que esse tipodiscurso persista diante do avanço evidente das crises climáticas.

"Esses argumentos foram usadosoutras ocasiões, principalmente na época da campanha eleitoral e no início do governo Bolsonaro", lembra Santoro.

"O que é surpreendente é que esse tiporetórica ainda seja utilizado hoje, depoistrês anosgoverno euma sériecrises que temos visto no meio ambiente e na economia. Já era horater mudado", considera o internacionalista.

Segundo ele, parece haver uma dificuldadeaceitaçãoum cenário internacional que se tornou mais complexo para o Brasil.

"O que estamos vendo agora no mundo são impactos muito duros da mudança climática. Vemos isso, por exemplo, nos grandes incêndios florestais no hemisfério Norte, nas queimadas na Amazônia e no Pantanal e já vemos o inícioretaliações econômicas contra o Brasil por causa do desrespeito ao meio ambiente", diz Santoro.

"Há uma dificuldadeparte da elite brasileiraentender que o jogo mudou e que, se o Brasil quiser continuar a ser relevante e a ter acesso aos grandes mercados globais, vai precisar se adaptar a essas novas regras internacionais", afirma.

'Bolsonaro é um criminoso — Parem os incêndios', afirma mensagem no chapéuativista durante protesto na Embaixada do BrasilLondres,2019

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Legenda da foto, 'Bolsonaro é um criminoso — Parem os incêndios', diz mensagem no chapéuativistaprotesto na Embaixada do BrasilLondres,2019

'É preciso sinais clarosintolerância à ilegalidade'

Para Natalie Unterstell, especialistapolítica climática e presidente do instituto Talanoa, é "sintomático" que a estratégia do governo para lidar com os maus resultados e os parcos esforços públicos para conter emissões seja tratar a questão como um problemarelações públicas.

"Não temos resultados bons para mostrar, os resultados sãoaumento das emissõestodos os setores, principalmente do desmatamento. E os esforços são muito pouco críveis, como fazer GLO atrásGLO", diz a ambientalista, fazendo referência às operaçõesGarantia da Lei e da Ordem,que militares das Forças Armadas são empregados no combate aos crimes ambientais na Amazônia.

Para Unterstell, o governo deveria ter como prioridade dar sinais corretosintolerância à ilegalidade. "Quando o presidente diz que tudo bem garimpo ilegal, quando falanenhum milímetro a maisterra indígena, são sinais incentivadoresações ilegais econflito."

O segundo ponto,acordo com ela, seria a realizaçãoesforços concentrados nas áreas com maior pressãodesmatamento, sob liderança dos órgãos ambientais como Ibama e ICMBio, que têm competência técnica para essa ação, diferentemente das Forças Armadas.

Por fim, a especialista defende que o país precisa ter metas ambiciosas para uma redução consistente do desmatamento. A meta da gestão Jair Bolsonaro, apresentada durante a Cúpula do Climaabril,zerar o desflorestamento ilegal até 2030, é considerada insuficiente e Unterstell lembra que metas anteriores não chegaram a ser cumpridas.

'Amazônia é problematodos'

Ex-ministra do Meio Ambiente (2010-2016), a bióloga Izabella Teixeira destaca que a agricultura brasileira acontecemaneira expressiva fora da Amazônia, uma parte na Amazônia Legal (área que engloba nove estados pertencentes à Bacia Amazônica) e parte da pecuária na Amazônia propriamente dita.

"A agricultura brasileira não se posiciona politicamenteforma afirmativa contra o desmatamento ilegal da Amazônia", considera a ex-ministra. "Eles têm um raciocínioque 'eu não planto na Amazônia, então a Amazônia não é meu problema'. Mas a Amazônia é um problematodos, pois ela significa segurança climática para o mundo e para o Brasil."

Assim, ela avalia que a agricultura brasileira deveria assumir uma posição políticaexigir soluções permanentes para o desenvolvimento sustentável da região.

"Eu não vejo isso no agronegóciouma maneira uníssona. Pelo contrário, os que estão hoje tomando decisão não demonstram esse compromissomaneira assertiva, optando por uma política da disputa, uma políticanegar [o problema]", afirma a bióloga.

Segundo ela,fato há um desconhecimento no exterior quanto à dimensão da Amazônia e do território brasileiro. Mas ela avalia que o climadesconfiança com relação ao país foi fomentado pela postura do governo brasileiro, que não se colocaforma assertiva no combate ao desmatamento e esvaziou as instituições que tinham essa prerrogativa.

'Brasil e seu palhaço. Não apenas reze, aja pela Amazônia', diz cartazprotesto organizado pelo movimento Greve da Juventude pelo Clima. Cracóvia (Polônia), agosto2019

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Legenda da foto, 'Brasil e seu palhaço. Não apenas reze, aja pela Amazônia', diz cartazprotesto organizado pelo movimento Greve da Juventude pelo Clima. Cracóvia (Polônia), agosto2019

Oportunidades perdidas

Para os especialistas, um dos problemastudo isso é que o Brasil perde oportunidades.

"Há uma busca por parte dos interlocutores internacionais do Brasil por sinais positivos. De alguma coisa que indique que o governo brasileiro vai estar disposto ao diálogo. Mas, na atual conjuntura política, com o Bolsonaro presidente e as políticas ambientais do governo dele, a credibilidade para essa mudança é muito baixa", afirma Santoro, da UERJ, citando como exemplo como o Brasil tem sido deixadolado nas tratativas com o governo Biden.

Segundo o professorrelações internacionais, o Brasil deixaaproveitar com isso um cenário que é interessante para o país. "Temos um potencial muito grandeatrair investimentoseconomia verde,desenvolvimento sustentável,cadeias produtivas que não signifiquem uma destruição da floresta", afirma.

"São muitas as possiblidades importantes para o Brasil, que seriam muito ricas para um governo que entrasse com essa disposiçãodialogar e negociar", completa.

Unterstell, do instituto Talanoa, lembra que, nas últimas semanas, o Brasil ficouforauma decisão do Banco Mundial para priorizar países que receberão apoio para desenvolver seus mercadoscarbono — que é a práticacompra e vendacréditoscarbono (certificadosredução da emissãogases do efeito estufa) entre países e instituições privadas, como estratégiacombate ao aquecimento global.

"Colômbia, México e Chile foram selecionados e o Brasil não. Isso é uma derrota importante para o governo", avalia a especialista. Ela lembra, porém, que tramita no Congresso um projetoautoria do deputado Marcelo Ramos (PL-AM) sobre o tema, que ela acredita que tem chancedecolar até a COP26.

"Essa talvez seja uma das boas notícias que a gente tenha para levar ao encontro", diz ela.

'Exterminador do futuro', diz cartaz que mostra Bolsonaro com um palitofósforo, incendiando a Amazônia. Cali (Colômbia), agosto2019

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Legenda da foto, 'Exterminador do futuro', diz cartaz que mostra Bolsonaro com um palitofósforo, incendiando a Amazônia. Cali (Colômbia), agosto2019

'É preciso considerar fatos e dados'

A BBC News Brasil procurou a CropLife Brasil para dar a Lohbauer a oportunidadedetalhar as críticas feitas por ele no evento da CNI.

O presidente da entidade diz que o que chama"maus brasileiros" são as pessoas que não consideram dados e fatos sobre o agronegócio nacional.

Ele cita como exemplos o aumentoprodutividade da agropecuária, que reduz a necessidadeexpansão territorial da produção; o fatoque a matriz energética nacional é muito mais limpa do que aoutros países; e dados que mostram que háfato um aumento do desmatamento desde 2018, mas que2004 esse desmatamento era mais do que o dobro do atual "e o mundo não estava acabando".

Todos esses dados constam do Atlas do Agronegócio Brasileiro: Uma Jornada Sustentável, documento lançado pela CropLife Brasiljunho deste ano.

Quanto àvisãouma suposta "corporação internacional"entidades ambientalistas, Lohbauer afirma que a crítica sistemática contra o Brasil na imprensa nacional e internacional não se deve somente ao protecionismo comercial europeu.

"A principal causa — e é isso que eu estou chamando'corporação' — são centenas, milharesinstituições que vivem dessa agenda e que são sustentadas por recursos privados e até públicos no caso da comunidade europeia. São dezenas, centenas, milharespessoas que vivem disso e, se a gente chegar e mostrar com dados e fatos que não é bem assim, essas pessoas não vão mais ter trabalho", afirma.

Ele cita como exemplo disso um documentário feito pelo Brasil Paralelo — produtora audiovisualconteúdo voltado ao públicodireita — que mostra um diretor do Greenpeace que se desiludiu com a organização ambientalista por ela ter se tornado "um grande negócio".

Também procurado, o Ministério da Agricultura disse o seguinte:

"A fala da ministra se explica pelo fatoo Brasil ser responsável por 3% das emissões globais, incluindo aquelas emitidas pelos setores industrial, energético, agropecuário e uso do solo", diz a pasta, atravéssua assessoriaimprensa.

"Apontar a produção agropecuária brasileira como principal responsável pelo aumento das emissões globais é desconhecer o processo produtivo brasileiro e a tecnologiaagricultura tropical que é parte da solução para uma economiabaixa emissãocarbono", completa.

O ministério destaca ainda diversas medidassustentabilidade adotadas pelo agro brasileiro, como o Plano ABC (AgriculturaBaixo Carbono)reduçãoemissões e a rigorosa legislação ambiental brasileira, que prevê a preservação ambiental80% das propriedades situadas na Amazônia.

"O debate proposto pela ministra está baseadociência, e as medidas adotadas pelo agro brasileiro ajudam efetivamente no combate às mudanças climáticas", diz a pasta. "O que ocorre na Amazônia decorreproblemas fundiários históricos sobre o qual o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) está trabalhando arduamente para solucionar."

Línea

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