'Tinha patrão, hoje tenho cliente': as diferençasplinko xy blazeser doméstica no Brasil e nos EUA:plinko xy blaze
"Eu sou uma empreendedora, tenho uma companhia pequenininha, mas ela é minha. 'Beehive' é o nome dela, colmeiaplinko xy blazeinglês, porque se eu tiver alguém trabalhando para mim, nós vamos ser unidos, eu não vou explorar ninguém, a gente vai trabalhar junto e se valorizar. Por isso botei esse nome."
Ex-BBBplinko xy blazebuscaplinko xy blazedoméstica nos EUA
A diferença na cultura do trabalho doméstico no Brasil e nos Estados Unidos gerou polêmica nas redes sociais recentemente, após a ex-BBB e influenciadora digital Adriana Sant'Anna reclamar no seu Instagram da dificuldadeplinko xy blazeencontrar uma empregada domésticaplinko xy blazeOrlando, na Flórida.
"Aqui ganha por horaplinko xy blazetrabalho e eu quero alguém para ficar aqui o tempo todo, fazendo tudo para mim e não acho", disse Sant'Anna,plinko xy blazevídeo publicado na rede social. "Eu preciso trabalhar, essas coisas que tenho que ficar fazendo não dá, que é lavar roupa, passar, arrumar, organizar, tirar bagunça, pegar roupa sujaplinko xy blazecriança."
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"A gente no Brasil estava feita. Porque lá [no Brasil] uma pessoa faz tudo. Aqui [nos Estados Unidos], para passar, 25 dólares a hora a mais, para dobrar 25 dólares. Ah, para poder esticar o braço, mais 10 dólares. É assim. Então, você que tem alguém no Brasil, ajoelha e agradeça a Jesus", completou.
Depoisplinko xy blazesofrer uma ondaplinko xy blazecríticas, a ex-BBB voltou a postar, agora para se defender.
"Em momento algum pedi uma escrava, pelo contrário, eu solicitava um 'anjo' para cuidarplinko xy blazetudo", escreveu a influenciadora. "Até porque o salário que estou oferecendo éplinko xy blazeUS$ 5 mil [cercaplinko xy blazeR$ 25,9 mil] para trabalharplinko xy blazesegunda a sexta, das 8h às 15h. Se inclusive calcular, verá que é muito mais do que US$ 25 a hora."
Pagar melhores salários é a sugestão do presidente americano Joe Biden para empregadores dos Estados Unidos que têm se queixadoplinko xy blazedificuldade para contratar,plinko xy blazemeio à retomada da economia americana, com o avanço da vacinação contra a covid-19.
"Vocês estavam me perguntando... 'Está sabendo? Empregadores não conseguem encontrar trabalhadores.' Eu digo: 'Paguem mais a eles'", afirmou Biden, durante uma coletivaplinko xy blazeimprensa ao fimplinko xy blazejunho. "[Empregadores] vão ter que competir e começar a pagar a quem trabalha duro um salário decente", completou o democrata.
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'Nos EUA, trabalho doméstico é serviço caro'
A doutoraplinko xy blazeEducação e ex-faxineira Heloiza Barbosa lançouplinko xy blazemarçoplinko xy blaze2020 o Faxina, um podcast que conta as históriasplinko xy blazefaxineiros e faxineiras brasileiras que trabalham nos Estados Unidos.
"O trabalho doméstico aqui tem categorias diferentes: tem aquele que lida com a limpezaplinko xy blazecasa, o que lida com os cuidados das crianças, o das cuidadorasplinko xy blazeidosos, oplinko xy blazecozinha e oplinko xy blazemanutenção da casa funcionando", enumera Heloiza, que vive nos Estados Unidos desde 1997.
"São serviços contratados e são serviços caros, se você está acostumado no Brasil a pagar muito pouco por isso", explica a pedagoga. "Aí já tem uma diferença: a ideiaplinko xy blazeserviços prestados, ou seja, você não é empregadoplinko xy blazealguém como o trabalhador doméstico é no Brasil, você é dono daplinko xy blazeempresa e vende o serviço para a pessoa que te contrata."
A diferença parece bastante óbvia com relação a uma trabalhadora doméstica brasileira mensalista, que presta serviços a uma pessoa ou famíliaplinko xy blazeforma contínua, mediante um salário fixo. Mas Heloiza afirma que a dinâmica também é distinta do trabalho das diaristas, profissionais autônomas que atendem famílias diversas, sem vínculo empregatício.
"No Brasil, você paga a diária da pessoa para ela fazer absolutamente tudo dentroplinko xy blazeuma casa. Se você fosse transpor isso para os Estados Unidos, seria muito caro, porque são várias categoriasplinko xy blazeserviços, então é uma coisa que muito poucas famílias podem pagar."
Sem proteção social
A apresentadora do Faxina Podcast destaca, porém, que isso não significa que as domésticas que trabalham nos Estados Unidos contem com maior proteção social.
"Estamos falandoplinko xy blazeum sistema capitalista, onde o trabalhador só tem valor enquanto tem forçaplinko xy blazetrabalho para vender", afirma. "Não há benefícios sociais, férias remuneradas, aposentadoria, direito a diasplinko xy blazeafastamento por doença. Simplesmente, se não trabalha, não ganha."
O valor pago por uma faxina variaplinko xy blazeacordo com o tamanho do imóvel e a frequência com que ele é limpo. Em Boston, por exemplo, para uma casa típicaplinko xy blazeclasse média, com três quartos e dois banheiros, a limpeza ficaplinko xy blazetornoplinko xy blazeUS$ 120 a US$ 140 (de R$ 610 a R$ 710).
Na cidade, cujo mercadoplinko xy blazefaxina doméstica é dominado pelas imigrantes brasileiras (muitas delas sem documentação para trabalhar), a limpeza,plinko xy blazegeral, é feita por um grupoplinko xy blazeduas ou três faxineiras, que concluem o serviçoplinko xy blazepoucas horas e seguem para outra residência.
No geral, esse grupo é formado por uma faxineira mais experiente, que tem uma listaplinko xy blazeclientes e é conhecida como "dona do schedule" (algo como a "dona da agenda",plinko xy blazeportuguês). Essa faxineira contrata ajudantes, queplinko xy blazegeral são as imigrantes recém-chegadas que estãoplinko xy blazebuscaplinko xy blazeemprego e, muitas vezes, não falam inglês. São as chamadas helpers.
"Eu comecei dando um 'help'", conta Paula Costa, sobre como entrou no mercado americanoplinko xy blazefaxina doméstica. "Levantava bem cedo, o carro vinha buscar, quando dava 7h estávamos entrando na primeira casa. Fazíamos nove casas no dia e eu ganhava US$ 60 (R$ 305 a valores atuais) por dia, isso há 22 anos atrás."
"As donasplinko xy blazeschedule faziam muito dinheiro, mas elas pagavam mal as 'helps'. Nove casas num dia, pagando US$ 60 para cada uma das três ou quatro funcionárias que elas levavam. Ganhando cercaplinko xy blazeUS$ 100 por casa (R$ 510), para ficar uma hora, ou uma hora e meia. Elas faziam - e fazem - muito dinheiro."
Brasil, maior empregador doméstico das Américas
Além da formaplinko xy blazetrabalhar, há outra diferença grande no mercadoplinko xy blazetrabalho doméstico dos dois países: o númeroplinko xy blazepessoas ocupadas nesse tipoplinko xy blazefunção.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência das Nações Unidas dedicada ao tema, o Brasil é o segundo maior empregador doméstico do mundo, atrás apenas da China, que ocupa o topo da lista, com 22 milhõesplinko xy blazetrabalhadores domésticos, representando 2,9%plinko xy blazesua forçaplinko xy blazetrabalho.
Por aqui,plinko xy blaze2019 — antes, portanto, da pandemia do coronavírus —, os trabalhadores domésticos eram 6,3 milhões (ou 6,8% da forçaplinko xy blazetrabalho). Assim, o país superavaplinko xy blazenúmeroplinko xy blazeprofissionais o México (2,4 milhões e 4,3% da forçaplinko xy blazetrabalho) e os Estados Unidos (1,9 milhão e 1,2%), sendo o maior empregador doméstico das Américas.
Para o sociólogo Tulio Custódio, que estuda o processoplinko xy blazeprecarização do trabalhoplinko xy blazeseu doutorado na Universidadeplinko xy blazeSão Paulo (USP), o elevado númeroplinko xy blazetrabalhadores domésticos no Brasil é uma herança do nosso passado colonial.
"A colonização é fortemente marcada pelo padrão patriarcal, que coloca a mulher como a responsável pelo trabalho doméstico eplinko xy blazecuidado", diz Custódio. "Além disso, esse é um trabalho que é realizado especialmente pelas populações situadas na marginalidade social, isto é, pela população negra, o que tem origem na escravidão."
Apesar dos Estados Unidos também terem um passado colonial e escravista, Custódio observa que o númeroplinko xy blazeafricanos escravizados trazidos ao Brasil foi muito maior.
Estima-se que, entre os séculos 16 e 19, cercaplinko xy blaze4,9 milhõesplinko xy blazeafricanos desembarcaram na costa brasileira, o que representa 46%plinko xy blazetodos os escravizados trazidos ao continente americano. Em comparação, pouco maisplinko xy blaze388 mil escravizados foram levados para os Estados Unidos.
Isso se reflete na composição racial dos dois países: enquanto nos Estados Unidos os negros são 13% da população, no Brasil, segundo classificação do IBGE para pretos e pardos, somos 56%.
Formas distintasplinko xy blazelidar com o passado escravista
"Foram dois países que tiveram a experiência da escravidão, mas há uma diferença bem grande na forma como trataram essa questão", observa Cristina Vieceli, economista do Departamento Intersindicalplinko xy blazeEstatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
"Aqui houve um processoplinko xy blazeocultamento [do racismo] e opressão muito forte. O mito da 'democracia racial' perdurou ao longo da nossa história e fez com que a gente não realizasse políticas afirmativas [políticas feitas por governos ou pela iniciativa privada com o objetivoplinko xy blazecorrigir desigualdades raciais presentes na sociedade], só começamos a fazer esse tipoplinko xy blazepolítica nos anos 2000, com as cotasplinko xy blazeconcursos e nas universidades públicas", observa Vieceli.
A economista do Dieese destaca ainda que o país tem também uma parcela muito grande da população pobre e é extremamente desigual — mais do que os Estados Unidos.
"A classe média no Brasil é muito pequena perto da classe mais pobre. Há uma concentraçãoplinko xy blazerenda muito grande no país e isso faz com que a mobilidade social seja muito menor aqui", diz a economista. "Então essa classe média conta com um 'exércitoplinko xy blazereserva' enorme, para usufruirplinko xy blazeuma forçaplinko xy blazetrabalho que continua com características servis."
"Exércitoplinko xy blazereserva" é um termo usado pelo filósofo Karl Marx, que se refere ao desemprego "permanente" das economias capitalistas. No Brasil, por exemplo, a taxaplinko xy blazedesemprego atualmente estáplinko xy blaze14,7% e quando ela chegou ao ponto mais baixo na história recente, caiu a 6,2% (em dezembroplinko xy blaze2013). Já nos Estados Unidos, a taxa estáplinko xy blaze5,9% e chegou aos 3,5%plinko xy blazemeadosplinko xy blaze2019. Assim, o desemprego estrutural dos dois países é bem diferente e isso tem efeito, por exemplo, sobre os salários pagos aos trabalhadores menos qualificados.
Tulio Custódio destaca ainda os diferentes estágios do desenvolvimento econômico nos dois países como um fator que também afeta a disponibilidadeplinko xy blazemãoplinko xy blazeobra doméstica e a capacidadeplinko xy blazeabsorção das mulheresplinko xy blazeoutras formasplinko xy blazeocupação mais qualificadas.
"No caso do Brasil, um país periférico, que não desenvolve tecnologia e tem um lugar muito específico no contexto do capitalismo global, boa parte da mãoplinko xy blazeobra continua alocadaplinko xy blazetrabalhosplinko xy blazebaixa remuneração e baixa produtividade", observa o sociólogo.
Trabalho doméstico na pandemia
No Brasil, a pandemia do coronavírus afetou o trabalho domésticoplinko xy blazeduas formas marcantes.
A primeira delas foi a dispensaplinko xy blazemilharesplinko xy blazetrabalhadoras domésticas por empregadores que perderam renda ou que ficaram com medoplinko xy blazese contaminar ao contato com essas trabalhadoras.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiroplinko xy blazeGeografia e Estatística), o númeroplinko xy blazepessoas ocupadas com trabalho doméstico no país diminuiuplinko xy blaze6,1 milhões no primeiro trimestreplinko xy blaze2019, para 4,9 milhõesplinko xy blazeigual períodoplinko xy blaze2021, com quase 1,2 milhãoplinko xy blazedomésticos a menos no mercadoplinko xy blazetrabalhoplinko xy blazeapenas dois anos.
Considerando que 97% da categoria é formada por mulheres, isso significa que maisplinko xy blaze30% das 3,1 milhõesplinko xy blazemulheres que deixaram o mercadoplinko xy blazetrabalho no período eram domésticas.
"Isso é bastante grave, considerando que boa parte dessas mulheres têm filhos e são chefesplinko xy blazefamília", observa Vieceli, do Dieese.
Um segundo fato marcante foi a privaçãoplinko xy blazeliberdadeplinko xy blazediversas trabalhadoras domésticas que foram obrigadas por seus patrões a permanecer no trabalho sem poder voltar para suas famílias, devido ao medo dos empregadoresplinko xy blazecontaminação.
O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstico), por exemplo, recebeu 28 denúnciasplinko xy blazecasos do tipo no Estado, ao longo da pandemia.
"A maioria são mulheres negras, que tiveram que deixar seus filhos com algum parente e foram obrigadas pelos empregadores a aceitar as condições que eles estavam oferecendo", diz Valdirene Boaventura, secretária-geral do Sindoméstico Bahia.
"Elas foram obrigadas a permanecer no localplinko xy blazetrabalho, algumas delas por meses."
Para o sociólogo Tulio Custódio, esse fenômeno também está ligado ao passado colonialista brasileiro. "Há uma ideiaplinko xy blazeque o empregado não é um profissional, mas uma posse, o que tem origem na relação escravocrata, onde o escravo era visto como um objeto", observa.
"Foi muito simbólico o fatoplinko xy blazea primeira pessoa a morrerplinko xy blazecovid [no Rioplinko xy blazeJaneiro] ser uma mulher negra, idosa e empregada doméstica", lembra Custódio, referindo-se à mulherplinko xy blaze63 anos, cujo nome não foi divulgado a pedido da família, que morreuplinko xy blaze17plinko xy blazemarçoplinko xy blaze2020, após ser contaminada pela patroa que voltouplinko xy blazeviagem da Itália.
"Há uma ideiaplinko xy blazeque existem pessoas que valem menos do que as outras, existem vidas que podem ser sacrificadas, porque elas estão ali para servir. Esse esvaziamento do sentidoplinko xy blazerespeito ao outro está no horizonte colonial e isso ainda é muito forte na nossa sociedade."
Uma linhagemplinko xy blazedomésticas chega ao fim
Trabalhando como doméstica nos Estados Unidos, Paula Costa viuplinko xy blazefilha mais velha, Jéssica Oliveira,plinko xy blaze30 anos, se formarplinko xy blazeRelações Internacionais.
Atualmente, Jéssica trabalha no Matahari Women Workers' Center, uma organização que luta pelos direitosplinko xy blazefaxineiras, au pairs (um trabalhoplinko xy blazecuidadoplinko xy blazecrianças feito por mulheres imigrantes com idades entre 18 e 26 anos,plinko xy blazetrocaplinko xy blazemoradia, alimentação e uma pequena remuneração) e trabalhadoras que dependemplinko xy blazegorjetas, como as garçonetes.
Paula se orgulhaplinko xy blazeJéssica ter rompido o ciclo da família. Com avó e mãe domésticas, a jovem conseguiu ter outro destino.
"Para mim, a sensação éplinko xy blazemissão cumprida,plinko xy blazevitória. Jéssica fez entrevistasplinko xy blazegrandes universidades, uma delas Ivy League [grupoplinko xy blazeoito universidadesplinko xy blazeelite dos EUA formado por Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Princeton, Universidade da Pensilvânia e Yale]. No Brasil, eu jamais teria conseguido dar isso para minha filha sendo uma doméstica."
"Aqui dá para uma trabalhadora doméstica ter um pouco maisplinko xy blazedignidade e ser reconhecida pelo serviço que presta à sociedade, acho que essa é a maior diferença [entre Estados Unidos e Brasil]", acredita Jéssica. "Eu pude fazer faculdade, receber uma bolsa e ter mais escolhas."
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