Voto na esquerda migrou da baixa renda para mais escolarizados e dividiu elites, diz Piketty:slot rio

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Legenda da foto, Protestoslot rioartistas na França,slot rio2014: nas economias avançadas ocidentais, elite intelectual passou a votar na esquerda, segundo estudoslot rioPiketty e coautores

As conclusões sãoslot rioum novo estudo do economista francês Thomas Piketty, autorslot rioO Capital do Século XXI (2013) e Capital e Ideologia (2019),slot riocoautoria com os pesquisadores Amory Gethin, do Laboratório da Desigualdade Global da Escolaslot rioEconomiaslot rioParis, e Clara Martínez-Toledano, do Imperial Collegeslot rioLondres.

No estudo, publicado como texto para discussãoslot riomaio deste ano, os analistas se debruçaram sobre pesquisas eleitoraisslot riomaisslot rio300 eleições realizadas entre 1948 e 2020. O levantamento abrange 21 economias avançadas ocidentais, incluindo 17 países da Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

Protestoslot riofavor do Brexitslot rioLondres,slot rio2019

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Legenda da foto, Protestoslot riofavor do Brexitslot rioLondres,slot rio2019: mobilização é expressão dos 'movimentos autoritários antissistema', dizem os autores

Desigualdade crescente e 'autoritarismo antissistema'

"As desigualdade econômicas cresceram significativamente no mundo ocidental desde os anos 1980, ainda queslot riovelocidades distintas", observam Gethin, Martínez-Toledano e Piketty, no texto para discussão.

"Diante dessa evolução recente, seria possível esperar um aumento na demanda política por redistribuição [de renda] e pelo retornoslot riouma política baseadaslot rioclasse, renda ou riqueza", afirmam os pesquisadores.

"No entanto, as democracias ocidentais parecem ter migrado para novas formasslot rioconflito baseadasslot rioquestões identitárias nas últimas décadas, materializadas na crescente relevância das pautas ambientais e dos movimentos autoritários antissistema", acrescentam.

Os pesquisadores destacam a agendaslot rioprotecionismo econômico, defesaslot riorestrições à imigração e conservadorismo social comum a esses movimentos, que conseguiram canalizar parte das ansiedades sociais geradas pela globalização e pela insegurança econômica.

Segundo eles, a eleição do republicano Donald Trump nos Estados Unidos, o Brexit no Reino Unido e o crescente fortalecimento da líderslot rioextrema direita Marine Le Pen na França são exemplos desse autoritarismo antissistema que ganhou espaço no período recente.

Para entender a emergência do que chamamslot rio"populismo xenofóbico" nas principais democracias ocidentais, os pesquisadores então analisaram um bancoslot riodados sem precedentesslot riopesquisas eleitorais, que permitiu a eles avaliar a evolução das preferências políticas nesses países, com dados que contém informações dos eleitores por nívelslot rioescolaridade, renda, idade, gênero, religião, localização urbana ou rural, raça, entre outras.

'Ser ou não ser? Nós não temos mais escolha', diz cartazslot rioprotesto no 1ºslot riomaioslot rio2021, na França

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Legenda da foto, 'Ser ou não ser? Nós não temos mais escolha', diz cartazslot rioprotesto no 1ºslot riomaioslot rio2021, na França

'Direita mercantil' e 'esquerda brâmane'

"O resultado mais marcante que emerge das nossas análises é o que propomos chamarslot riotransiçãoslot rioum 'sistema partidário baseadoslot rioclasses' para um 'sistema partidário multi-elites'", relatam os pesquisadores, sobre seus achados.

"Nos anos 1950 e 1960, o voto nos democratas, trabalhistas, socialistas, social democratas e outros partidosslot rioesquerda nas democracias ocidentais era 'baseadoslot rioclasse', no sentidoslot rioque era fortemente associado com os eleitoresslot riobaixa renda e baixa escolaridade", explicam Gethin, Martínez-Toledano e Piketty.

Com a gradual associação do voto na esquerda aos mais escolarizados, surge a partir dos anos 2010 uma divergência marcante entre os efeitos da renda (ou capital econômico) e da educação (ou capital humano) sobre as preferências políticas, apontam os autores.

"As elites econômicas continuam a votar na 'direita', enquanto as elites intelectuais passam a apoiar a 'esquerda'", observam eles, que batizam os dois gruposslot rio"direita mercantil" ("Merchant right", na expressãoslot rioinglês) e "esquerda brâmane" ("Brahmin left").

Essa nomenclatura, que dá título ao estudo publicadoslot riomaio deste ano - Brahmin Left versus Merchant Right: Changing Political Cleavages in 21 Western Democracies, 1948-2020 (Esquerda Brâmane versus Direita Mercantil: Divisões Políticasslot rioMutaçãoslot rio21 Democracias Ocidentais,slot riotradução livre) - tem origem no sistemaslot riocastas indiano.

Naquele país, as classes superiores são divididas entre os brâmanes (sacerdotes e intelectuais) e os xátrias e vaixás (guerreiros e comerciantes). Os pesquisadores veem um paralelo entre essa divisão das elites indianas e a nova clivagem das elites nas democracias ocidentais.

Nesse novo cenário, onde a educação passa a ser um determinante mais relevante do voto do que a renda, para onde vai a preferência política dos menos estudados? Os pesquisadores respondem e não trazem boas notícias para a esquerda.

"Partidos que promovem políticas 'progressistas' (verdes e,slot riomenor medida, os partidosslot rioesquerda tradicional) viram seu eleitorado se tornar crescentemente mais restrito aos eleitoresslot riomaior nível educacional, enquanto os partidos com visões mais 'conservadoras' (anti-imigração e,slot riomenor medida, os partidosslot riodireita tradicional) têm, ao contrário, concentrado uma parcela crescente do eleitoradoslot riobaixa escolaridade", afirmam.

Protesto pró-Bolsonaroslot rioBrasília

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Legenda da foto, Protesto pró-Bolsonaroslot rioBrasília: direita bolsonarista captou votos da elite, classe média e mais pobres, destaca a socióloga Esther Solano

E o Brasil com isso?

Existe paralelo entre o quadro descrito por Gethin, Martínez-Toledano e Piketty para os 21 paísesslot rioeconomia avançada analisados e a realidade política brasileira?

A BBC News Brasil perguntou à socióloga Esther Solano, professora da Unifesp (Universidade Federalslot rioSão Paulo) e pesquisadora do conservadorismo brasileiro, e ao sociólogo Celso Rochaslot rioBarros, colunista da Folhaslot rioS.Paulo e estudioso das esquerdas.

Solano afirma que, no Brasil, a direita tradicional e historicamente representante das elites, formada pelo PSDB e partidos do Centrão, foi muito atingida nos últimos anos pelo discurso antipartidário e anticorrupção.

Enquanto isso, a nova extrema direita, representada pelo bolsonarismo, conseguiu apelar ao mesmo tempo às elites, com o liberalismoslot rioPaulo Guedes; à classe média, com o "lavajatismo"; e às classes populares, através do ressentimento contra o sistema e do apelo ao eleitorado cristão neopentecostal.

"Há um contingente da população empobrecida, fundamentalmente as classes C e D, que são aquelas que tiveram uma melhora da qualidadeslot riovidaslot riotermosslot riorenda e poder aquisitivo, que se afastou das bases petistas,slot riogrande medida devido ao discurso anticorrupção", afirma a socióloga, citando ainda a burocratização e insulamento do partido apósslot riochegada ao poderslot rio2003 como fatores que o afastaramslot riosuas bases populares.

Solano cita ainda a emergência do Psol como uma outra força relevante dentro da esquerda, naslot rioavaliação, mais ligada às pautas ditas "identitárias" e, por isso, mais identificada a um progressismo intelectualizadoslot rioalta renda eslot rioclasse média.

"No Brasil, os mais pobres continuam votando principalmente no PT", observa Solano. "Porque o PT não se deslocou, ele continua representando o eixo da renda e do material, da esperançaslot riouma renda maior no futuro. Então o PT ainda não perdeu essa conexão com os mais pobres e com a questãoslot rioclasse", observa a socióloga, que vê falhas na comunicaçãoslot riotemas como machismo, racismo e homofobia, que afetam desproporcionalmente os mais pobres.

Protesto anti-Bolsonaroslot rioSão Paulo

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Legenda da foto, Protesto anti-Bolsonaroslot rioSão Paulo: 'Talvez seja mais difícil a pauta econômica perder centralidadeslot riopaíses mais pobres', avalia o sociólogo Celso Rochaslot rioBarros

'A importação do argumentoslot rioPiketty tem problemas'

"Em 2018, a direita entrou no eleitorado mais pobre que era do PT não por ter lhes oferecido mais políticas sociais, redistribuiçãoslot riorenda etc., mas por oferecer conservadorismo moral e combate à corrupção", avalia Celso Rochaslot rioBarros.

"Nesses dois anosslot riogoverno Bolsonaro, a coisa não parece ter sido bem assim. É verdade, o conservadorismo moral deve ser responsável pela resiliência dos índicesslot rioaprovaçãoslot rioBolsonaro, mas seu picoslot riopopularidade foi no auge do auxílio emergencial, a coisa mais 'Lulista' possível", observa o sociólogo.

"O que parece é que o conservadorismo moral pode dar uma base popular para a direita, mas pode não ser suficiente para, sozinho, ganhar eleições consistentemente, sem ajudaslot riomedidas econômicas mais pró-pobre", completa.

Rochaslot rioBarros avalia que a importação do argumentoslot rioPiketty e coautores para a realidade do Brasil tem problemas.

"Boa parte do argumento se refere à crise dos partidos socialdemocratas europeus, mas aqui aconteceu algo diferente: enquanto isso acontecia na Europa, o PT fez um governo socialdemocrata bastante bem sucedido com políticas sociais bastante robustas", afirma.

Segundo ele, o PT não foi retirado do poder porque "abandonou os pobres ou se tornou 'identitarista'", mas porque, a partirslot riocerto ponto, não conseguiu mais gerar crescimento econômico e também por ter sido pegoslot rioescândalosslot riocorrupção.

"Talvez seja mais difícil a pauta econômica perder centralidadeslot riopaíses mais pobres", avalia o sociólogo. "Mas, por enquanto, tudo isso são hipóteses a serem exploradas, e acho que essa discussão deve se tornar cada vez mais central no Brasil."

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