Cultura do medo e legado da ditadura ajudam a explicar truculência da polícia do Rio, diz ex-chefe das UPPs:blaze com aplicativo

Policiais armados no Jacarezinho

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Uma operação da Polícia Civil na comunidade do Jacarezinho, no Rio, terminou com 29 mortos na semana passada

Em nota, a Secretariablaze com aplicativoPolícia Civil defendeu a necessidadeblaze com aplicativooperaçõesblaze com aplicativofavelas. "A ação foi baseadablaze com aplicativoinformações concretasblaze com aplicativointeligência e investigação. Na ocasião, os criminosos reagiram fortemente. Não apenas para fugir, mas com o objetivoblaze com aplicativomatar", escreveu.

"O Rioblaze com aplicativoJaneiro foi construído na base do medo, um sentimento muitas vezes manipulado pelos interesses políticos: medo da invasão francesa, medoblaze com aplicativoum levante dos escravos, medo da República, medo dos comunistas. Estamos constantementeblaze com aplicativoum estadoblaze com aplicativomedo do outro, e isso gera reações violentas", afirmou Rodriguesblaze com aplicativoentrevista à BBC News Brasil.

Segundo ele, durante a Constituinteblaze com aplicativo1988, a sociedade brasileira escolheu manter o modeloblaze com aplicativopolícia criado pelo regime ditatorial: uma corporação responsável pelo policiamento ostensivo, e outra civil, que cuida das investigações.

"A política e a sociedade não foram capazesblaze com aplicativopropor uma estrutura moderna para as polícias, algo que desse conta dos desafios sociais eblaze com aplicativojustiça criminal. O resultado dessa escolha estamos vendo até hoje", disse.

Durante a entrevista, o antropólogo, hoje na reserva da PM, também comentou o fracasso da guerras às drogas, o falho combate à corrupção policial no Brasil e como grandes criminosos lucram com a manutenção da violênciablaze com aplicativoáreas controladas por facções.

Robson Rodrigues ocupou diversos cargosblaze com aplicativodireção na PM do RJ entre 2009 e 2016. Ele esteve à frente da coordenaçãoblaze com aplicativoUPPs entre 2010 e 2011 e foi chefe do Estado Maior da PM do RJblaze com aplicativo2015 a 2016.

Confira a entrevista abaixo.

Robson Rodrigues
Legenda da foto, O antropólogo Robson Rodrigues, hoje na reserva da PM, critica o legado da ditadura militar na atuação das polícia no Rio

blaze com aplicativo BBC News Brasil - Por que a violência policial no Brasil muitas vezes não é tratada pelas próprias corporações como um problema?

blaze com aplicativo Robson Rodrigues - Existem alguns setores das polícias, embora ainda com pouca gente, que têm discutido bastante a questão da violência, inclusive com a academia.

Mas o problema é que a culturablaze com aplicativoautoritarismo já está arraigada, e não somente dentro da polícia. Está presenteblaze com aplicativovárias instituições e na sociedade brasileira. É preciso habilidade para mudá-la, principalmente na conjuntura política que a gente tem visto no Brasil.

A qualidade da nossa política tem ficado muito aquém do esperado para tocar nesse problema. Vivemosblaze com aplicativouma sociedadeblaze com aplicativocomunicação muito rápida, e a política tem usado a segurança pública como palanque eleitoral com discursos populistas, oferecendo soluções simples para situações muito complexas. Com isso, tem havido muitos retrocessos.

Para caracterizar uma sociedade minimamente civilizada é preciso ter mecanismos para afastar a violência dos modosblaze com aplicativosolucionar conflitos, mas nossas instituições não têm sido capazesblaze com aplicativofazer isso. Nós falhamos, não só como polícia, mas como Estado e como sociedade. A gente vê muita violência, por exemplo, no trânsito e nas relaçõesblaze com aplicativoclasses.

Por outro lado, quando as pessoas percebem que as instituições não funcionam, querem fazer justiça com as próprias mãos. E, quando essas mãos estão armadas, o cenário se torna pior.

blaze com aplicativo BBC News Brasil - Essa violência pode ser lucrativa também? Há interesses econômicosblaze com aplicativomanter as coisas como estão?

blaze com aplicativo Rodrigues - Há um lado racional na violência: ela incrementa os mercados. Precisamos olhar a violência no Rioblaze com aplicativoJaneiro como mercados ilícitos, altamente violentos, que se assemelham à geografia pré-moderna, da Europa feudal, onde não havia um poder centralizado, e sim uma disputa violenta pela administraçãoblaze com aplicativoterritórios.

Essa violência se tornou instrumental para policiais corruptos e outros que atuam na criminalidade. Os grandes criminosos, aqueles que realmente lucram, não estão ali na ponta. Eles ficam invisíveis, se aproveitam da invisibilidade enquanto a polícia e o sistema criminal estão olhando para outro lado.

Os grandes traficantes,blaze com aplicativoredes internacionais, têm muita facilidadeblaze com aplicativoacesso a essas comunidades. Mas, ao mesmo tempo, quando a violência aumenta, os preços também aumentam, o pedágio também aumenta. A violência torna o mercado mais lucrativo, pois ela mexe na demanda e na oferta.

Cemitério onde vítima da operação no Jacarezinho foi enterrada

Crédito, Reuters

Legenda da foto, No ano passado, as intervenções da polícia do Rioblaze com aplicativoJaneiro mataram 3 pessoas por dia,blaze com aplicativomédia

blaze com aplicativo BBC News Brasil - Qual a influência da ditadura militar no comportamento violento das políciasblaze com aplicativohoje?

blaze com aplicativo Rodrigues - As polícias nunca foram reformuladas no Brasil. O problema da violência policial no Rioblaze com aplicativoJaneiro não vem apenas da ditadura. Ele vem da colônia. Infelizmente, a polícia se especializou ao longo do tempoblaze com aplicativoser uma instituição truculenta.

O Rioblaze com aplicativoJaneiro foi construído na base do medo, um sentimento muitas vezes manipulado pelos interesses políticos: medo da invasão francesa, medoblaze com aplicativoum levante dos escravos, medo da República, medo dos comunistas. Estamos constantementeblaze com aplicativoum estadoblaze com aplicativomedo do outro, e isso gera reações violentas.

Já o arcabouço legal das polícias foi construído pela ditadura, estabelecendo as funções que hoje são da polícia civil e da militar. No momento da Constituinteblaze com aplicativo1988, a política e a sociedade não foram capazesblaze com aplicativopropor uma estrutura moderna para as polícias, algo que desse conta dos desafios sociais eblaze com aplicativojustiça criminal.

Embora eu tenha sido da Polícia Militar por muitos anos, sempre fui um crítico da militarização. Esse foi um erro que a sociedade cometeu e que dói muito. O resultado dessa escolha estamos vendo até hoje.

blaze com aplicativo BBC News Brasil - Há uma máximablaze com aplicativoque o crime organizado não se sustenta sem participaçãoblaze com aplicativoalguma esfera do Estado. Em que medida a corrupção policial auxilia o crime?

blaze com aplicativo Rodrigues - Uma políticablaze com aplicativosegurança que não combata a corrupção policial está fadada ao erro. É uma falácia, uma mentira.

Em vários lugares do mundo foi preciso combater a imagemblaze com aplicativouma polícia corrupta para facilitar as açõesblaze com aplicativocombate ao crime. Todos esses lugares partiram desse princípio. Nova York, por exemplo, tinha uma das polícias mais corruptas do mundo.

Na Colômbia, a polícia nacional tinha uma face voltada quase exclusivamente para a guerra civil. A cúpula queria manter essa situação, porque esse estadoblaze com aplicativoguerra obviamente dava lucro para os corruptos. A polícia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) lidavam com a cocaína, que é um dos bens mais valiosos do mundo. Quando alguém teve coragemblaze com aplicativolidar com isso, e reformou a polícia, o Estado ganhou legitimidade com a população. Combater a corrupção policial é o pontoblaze com aplicativopartida.

O crime organizado se sustenta com medo, armas, drogas e violência. Masblaze com aplicativoonde vêm as armas e os outros insumos?

Sentadosblaze com aplicativofrente a loja fechada, mãe e filho observam policial ao lado apontando arma grande

Crédito, REUTERS/Ricardo Moraes

Legenda da foto, Intervenções policiais no Rioblaze com aplicativoJaneiro deixaram um totalblaze com aplicativo1.245 vítimasblaze com aplicativo2020

blaze com aplicativo BBC News Brasil - As milícias surgiram com um discursoblaze com aplicativocombate ao tráfico e a criminosos que controlavam certos territórios.

blaze com aplicativo Rodrigues - É fácil para um discurso demagógico dizer que está combatendo o tráfico. As milícias se aproveitaram desse discurso, mas hoje muitos milicianos são parceirosblaze com aplicativotraficantes. Já existe a narcomilícia.

Tanto o tráfico quanto a milícia são parasitas do Estado. Ambos são máfias, amantes do dinheiro, querem sempre lucrar.

blaze com aplicativo BBC News Brasil - Observatórios da violência no Rioblaze com aplicativoJaneiro têm mostrado que as operações policiais não atingem áreas controladas por milicianos. Há uma explicação para isso?

blaze com aplicativo Rodrigues - Posso falar apenas hipoteticamente. Podem existir policiais envolvidos por questões racionais e objetivas, que é a busca do lucro. São agentes que, ao não combater a milícia, acabam se beneficiando disso.

Por outro lado, há também uma percepção emocional por parte dos policiaisblaze com aplicativoque o inimigo é o tráficoblaze com aplicativodrogas.

blaze com aplicativo BBC News Brasil - As polícias do Rio continuaram a fazer operações mesmo com a decisão do STF que suspendeu ações do tipo durante a pandemia. E o delegado Rodrigo Oliveira (subsecretário Operacional da Polícia Civi) faloublaze com aplicativo'ativismo judicial', uma espécieblaze com aplicativointerferência da Justiça nas polícias do Rio. Como essa decisão do STF foi recebida pelas corporações?

blaze com aplicativo Rodrigues - A polícia é heterogênea. Então, a decisão pode ter sido recebidablaze com aplicativovárias formas.

Meu entendimento é que quem está fazendo ativismo policial é o delegado. Ele padece do mesmo problema do qual está acusando o STF.

O objetivo da operação no Jacarezinho foi mal comunicado. Qual era o objetivo? Não ficou bem explicado. Se o discurso oficial foi ambíguo e pouco claro, ele deu à sociedade o direitoblaze com aplicativoacreditar que o que estavablaze com aplicativojogo ali era a questão do Supremo Tribunal Federal, testar as instituições. Para mim, levantar hostes contra o STF é ativismo. É uma disputablaze com aplicativoquem manda mais? Quem está sofrendo com isso é a população.

O fato é que essas operações sem pé nem cabeça, motivadas por uma ocupaçãoblaze com aplicativoterritório, não têm dado resultado. Há vários erros técnicos: no arcabouço legal brasileiro, quem faz policiamento ostensivo,blaze com aplicativoocupaçãoblaze com aplicativoespaços, é a Polícia Militar, não a Civil. O papel da Polícia Civil é investigar crimes.

Manifestantesblaze com aplicativoSão Paulo no dia 31blaze com aplicativomaioblaze com aplicativo2020

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A população negra é a maior vítima da violência no Brasil

blaze com aplicativo BBC News Brasil - Nesse sentido, os próprios policiais não acabam se tornando vítimas dessa política? O númeroblaze com aplicativopoliciais assassinados no Brasil é bastante grande.

blaze com aplicativo Rodrigues - Eu te pergunto: essa políticablaze com aplicativoenfrentamento da violência está dando certo? E será que a nossa sociedade quer uma polícia consciente? Temos a polícia que mais mata e a que mais morre.

Esse discurso simplórioblaze com aplicativoenfrentamento se encaixou perfeitamente com a incapacidade intelectual e cognitiva do (presidente Jair) Bolsonaro. Nessa visão, combatemos a violência com mais brutalidade, com truculência. Mas isso não resolve nada, não está resolvendo nada.

A operação no Jacarezinho sinaliza perfeitamente esses equívocos: ativismo policial, faltablaze com aplicativoplanejamento, descaso com os policiais.

blaze com aplicativo BBC News Brasil - O Brasil vive uma guerra às drogas que já dura décadas. O resultado não é positivo. O consumoblaze com aplicativodrogas, queblaze com aplicativotese é o objetivo dessa guerra, continua normalmente, e as quadrilhas que controlam o tráfico ficaram mais fortes, dominando territórios. Como o sr. enxerga essa questão?

blaze com aplicativo Rodrigues - O setor acadêmico fala bastante da guerra às drogas. Uma pesquisa do Centroblaze com aplicativoEstudosblaze com aplicativoSegurança e Cidadania (Cesec), da qual fui consultor, mostrou os custos altíssimos dessa proibição. São R$ 5 bilhões por ano no Rio eblaze com aplicativoSão Paulo.

Essa guerra é providencial para alimentar o mercado da corrupção e da milícia, cujo objetivoblaze com aplicativotese é combater o tráfico.

Por outro lado, há uma ação tradicional sobre como combater o tráfico que já dura anos e não muda. As elites da polícia e da sociedade acreditam que o problema da violência é esse, e essa visão dificilmente vai mudar a curto prazo, embora a discussão esteja aumentando.

Nós, como sociedade, queremos identificar onde está o perigo, apontar onde está o risco. Com isso, há uma reduçãoblaze com aplicativotoda a complexidade do problema da violência a uma questão localizada que é o tráficoblaze com aplicativodrogas. Porém, por trás disso, há estruturas que emergem à superfície: conflitosblaze com aplicativoclasse, criminalização da pobreza, racismo estrutural.

Já o policial que está na linhablaze com aplicativofrente, principalmente da PM, foi conduzido a acreditar que o inimigo é aquele que está ali na rua: o jovem armado vendendo a droga, muitas vezes um sujeito muito parecidoblaze com aplicativoorigem e idade com o próprio policial. Mas esse jovem é só a ponta do problema.

blaze com aplicativo BBC News Brasil - Por que esse enfrentamento ao tráfico não tem dado certo?

blaze com aplicativo Rodrigues - Temos políticas públicas muito frágeis e simplórias, com objetivos políticosblaze com aplicativoquatro anos, e não metasblaze com aplicativoEstado. Ninguém quer mexer com as estruturas.

Temos a tendênciablaze com aplicativoreduzir o problema do crime organizado ao tráficoblaze com aplicativodrogas.

O tráfico é uma rede internacional e complexa, conectado com mercados globais. Há países na América Latina que já estão bem mais avançados nessa questão, com políticas específicas para o varejo e outras para o chamado grande tráfico.

Outro erro é reduzir todos os problemasblaze com aplicativosegurança pública à ação da polícia. Segurança é um conceito muito maior, envolve educação, cultura, família, oportunidades. A polícia deve ser o último braço dessa política, e não o primeiro.

Por outro lado, há muitos interesses políticosblaze com aplicativomanter a população mal informada, com medo, cercada por tanques nas ruas.

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