‘Precisamos étotal spokerkit intubação e oxigênio’: o apelototal spokermédicostotal spokercidade que liberou ‘kit covid’:total spoker
Nos últimos meses, Maria Flávia já perdeu as contas das ofensas e xingamentos que ouviutotal spokerpacientes e nas redes sociais por defender condutas e posicionamentos baseadostotal spokerevidências científicas.
E a decisão da prefeituratotal spokerdistribuir gratuitamente esses medicamentos, ela diz, alimenta o ciclototal spokerpolarização.
Pior momento da pandemia
Em março, o sistematotal spokersaúde do município chegou à beira do colapso. Na segunda-feira (22/3), 252 dos 257 leitostotal spokerUTI disponíveis nas redes pública e privada estavam ocupados, 98%,total spokeracordo com os dados disponíveistotal spokerinforme da gestão municipal.
Na manhãtotal spokerterça, conforme apuração da emissora local TV TEM, 113 pessoas que necessitavamtotal spokerleitos estavam na fila para transferência — 64 aguardando leitostotal spokerUTI.
Entre as medidas para fazer frente à piora, a prefeitura criou barreiras sanitárias, vigentes entre esta quinta-feira (25/3) e o próximo dia 4total spokerabril, para controlar a circulaçãototal spokerveículos, limitou as visitas a supermercados a um membro por família e tem pedido à população que fiquetotal spokercasa e que evite visitar parentes ou fazer churrascos.
Também autorizou a prescrição do chamado "kit covid" nas unidades básicastotal spokersaúde sob a justificativatotal spokerque o objetivo era diminuir a letalidade e a complexidade dos casos da doença.
Em entrevista à BBC News Brasil, o prefeito do município, Rodrigo Manga (Republicanos), afirmou que ele etotal spokerequipe têm "consciência dos danos" que as drogas podem causar, e que os medicamentos só serão distribuídos quando prescritos pelos médicos, após avaliarem os riscos envolvidos e a necessidade do paciente, para evitar que a população se automedique.
A medida foi questionada pelo Sindicato dos Médicostotal spokerSorocaba e cidades da região (Simesul), que pediu que a prefeitura explicitasse quais dados utilizou para decidir oferecer medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19. Também não há comprovação científicatotal spokerque eles reduzam a mortalidade e a gravidadetotal spokercasos da doença.
De problemas hepáticos à 'falsa segurança'
Comumente usada contra piolhos, a ivermectina foi citada ainda no início da pandemia, quando mostrou ter ação contra o vírus na primeira etapa do processo que determina a eficáciatotal spokerum medicamento — os testes in vitro, feitostotal spokerlaboratório.
A alta dosagem usada nos testes, entretanto, é tóxica ao organismo humano.
Desde então, nenhum estudo clínico, feitototal spokerseres humanos, foi capaztotal spokercomprovar que a drogatotal spokerfato funcionatotal spokerdoses seguras.
Boa parte dos estudos que costumam ser compartilhados nas redes sociais como evidênciatotal spokerque o medicamento funcionaria como "tratamento precoce" outotal spokernas primeiras fases da doença tem erros metodológicos graves. A maioria não segue, por exemplo, o método duplo-cego randomizado, o padrão-ouro dos estudos clínicos, que evita que haja viés na pesquisa.
Médicos do município ouvidos pela reportagem destacaram que, alémtotal spokernão funcionar, os medicamentos podem causar graves efeitos colaterais, como intoxicação medicamentosa. Nesta semana, o Hospital das Clínicas da Unicamp,total spokerCampinas (SP), confirmou um casototal spokerhepatite medicamentosatotal spokerum homemtotal spoker50 anos que estava fazendo usototal spokerazitromicina, ivermectina e hidroxicloroquina. Ele entrou na filatotal spokertransplantestotal spokerfígado.
"O que temos visto é que pacientes que usam 'kit covid' têm evoluído mais rapidamente para hemodiálise. Alémtotal spokernão ter o benefício, há sobrecarga renal e hepática", observa a infectologista Naihma Salum Fontana, que trabalha nas redes pública e privada do município.
Os problemas, entretanto, vão além dos efeitos colaterais, ressaltam os profissionais.
O caso citado por Maria Flávia é um dos efeitos negativos "não farmacológicos" da medida: ao sairtotal spokercasa diariamentetotal spokerbusca do tratamento sem comprovação, o paciente pode infectar outras pessoas e contribuir para a disseminação do vírus.
Outro problema, acrescenta a cirurgiã vascular Andressa Bendine, que também atua na rede pública e particulartotal spokerSorocaba, é a falsa sensaçãototal spokersegurança que o chamado "tratamento precoce" dá a alguns pacientes, e que tem feito com que alguns levem mais tempo do que deveriam até procurarem o serviçototal spokersaúde.
"O paciente já chegatotal spokerestado muito grave", diz ela.
Nesse sentido, Nahima lembra um caso recente,total spokerque tratou cinco irmãos, com idades entre 63 e 37 anos. O mais novo foi o que desenvolveu quadro mais grave, o único que precisou ser intubado. Alémtotal spokernão procurar atendimento precocemente, vinha tomando cloroquina, ivermectina e nitazoxanida (antiparasitário conhecido pelo nome comercialtotal spokerAnitta) — que não haviam sido prescritos pela profissional.
"Todos com a mesma 'genética', este último ainda com a vantagemtotal spokerser mais novo. Onde está o erro?", ela comenta.
Fila por oxigênio e faltatotal spokersedativos
As histórias compartilhadas por profissionaistotal spokersaúde do município são semelhantes às que têm sido ouvidastotal spokeroutras cidades no Estado e no país: médicos, técnicos e enfermeiros dividem corredores com pacientestotal spokerleitos improvisados, têmtotal spokeradministrar filastotal spokerespera por oxigênio e veem as Unidadestotal spokerTerapia Intensiva (UTIs) operando no limite enquanto o estoquetotal spokersedativos e bloqueadores neuromusculares, essenciais para intubar os pacientes, atinge nível crítico.
Andressa lembra o diatotal spokerque se deu contatotal spokerque a situação havia degringolado. Era uma segunda-feira, cercatotal spokerduas semanas atrás, quando começava o turnototal spokerum dos hospitaistotal spokerque presta serviço.
"Nunca vi tanta gente na emergência desde que comecei a trabalhar lá. Aquilo me assustou."
Com todos os leitos ocupados, a equipe precisou improvisar um local para acomodar os pacientes.
"Chegaram a colocar uma maca ao lado da piatotal spokerque os funcionários lavam as mãos."
A médica Fernanda Simoneti, que trabalhatotal spokeremergênciastotal spokerhospitais públicos e particularestotal spokerSorocaba, relata experiência semelhante.
"Uma das coisas que têm dificultado o controle da situação é a faltatotal spokerespaço físico. É difícil separar pacientes covidtotal spokernão covid."
O cenário vem piorando desde o iníciototal spokermarço, ela afirma. "Muito paciente chega grave, já precisandototal spokersuplementaçãototal spokeroxigênio. Tem horas que não tem mais bicototal spokeroxigênio na emergência. A gente tenta regular [o volumetotal spokerpacientes] com o Samu, pede pra não levar mais, mas às vezes as pessoas chegam por meios próprios. Não tem como não aceitar, fechar as portas."
Os médicos também chamam atenção para os níveis preocupantestotal spokerestoquetotal spokermedicamentos para intubar os pacientes, como sedativos e bloqueadores neuromusculares. Sem a dosagem adequada desses fármacos, pacientes intubados podem acordar durante o procedimento e sentir dor e desconforto que poderiam ser evitados.
"O que paciente grave precisa étotal spokeroxigênio, kittotal spokerintubação, ele não precisatotal spokerivermectina no tratamento", pontua Andressa.
Na Santa Casa, que conta com 55 leitostotal spokerUTI-covid, quase um terço do total disponível na rede pública, o volumetotal spokersedativos e bloqueadores neuromusculares é suficiente para apenas mais uma semana, disse à reportagem o padre Flávio Jorge Miguel Júnior, diretor-presidente da instituição.
Ele afirma que tem boa interlocução com a secretaria municipaltotal spokersaúde e atribui o problema à falta generalizada desses medicamentos no país.
Sem eficácia comprovada
A decisão da prefeituratotal spokerSorocabatotal spokerliberar a prescriçãototal spokerivermectina e azitromicina está amparadatotal spokeruma portaria do Ministério da Saúde que recomenda o chamado tratamento precoce.
No último dia 19total spokerjaneiro, o Conselho Nacionaltotal spokerSaúde (CNS) encaminhou um ofício à pastatotal spokerque pede a revogaçãototal spokerqualquer instrumento que "incentive o usototal spokermedicamentos para covid-19 sem eficácia e seguranças comprovadas e aprovadas pela Agência Nacionaltotal spokerVigilância Sanitária (Anvisa)".
Na terça-feira (23/3), a Associação Médica Brasileira emitiu um comunicado assinado por 81 entidades médicastotal spokerque reforçava que esses medicamentos não deveriam ser utilizadostotal spokernenhuma fase da doença.
"Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovadatotal spokerbenefício no tratamento ou prevenção da covid-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida", diz o documento.
À BBC News Brasil o prefeitototal spokerSorocaba afirmou que há "divergência" entre a classe médica sobre o chamado "tratamento precoce" e disse ter sido procurado por profissionais da saúde do município que lhe pediram a liberação.
Afirmou que o "kit" será distribuído apenas com a devida prescrição médica e que vai "reforçar nas redes sociais essa conscientizaçãototal spokerque não adianta exigir do médico", para evitar casos como o relatado no início da reportagem.
"Ele [médico] que tem essa autonomia para fazer os exames no paciente para, a partir daí, fazer ou não essa prescrição. Quem vai decidir se o paciente pode ou não pegar esse medicamento que está à disposição nas UBS é a autoridade máxima da saúde, que é o médico."
Na segunda-feira, ele acrescentou, a prefeitura deve anunciar uma reorganização das unidades básicastotal spokersaúde para que algumas atendam exclusivamente pacientes com covid-19, para evitar a contaminaçãototal spokerpessoas que buscam outro tipototal spokeratendimento.
Manga declarou ainda que a vacinação é a "grande saída" para a pandemia, que a imunização está recebendo toda "força e recurso" do município.
Os R$ 57 mil empenhados para a compra do "kit covid", diz ele, não precisarão mais sair dos cofres públicos porque "uma distribuidoratotal spokermedicamentos que é a favor do tratamento precoce" entroutotal spokercontato com a prefeitura e se ofereceu para doar os medicamentos.
Manga tomou possetotal spokerjaneirototal spoker2021. Seu secretáriototal spokerSaúde é o médico Vinícius Rodrigues (PSL), que foi candidato a deputado federaltotal spoker2018 e é hoje primeiro suplente do PSLtotal spokerSão Paulo para a Câmara dos Deputados.
O 'kit covid' e a ética médica
A infectologista Naihma Salum Fontana questiona a ideiatotal spokerque "o médico pode prescrever o que quiser".
Ela ressalta que o próprio códigototal spokerética médica expressa,total spokerseu artigo 113, que é vedado ao médico "divulgar, fora do meio científico, processototal spokertratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente".
A opinião do especialista é importante, mas, como ela também pode conter algum grautotal spokersubjetividade, não se sobrepõe aos estudos científicos, diz a profissional.
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