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Sob temornova variante do coronavírus, Rondônia vive cenário dramático com faltaleitos e médicos:
Em meio à atual situação do sistemasaúde, o Ministério Público estadual afirma ter encontrado indíciosque o governoRondônia divulgou indevidamente, entre dezembro e janeiro, leitos clínicos eUTI que estavam inativos como se estivessem disponíveis. A suspeita éque o objetivo seria evitar a adoçãonovas medidasisolamento social.
O caso se tornou alvoinvestigação oficial. O governoRondônia nega qualquer irregularidade nos dados divulgados sobre a ocupaçãoleitos.
Colapso no sistemasaúde
Os casos e covid-19 passaram a crescer consideravelmenteRondônia desde o fim do ano passado, segundo especialistas. Logo no início do ano, a situação no Estado passou a ser considerada preocupante por profissionaissaúde da região.
Até quarta-feira (27/01), Rondônia, que tem cerca1,7 milhãohabitantes, registrou 121 mil infecções pelo novo coronavírus e 2.167 mortes, segundo o Ministério da Saúde.
Há relatos sobre dificuldades para conseguir vagashospitais do Estado há, ao menos, duas semanas. Diante do preocupante aumentocasos, o governoRondônia decidiu reabrir leitos do hospitalcampanha para receber pacientes infectados pelo novo coronavírus.
Segundo a Secretaria EstadualSaúde, a unidadecampanha possui 24 leitosUTI e três para a estabilizaçãopacientes, além71 leitos clínicos.
Em todo o Estado, há leitos que não estãofuncionamento por faltaprofissionaissaúde, segundo a SecretariaSaúdeRondônia. Em nota à BBC News Brasil, a pasta relata que há, por exemplo, uma unidade com 30 leitosUTI, "dos quais 25 estão ocupados e os outros estão montados e equipados", mas inativos por "dificuldades para contratar médicos".
Conforme a pasta, diversos profissionaissaúde foram convocados por meioeditaischamamento para início imediato. Porém, segundo a secretaria, o númeromédicos que se apresentaram foi insuficiente para suprir a atual demanda do Estado.
No último sábado (23/01), o governoRondônia pediu ajuda para transferir pacientes para outros lugares.
Desde segunda-feira (25/01), 13 pacientes foram transferidos para Curitiba (PR), nove para Porto Alegre (RS) e dois para Cuiabá (MT). Entre esses casos há pessoassituações consideradas moderadas ou graves.
Diante do atual cenárioocupação100% dos leitosUTI e 79,8% dos clínicos (destinados a pacientes com menos gravidade) no Estado, há previsãonovas transferênciaspacientes para outras unidadessaúde pelo país.
Dificuldades para contratar profissionaissaúde
Para tentar atrair novos profissionais, o governoRondônia publicou, neste mês, uma norma que define uma gratificaçãoaté R$ 5.000 por mês para médicos que atuaremlocais que atendam pacientes com a covid-19. Segundo a medida, assinada pelo governador do Estado, Marcos Rocha, a gratificação começa a partirR$ 1.250 e aumenta conforme o níveldificuldadeatendimento da unidadesaúde.
Em nota enviada à BBC News Brasil na quarta-feira (27/01), o Ministério da Saúde afirma que a SecretariaGestão do Trabalho e da Educação na Saúde disponibilizou o bancodados da pasta para que o EstadoRondônia contrate médicos para atuarem no enfrentamento à pandemia. Desde segunda-feira, conforme a pasta, foram disponibilizados 59 médicos (38 intensivistas e 21 clínicos gerais) ao Estado, que devem ser contratados por gestores locais.
Presidente do Sindicato MédicoRondônia, a cirurgiã plástica Flávia Lenzi aponta que muitos profissionais temem trabalhar para o Estadorazãodificuldades após o fim do pico da pandemia no ano passado, entre maio e julho. "Na época, houve casosprofissionais contratados que foram demitidos antes do fim do contrato. Alguns até hoje não receberam suas verbas rescisórias", diz a médica à BBC News Brasil.
Lenzi afirma também que outro problema que agrava a situação no Estado é a faltamédicos intensivistas. "Não existe médico especialistaUTI no mundo todoquantidade suficiente para o atual cenário", afirma.
Ela defende que sejam contratados médicosoutras áreas que possam ser orientados para trabalharUnidadeTerapia Intensiva. "Uma sugestão é chamar um médico que saiba clínica médica, intubar paciente, saiba mexerum ventilador… E esse profissional trabalharia na UTI e todos os dias haveria um intensivista como tutor, que o orientaria, por meio da telemedicina, como lidar com cada um dos pacientes. Cada tutor ficaria responsável por até 10 pacientes", diz.
As dificuldadesrelação a profissionaissaúde não se restringem aos médicos. O Conselho RegionalEnfermagemRondônia aponta que a situação se estende também para os enfermeiros e técnicosenfermagem.
"Na primeira onda da covid-19, o governo do Estado abriu leitos clínicos eUTI. Mas depois que os casos diminuíram, os profissionaissaúde foram desligados, mesmo com a iminência da segunda onda. Agora, precisam recontratar profissionaissaúde e há dificuldadesaceitação por vários daqueles que foram dispensados meses atrás", diz o enfermeiro Régis Georg, vice-presidente do conselho, à BBC News Brasil.
"Isso foi um erroplanejamento. Não deveriam ter fechado os leitos que foram abertos para atender os pacientes. Agora querem reabrir tudouma hora para a outra", acrescenta.
Georg afirma que alguns enfermeiros e técnicosenfermagem tiveram dificuldades para receber do governoRondônia ao fim do pico da pandemia no ano passado. Além disso, ele critica o fatoo Estado ter criado uma gratificação somente para os médicos.
"Muitos enfermeiros preferem não se expor ao vírus por um salário baixo, por voltaR$ 1.500 a R$ 2.000, e sem gratificação para a categoria. Quem tem opção, acaba escolhendo não trabalharserviço público neste momento", afirma Georg.
O governoRondônia nega que tenha havido problemaspagamento dos profissionaissaúde que atuaram no enfrentamento à covid-19 no ano passado.
Baixo isolamento social
Para especialistas, a populaçãoRondônia, assim comodiversas partes do país, afrouxou o isolamento social no fim2020,meio ao períodoeleições efestasfimano. "A situação crítica atual é um reflexo completamente direto desse relaxamento das medidasisolamento social. As festasdezembro, por exemplo, promoveram uma transmissãocovid mais elevada que o normal", diz o infectologista Juan Miguel Villalobos.
A SecretariaSaúde do Estado também aponta a redução do isolamento social como principal fator para o aumentocasos do novo coronavírus. "Infelizmente, a população deve ter um cuidado maior, usar máscara, higienizar bem as mãos e manter o distanciamento social. Porém, muitos não cumprem (essas medidas)", diz nota da pasta à BBC News Brasil.
O enfermeiro Régis Georg, que está na linhafrente do combate à covid-19, conta que percebeu que os atendimentos a pacientes com a covid-19 aumentaram nas últimas semanas.
"Não sei se as pessoas relaxaram no isolamento social por acreditar que logo haverá vacina (mesmo sem um prazo para imunização da populaçãogeral) ou se o povo se acomodou mesmorelação aos cuidados do isolamento social por acreditar que o vírus talvez não traga malefícios", diz Georg.
Profissionaissaúde e pesquisadores criticam a demora do governoRondônia para endurecer as medidasisolamento social. Mesmo com as frequentes aglomerações desde o fim do ano passado e o considerável aumentocasos, o Executivo estadual implementou medidas restritivas para a contenção do vírus somentemeados deste mês.
Em 17janeiro, o governoRondônia publicou um decreto no qual restringiu, das 20h às 6h, a circulação nos municípios com alta taxatransmissão do coronavírus, como Porto Velho. No período restrito, somente podem sair pessoas que fazem atividades essenciais ou para atendimentos médicos. A medida, que era válida até terça-feira (26/01), foi prorrogada pelo governo até sábado (30/01).
Nova variante do coronavírus
Uma das possibilidades apontadas por especialistas para justificar a atual situaçãoRondônia é que o Estado foi duramente afetado pela nova variante do coronavírus, identificada recentementeManaus — que pesquisadores cogitam ser mais transmissível e que pode ter colaborado,partes, para o recente colapso no sistemasaúde do Amazonas.
A nova cepa, que ganhou o nomeP.1, foi identificada pela primeira vez no dia 10janeiroquatro indivíduos que desembarcaramTóquio, no Japão, após uma viagem para o Amazonas. Posteriormente, ela também foi encontradaum pacienteMinnesota, nos Estados Unidos.
Ainda são necessários mais estudos sobre a nova variante, mas cientistas avaliam que pode ser mais infecciosa que linhagens conhecidas anteriormente. Isso porque ela, assim como cepas identificadas recentemente no Reino Unido e na África do Sul, sofreu mutações nos genes que codificam a espícula (estrutura na superfície do vírus que permite que ele invada as células do corpo humano para iniciar a infecção). Conforme os estudos, essa característica pode trazer mais facilidade para o coronavírus "invadir" as células do corpo humano — e facilitaria a propagação dele.
Na noiteterça-feira (26/01), o Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz confirmou os primeiros três casos da linhagem manauara no EstadoSão Paulo. Pesquisadores acreditam que ela já pode ter chegado a outros diversos Estados brasileiros.
Segundo estudiosos, a proximidade com o Amazonas pode justificar uma possível propagação da varianteRondônia no período recente.
"Muita gente vembarco, que carrega100 a 150 pessoas,Manaus para Porto Velho. Houve muitos relatospessoas que chegaram com suspeitacovid. Isso aumenta a possibilidadeespalhar essa cepa localizada no Amazonas. Isso pode ter piorado ainda mais a situação", afirma Régis Georg.
Somente análises genéticaspacientesRondônia poderão comprovar se a nova cepa encontradaManaus chegou ao Estado vizinho.
"É muito possível (que a variante encontradaManaus tenha chegado a Rondônia), mas não é algo que ainda possamos confirmar no momento. Embora possa ser um dos motivos, não podemos afirmar que essa nova variante seja a principal causa da atual situaçãoRondônia, porque o relaxamento das medidasisolamento social foi muito claro", frisa Villalobos.
Rondônia não enfrenta escassezoxigênio hospitalar nas últimas semanas, situação vivenciada no Amazonas. No entanto, Jesem Orellana, da Fiocruz, aponta que os Estados vizinhos têm uma característicacomumrelação ao atual cenário da pandemia: enfrentaram uma explosãocasos da covid-19 logo no início do ano e tiveramtransferir pacientes para outros lugares.
"É uma situação bem difícil nos dois casos. E pode ser que esse momento tão abruptoexplosãocasos da covid-19 na rede pública e privada seja explicado pelo fatoa variante encontradaManaus ter chegado a Rondônia", diz Orellana.
Investigação do Ministério Público
Diante do caos no sistemasaúdeRondônia, o Ministério Público abriu um inquérito para apurar suposta fraude na divulgaçãodados no Estado. Segundo o órgão, há discrepância entre os númerosleitos informados pelo governo do Estado com aqueles que eram disponibilizados para a população.
A principal suspeita éque esses dados tenham sido apresentadosforma irregular para evitar que fossem adotadas medidas mais durasisolamento social no fim do ano passado. Segundo as apurações iniciais, teriam sido incluídos leitos que estavam indisponíveis por faltamédicos.
Conforme a Promotoria, enquanto o relatório do governo afirmava que havia leitosUTI disponíveis semanas atrás, 30 pacientes aguardavam por um leitotodo o Estado. Ainda segundo o Ministério Público, os dados reais somente foram descobertos quando a filaespera dos pacientes se tornou ainda maior.
O governoRondônia nega que tenha havido fraude nos númerosvagas na UTI do Estado. Em nota, alega que cada relatório divulgado retrata a realidade do momentosua expedição, que "pode variar durante o mesmo dia e até hora,acordo com a internação, alta e óbito dos pacientes".
"A metodologia para confecção desses relatórios durante o tempopandemia foi sendo gradualmente aperfeiçoada com vista a retratar com mais fidedignidade a realidadeocupação dos leitos", diz nota divulgada pelo governoRondônia.
Situação preocupante
Em meio às dificuldades enfrentadasRondônia, o principal temorprofissionais da saúde e pesquisadores éque a situação se torne ainda pior nos próximos dias.
"Recebo informações constantesque esse relaxamento das medidasisolamento social continua aumentando, mesmo com o decreto (de isolamento) publicado pelo governo", diz o infectologista Villalobos.
O governoRondônia afirma que irá reavaliar o decreto no sábado. O temorprofissionais da saúde é que as atuais medidasisolamento, que eles consideram insuficientes, se tornem ainda mais escassas. "O comércio tem pressionado para que as coisas voltem a reabrir normalmente", diz Georg, do Conselho RegionalEnfermagem.
Georg é pessimistarelação aos próximos diasRondônia. "A situação está crítica, os hospitais estão completamente lotados e não sabemos como será daqui pra frente. Neste momento, não dá para apostaruma melhora", afirma.
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