Bolsonaro e Trump uniram conservadores, populistas e esotéricos new age, diz autorlivro sobre Bannon e Olavo:

Em fotomarço, Bolsonaro assina livrovisitas da Casa Branca, com Trump sorrindo atrás

Crédito, Alan Santos/Presidência da República

Legenda da foto, Em fotomarço2018, Bolsonaro assina livrovisitas da Casa Branca

Recentemente, no entanto, o tradicionalismo ganhou tração novamente ao ser incorporado — e ajudar a moldar — candidaturas políticas vencedoras do novo populismodireita. Segundo Teitelbaum, é como se houvesse um campo políticocomum entre o eleitor populista típico — homem, com baixa escolaridade e vida rural — e os esotéricos consumidoreslivros metafísicos "new age".

É para explicar a junção entre esses mundos tão distantes que Teitelbaum, professor da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, faz um mergulho na correntepensamento que inspirou tanto Steve Bannon, ex-conselheiroDonald Trump e artíficesua eleição à Casa Branca2016, quanto OlavoCarvalho, o guru do bolsonarismo radicado no Estado da Virgínia, nos EUA.

Ele acrescenta ainda na análise o russo Alexandr Dugin, ideólogo que gravita o círculopoderVladimir Putin. Teitelbaum defende que,comum, todos eles têm a fonte filosófica tradicionalista para nortearatuação política. Alémse debruçar sobre os escritos dos autores, o pesquisador conduziu uma sérieentrevistas com eles. O resultado é a obra Guerra pela Eternidade, recém-lançada no Brasil pela Editora Unicamp.

Os conceitos tradicionalistas ajudam a explicar posicionamentos políticosdiferentes frentes. O que têmcomum a recusaaceitar o resultado da eleição, os ataques sucessivos à imprensa profissional e a promoçãosoluções anticientíficas para lidar com a pandemiacoronavírus? Todas essas ações foram tomadas no governo Trump. E todas são ancoradas no tradicionalismo.

"Os tradicionalistas lançam mãoum conceito do hinduísmo chamadoinversão. Eles dizem que, nesta era das trevas atual, a maioria dos principais agentesserviçosinteresse público vai desempenhar a função oposta daquela que deveria desempenhar", explica Teitelbaum, para exemplificar na sequência:

"A comissão eleitoral, cujo objetivo primordial é registrar a opinião da população, provavelmente dará o resultado oposto ao que o povo decidiu. Um cientista vai espalhar ignorância sobre o mundo natural e um médico vai prejudicar seus pacientes, ao passo que o jornalista vai, na verdade, desinformar. O tradicionalismo empresta profundidade teórica e cor ao discurso populista."

Em entrevista à BBC News Brasil, ele explica como o tradicionalismo parece ter ascendido, a influência dele sobre OlavoCarvalho e o chanceler Ernesto Araújo,relação com o coronavírus, o que deve acontecer com a saídaDonald Trump do poder nos EUA e a relação com a China. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Benjamin Teitelbaum

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Para o professor Benjamin Teitelbaum, Bolsonaro e Trump uniram conservadores e esotéricos

BBC News Brasil - O que é o tradicionalismo e como ele conseguiu chegar ao centro do poderpaíses como o Brasil e os Estados Unidos?

Benjamin Teitelbaum - Até recentemente, o tradicionalismo não era uma filosofia política. Em vez disso, podia ser definido como uma vertentepensamento religiosa e espiritual. Algunsseus escritores tiveram uma pequena representação no mainstream — a relevância política veio com o fascismo na Segunda Guerra Mundial — mas depois disso e na maior partesua história social, o tradicionalismo se limitou a seitas.

O tradicionalismo é o modo pelo qual as pessoas olham para o mundo hoje e identificam a globalização e o liberalismo social como sendo produtosuma crescente ausênciafronteiras no mundo e na vida política e social.

Os tradicionalistas veem a faltafronteiras e a secularização tanto como sintomas, quanto provauma profeciaque vivemos agora na idade das trevas. E eventualmente,alguma forma, o mundo como conhecemos entrarácolapso e veremosseu lugar um mundo mais virtuoso, que tem fronteirastodos os tipos. Um mundo espiritualmente organizado, que não é definido por realizações financeiras ou pelo que chamam"globalismo". Esse mundo já teria existido, mas a humanidade o perdeu, e os seguidores do tradicionalismo são aqueles que conseguem ter lampejos do que seria esse mundo ideal.

BBC News Brasil - E como esse conjuntoideias, que esteve na maior parte do tempo restrito a pequenas seitas, chega ao centro do poderpaíses como Brasil e Estados Unidos? Há uma organização por trás disso ou é algo que acontecemodo fortuitodiferentes partes do mundo?

Teitelbaum - À primeira vista, é apenas uma coincidência muito estranha. A coincidência é que essa pseudoteoria política que desde a Segunda Guerra Mundial não tinha representação na política democrática ocidentalforma alguma,repente, entre 2018 e 2019, especialmente com a ascensãoBolsonaro, se incorpora ou passa a gravitar uma sérieregimes populistas ao redor do mundo.

Não parece haver uma organização,todos os casos, esses indivíduos (Steve Bannon, OlavoCarvalho) chegaram ao tradicionalismo por canais próprios e independentes. Então é fortuito. Por outro lado, no entanto, é preciso olhar para o zeitgeist ("espírito do tempo",alemão). Se pensarmos no tempoque vivemos, nos damos contaque é uma eraturbulência,revoluçãoalguns aspectos,transformação radical, mudanças dramáticas para frente e para trás.

E isso acontece simultaneamentetoda a Europa, América do Norte, Sul da Ásia, América Latina. Nós vemos uma insatisfação generalizada das populações com o status quo. Se esse é o espíritonossa época, então também não me parece estranho que os intelectuais, os gurus, os pensadores procurem pelas alternativas mais dramáticas que possam encontrar para oferecer uma saída. Então essa é a questão: o tradicionalismo é a alternativa teórica mais profundamente oposta ao liberalismo que alguém poderia propor.

BBC News Brasil - Qual é a diferença do tradicionalismo para o conservadorismo que conhecemos?

Teitelbaum - As diferenças são mais nítidas quando se pensatermosmotivação e objetivo final. O tradicionalista médio e o homem branco do campo dos Estados Unidos, ou o pequeno agricultor do sul do Brasil, podem ter valores aparentemente parecidos. Eles podem ansiar por uma volta ao passado, ou daquilo que gostavam no passado, como os papéis sociais mais definidos, ou a sensaçãoter um maior controle sobreexistência. Ou até mesmo porque sentem que lá atrás entendiam melhor a política e a economia.

Mas para o conservador, a motivaçãocelebrar todas essas coisas não está necessariamenteuma teoria religiosa, numa profecia que deve se cumprir sobre o mundo.

Um conservador nos EUA, por exemplo, provavelmente pensa que as coisas costumavam ser melhores e alimenta o desejotransformar a sociedade para que se pareça mais com o que costumava ser. Um tradicionalista, especialmente nas formas mais ortodoxas — e OlavoCarvalho não é exatamente um deles nesse sentido particular —, pensaria que o declínio atual é profetizado e necessário, porque precisamos passar por um períodoturbulência a fimvoltar para onde as coisas costumavam ser boas.

Então, os tradicionalistas anseiam pela destruição. Eles podem atéuma forma masoquista ou melancólica, desejar que as coisas sejam ruins agora.

Há tradicionalistas que apoiam o liberalismo e tudo o que eles alegam odiar porque pensam que ele precisa prosperar para depois entrarcolapso. Não faz parte do conservadorismo esse apelo apocalíptico, mas faz parte do tradicionalismo esse desejodestruição e a crençaque as coisas têm que ser destruídas para haver um renascimentovirtude.

BBC News Brasil - O tradicionalismo,acordo com seus estudos, obteve muitas vitórias ao enfraquecer órgãos multilateraisrelações entre os países, ao levar governos a tomar decisões que contrariassem a ciência. A pandemiacoronavírus foi um golpe para o tradicionalismo?

Teitelbaum - Depende com quem você fala. Uma coisa que devemos termente é que, por não ser uma filosofia política, o tradicionalismo é muito vagoalguns pontos. E assim as pessoas podem tirar significados diferentes deles. O coronavírus é um ótimo exemplo.

Dois dos tradicionalistas que acompanhei maispertomeu livro, Steve Bannon e Alexander Dugin, colocaram issomaneiras diferentes, mas ambos viam o vírus como um elementofortalecimentosua visãomundo.

Para Dugin, o vírus era uma punição para o globalismo, um veneno injetadonosso caótico movimento cosmopolita, uma resposta ao nosso desprezo pelas fronteiras e nossa incapacidadecontrolar os movimentos das pessoas neste mundo. Nessa lógica, o novo coronavírus introduz no mundo um novo sistemapunição e recompensa, que favorece tanto as ilhas geográficas quanto as ilhas políticas.

Bannon,termos diferentes, disse que achava que poderia ver com a pandemia o fortalecimento da comunidade local novamente e um alargamento das escalas geográficas.

Já para Olavo e para o chanceler Ernesto Araújo, quem considero um tradicionalista, o coronavírus foi apenas mais um exemplocomo o globalismo estava se perpetuando. Para eles, foi a China quem orquestrou este novo vírus e esta nova pandemia para unificar o mundotornosi.

As duas perspectivas são inteligíveis dentro da lógica do tradicionalismo.

BBC News Brasil - As pessoas certamente podem acomodar suas visõesmundo a certas filosofias, mas quando te perguntei sobre a pandemia como um fator negativo para os tradicionalistas, me referia por exemplo à perda da eleição por Trump.

É possível que uma parte dos eleitores tenha punido Trump nas urnas porresposta ao vírus, que parece bastante inspirada no tradicionalismo: o fechamentofronteiras, primordialmente, mas uma certa negação da ciênciarelação a máscaras e a defesatratamentos sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina, ou a retiradaorganismos multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde. O que deve acontecer com esse pensamento agora que ele perdeu?

AcompanhadoTrump, Bolsonaro cumprimenta integrantes do governo americano

Crédito, Alan Santos / Presidência da República

Legenda da foto, Bolsonaro já afirmou 'amar' Trump, mas não foi retribuído pelo americano

Teitelbaum - Para te dar uma resposta mais completa sobre isso, eu precisaria ter visto mais apoiadoresTrump refletindo sobre a derrota dele. Mas, eles não estão fazendo isso e seguem dizendo que ele não perdeu, que há outra explicação nisso, e a explicação é a corrupção da burocracia moderna. Para os eleitoresTrump, não é uma conversa sobre o coronavírus, mas sobre como não se pode confiar nas instituições, na máquina burocrática moderna. A eleição representa isso.

Eu acrescentaria mais um aspecto. É verdade que os tradicionalistas na política subiram muitos degraus, estão mais visíveis. Mas eles continuam sendo poucos e não se pode dizer que suas ideias estejam ficando mais populares.

Por fim, a maneira como alguém como Steve Bannon interpreta a política não dependeTrump. Quero dizer, Trump era apenas uma ferramenta, na melhor das hipóteses, emideologia, mas ele chegou a me confidenciar que estava muito animado com uma pré-candidata democrata à Presidência, (a líder espiritual e escritora) Marianne Williamson. Ela não adotava nenhuma das políticasBannon, mas falava sobre uma espécieconflito cósmico entre o bem e o mal na sociedade.

Ela foi ridicularizada por ser o tipocandidata esotérica na primária democrática. Mas se alguém assim passasse no crivo do processo, Bannon teria sentido que mudou algo com aquela campanha mais profundareposicionar os EUA como uma comunidade espiritual e lutar contra a política que se concentrava apenasliberdade econômica oujustiça econômica. Bannon adoraria ver debates entre sacerdotes. Portanto, seu movimento político pode ser mais profundo e não tão ligado a Trump quanto pode parecer.

BBC News Brasil - O que estamos vendo nos EUA agora,acusações infundadasfraude eleitoral e a recusaaceitar o resultado, tem algo a ver com o tradicionalismo? O presidente Bolsonaro também afirmou, sem provas, que2018 houve fraude eleitoral no Brasil.

Teitelbaum - Isso ilustra o cruzamentoconceitos entre populismo e tradicionalismo,uma espéciecongregação na esfera ideológicadireita. O questionamento da legitimidade da eleição é um lugar onde essas duas filosofias e suas maneirasver o mundo se cruzam.

O populismo dirá, genericamente, que o sistema é corrupto e os membros do establishment mandam no governo. E o sistema, ou o establishment, são os burocratas, funcionários públicos, cientistas, jornalistas, universidades, professores. O tradicionalismo diz a mesma coisa. Mas acrescenta que isso faz parteum plano cósmico amplo e que estamos fadados a isso.

Os tradicionalistas lançam mãoum conceito do hinduísmo chamado'inversão'. Eles dizem que nesta era das trevasque estamos vivendo, a maioria dos principais agentesserviçosinteresse públicos vai desempenhar a função oposta daquela que deveria desempenhar.

É realmente um passo simples para um tradicionalista se alinhar a um populista para dizer que a comissão eleitoral ou a eleiçãosi, cujo objetivo primordial é registrar a opinião da população, nessa eradeclínio provavelmente dará o resultado oposto ao que o povo decidiu. Ou que um cientista vai espalhar ignorância sobre o mundo natural e um médico vai prejudicar seus pacientes, ao passo que o jornalista vai, na verdade, desinformar. O tradicionalismo empresta profundidade teórica e cor ao discurso populista.

BBC News Brasil - Segundo o seu argumento, parece que o tradicionalismo caiu como uma luva para o populismo e, ao mesmo tempo, viu nele uma possibilidadechegar ao poderpaíses como o Brasil. Por que essa simbiose funcionou tão bem agora?

Teitelbaum - Essa é uma pergunta excelente e eu não tenho certeza se eu realmente sei a resposta. Se nós olharmos ao longo da maior parte da história, essa simbiose não funcionaria.

Se falarmostermos sociológicos e não ideológicos, parte do que estamos vendo é que o eleitor populista médio, homem,menor escolaridade, muitas vezesvida rural, todos esses marcadores demográficos que conhecemos que aumentam o apoio aos partidos nacionalistas na Europa e a Trump e Bolsonaro, esse eleitor tem agora um espaço onde ele pode juntar forças com espiritualistas e esotéricos do "new age", aquelas pessoas que vão à seçãometafísica das livrarias e que normalmente sãoum espaço social muito diferente do eleitor populista.

O que eles compartilham é essa insatisfação geral com o status quo, isso é o que está acontecendo aqui. Estamos vendo essa mudança mais profundaopinião na sociedade, mas qual vai ser a funcionalidade e a profundidade dessa ligação, eu não saberia dizer.

Benjamin Teitelbaum

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Benjamin Teitelbaum estudou o pensamento políticoSteve Bannon

BBC News Brasil - Como o sr. avalia a influênciaOlavoCarvalho no governo brasileiro? Ao mesmo tempoque ideologicamente ele parece ter ditado as cartas durante um período, as posturasOlavo são detonadorascrises frequentes, e parece quebuscaestabilidade, o presidente Bolsonaro faz um jogoaproximação e afastamento com ele. Faz sentido?

Teitelbaum - Olavo deliberadamente não aceitou uma posição formal no governo, que lhe foi oferecida. E isso é indicativo da personalidade mais amplaOlavo, que énão se associar a nada alémsi mesmo. Tendo dito isso, qualquer observador do Brasil saberá que na medidaque um comentário públicouma rede social tem um papel a desempenhar na política e mudar posições governamentais, essa é a extensão do poder e da influênciaOlavo. E o governo Bolsonaro está cheiopolíticos que levamconsideração a rede social ematuação, o que torna o governo ainda mais suscetível a Olavo.

E há também um discurso sobre a influência do Olavo. Eduardo, o filhoBolsonaro, já disse maisuma vez que seu pai deve a eleição a Olavo. Mas, honestamente, é muito difícil dizer que isso é verdade, seria muito difícil quantificar isso, dizer que a formação dessa base eleitoral veio daí.

Mas esse é o discurso que existetornoBolsonaro, e ele angariou poder político informal com essa percepção. Quanto à funcionalidade dessa figura para o governo, não acho que devamos atribuir intencionalidade, cálculo político ou mesmo lógica a tudo o que Olavo faz, mas na medidaque queremos entendê-lo, a estabilidade certamente não é um valor que ele irá perseguir. E a faltainteresse deleestabilidade e o anseio por ruptura, destruição e demolição andam lado a lado.

E podem ser explicados pelo seu envolvimento anterior com o tradicionalismo. Olavo não atribui muito valor ao sistema político e a uma administração que funcione bem. Essas não são coisas que vão entusiasmá-lo. O que o anima é a destruição e a demolição.

BBC News Brasil - O sr. conhece bem o chanceler brasileiro Ernesto Araújo. Como ele poderá liderar um relacionamento entre o Brasil e os Estados Unidos sob administraçãoJoe Biden?

Teitelbaum - Essa é uma questão que devia ser colocada para todo o governo Bolsonaro, não só para o Araújo. Bolsonaro e Araújo apostaram na existênciauma espécieInternacional Populista (em analogia à Internacional Comunista, fundada por Vladimir Lênin,1919, para congregar as forças comunistasdiferentes países ao redor do mundo) capazcompensar a perda da China (como aliado principal), como uma força orientadora do Brasil no mundo. E nunca houve uma Internacional Populista, o mais próximo que se chegou foi a algo com a Polônia e a Hungria, e só. Então acho que é um grande erro geopolítico.

É um erro geopolítico, claro, mas se você quisesse buscar uma justificativa para isso, você teria que notar que essas pessoas, Ernesto Araújo, OlavoCarvalho, e suas outras contrapartes, estão no governo porque não se importam muitomanter o funcionamento do sistema.

Steve Bannon e OlavoCarvalho

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Steve Bannon (à esq.) conversa com o professor e guru conservador OlavoCarvalho,fotoarquivo

Eles não querem ser a parte responsávelum governo. E eles não querem ver uma rede geopolítica global robusta que seria capazhospedar o Brasil como membro. Ainda assim, acho que foi um errocálculo porque eles estavam fazendo quase tudo que podiam para se alinhar com Trump e os Estados Unidos quando deveriam saber o tempo todo que estavam colocando os pésuma canoa muito instável.

BBC News Brasil - Steve Bannon, o ideólogoTrump a quem o senhor seguiuperto, foi recentemente presoum processo no qual é acusadoter se apropriadodoações que apoiadoresTrump fizeram para construir um muro na fronteira com o México. Esse episódio mudouformavê-lo?

Teitelbaum - Não, não mudou minha visão. Eu o respeito como um pensador sério, cujo pensamento seja dignoatenção e análise. E acho que conceder isso a ele não significa que ele não possa ser um corrupto ou alguém que corrompa, ou que tenha feito ou faça outras coisas ruins. Temo que chamar alguéminteressante ou mesmo chamar alguéminteligente àmaneira seja visto como um elogio abrangente demais, quando não é. Ele elegeu Trump, ele fez uma sériecoisas relevantes, e é interessante tentar entender a lógica dele, o porquê ele as fez.

No caso do processo, temos uma situação um tanto estranha. Ele foi preso acusadolavagemdinheiro paraorganização na questão do muro. O que muitas pessoas não se deram conta é que ele foi presoum iateum filantropo chinês. E ele estava ali por alguma razão, e a polícia rebocou o iate, para fazer buscas ali.

Eu não sou advogado, mas estudiosos do direito que olharam para o papel específicoBannon nesse processo têm dito que os outros presos envolvidos estãoapuros, mas há boas chancesBannon se safar das acusaçõeslavagemdinheiro. Então a ação no iate poderia estar relacionada às atividadesBannon na China. E isso é muito factível porque ele teve tantos negócios, ele movimentou tanto dinheiro, tem tantas associações envolvidastantos projetos, muitas das quais faliram, aliás, que não seria difícil que algo ilegal tenha acontecidoalgum ponto dessas transações.

BBC News Brasil - O que explica a oposição desses ideólogos à China?

Teitelbaum - A China surge como o grande contrapeso para os Estados Unidos, quer você goste disso ou não, e Bannon e Olavo claramente não gostam. Suas razões para não gostar disso são o materialismo e o secularismo que a China representa, alémos chineses operarem uma formaglobalização na qual os Estados Unidos não estão. Mas não se trata sóuma oposição política nacionalista, há um tipo mais profundooposição espiritual à China. A China funciona como o avatar da faltafronteiras do capitalismo, materialismo e secularismo que eles rejeitam.

BBC News Brasil - Em uma entrevista à BBC News Brasilmeados deste ano, OlavoCarvalho criticou duramente seu livro quando foi publicado e negou que seja tradicionalista. Por que ele fez isso?

Teitelbaum - Bem, ele reage dessa forma a muitas pessoas que escrevem sobre ele. Então eu esperava isso um pouco, mas ainda assim fiquei surpreso. Parece-me bastante óbvio que o material sobre a tariqa (organização esotérica da qual Olavo fez parte) realmente o incomodou. Eu fiquei surpreso porque na entrevista que ele deu a você, ele diz alguns insultos a mim para depois basicamente repetir toda a história conforme contei. Há apenas algumas exceções que contradizem coisas que ele mesmo me disseentrevistas. E ele sabe disso.

Notavelmente, ele não estava na tariqa porque estava interessado na filosofia persa. Ele estava lá porque ele estudava tradicionalismo e queria praticar. Ele não queria que fosse apenas um estudo teórico, queria viver a prática do tradicionalismo.

Outra coisa é que ele comparaexperiência na tariqa como se fosse equivalente à passagem dele pelo Partido Comunista. Isso não é real. Ele jamais traduziu as obrasKarl Marx e as distribuiu. E quando ensinou sobre comunismo aos seus alunos, ele o fez sem qualquer caráter elogioso, enquanto com o tradicionalismo, ele se debruçoutraduzir obras do judaísmo referentes a ele e continua a ensinar o tradicionalismo para geraçõesestudantes.

Algunsseus ex-alunos descrevem suas experiênciasaulas como tendo sido compelidos a celebrar René Guénon (um dos mais importantes autores do tradicionalismo) como uma espéciedivindade. Então essa história está aí e não sou o primeiro a falar sobre ela, mas vê-la exposta dessa forma parece realmente ter incomodado um tanto quanto o Olavo.

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