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PIB cai 1,5% no 1º trimestre e mostra início'efeito coronavírus', mas pior ainda está por vir:
De acordo com a coordenadoraContas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, a retração da economia foi causada, principalmente, pelo recuo1,6% nos serviços, setor que representa 74% do PIB. A indústria também caiu (-1,4%), enquanto a agropecuária cresceu (0,6%).
"Aconteceu no Brasil o mesmo que ocorreuoutros países afetados pela pandemia, que foi o recuo nos serviços direcionados às famílias devido ao fechamento dos estabelecimentos. Bens duráveis, veículos, vestuário, salõesbeleza, academia, alojamento, alimentação sofreram bastante com o isolamento social", explica.
Os dados do IBGE mostram que, já no início da crise, houve retração forte2% no consumo das famílias. A covid-19 encontrou no Brasil um cenáriovulnerabilidade social: no finalfevereiro, havia um totalde 38 milhõestrabalhadores informais e 12,2 milhõesdesempregados, que dependiam do trabalhocada dia para seu sustento.
"Foi o maior recuo [do consumo das famílias] desde a criseenergia elétrica2001", diz Rebeca Palis, acrescentando que o consumo das famílias pesa 65% do PIB. O consumo do governo ficou praticamente estável (0,2%) no primeiro trimestre deste ano, mesmo patamar do último trimestre2019.
Não dá, no entanto, para colocar toda a culpa da retração do PIB do primeiro trimestre no coronavírus, alertam os economistas ouvidos pela BBC News Brasil. A crise política que só se agrava e a condução ineficiente da pandemia por parte do governo do presidente Jair Bolsonaro pioram uma situação que já estava ruim.
"Poderia ser menos pior, e poderíamos pensarum segundo semestre melhor [para a economia] se tivéssemos um momentomais união política", diz a economista Silvia Matos, que elabora o boletim macroeconômico do Instituto BrasileiroEconomia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas. A projeção do Ibre para 2020 éque o consumo das famílias caia 8%, o investimento seja reduzido15,7% e o setorserviços retraia 4,3%.
"A pandemia, que poderia ser combatidamaneira mais eficazpoucos meses, como não foi combatida corretamente, pode durar mais".
Os investimentos (Formação BrutaCapital Fixo) cresceram 3,1%, puxados pela importação líquidamáquinas e equipamentos pelo setorpetróleo e gás. A produção nacionalmáquinas e equipamentos e a construção caíram, observa Rebeca.
Já a balança comercial brasileira teve uma queda0,9% nas exportaçõesbens e serviços, enquanto as importaçõesbens e serviços cresceram 2,8%.
Matos destaca que, além das causas naturais, pesa contra o Brasil a dificuldade que o governo tem demonstradolidar com a pandemia. Para o PIB, a expectativa da FGV équeda9,6% no segundo trimestrerelação ao primeiro e5,4% no ano. Ela cita como exemplo a desvalorização do real, que tem fatores internos brasileiros como grande parte da causa.
Não é acaso, na visão do Ibre, que a moeda brasileira tenha perdido praticamente 50% do seu valor somente2020, "com um movimento mais intenso do que o observadooutras economias e, muito mais intenso do que o observadoseus principais parceiros comerciais", afirma a instituição, que vê, neste ano, além da pandemia, "relevante deterioração do cenário doméstico (econômico, institucional e político)" que ajuda a explicar tal desvalorização.
"Janeiro e fevereiro já não tinham sido brilhantes", concorda o economista Sergio Vale, da Consultoria MB Associados. "Havia toda aquela lenda no final do ano passadoque a economia ia começar a decolar. O governo vendeu muito isso no terceiro trimestre, quando os números haviam vindo melhores, mas o quarto trimestre foi um banhoágua fria e o primeiro trimestre caminhava para isso também."
Antes da pandemia, a MB Associados já havia revisado1,6% para algo mais próximo1%, parecido com o ano passado, aprojeção para o crescimento do PIB2020. Agora, prevê queda7,8% este ano, com o segundo trimestre apresentando queda15% na comparação com o primeiro trimestre. "Tirando a agricultura e o consumo do governo praticamente todos os setores terão quedas significativas."
Crise profunda é ameaça para governo
Para Sérgio Vale, da MB Associados, o cenáriocrise econômica profunda torna mais frágil a sustentabilidade do governoJair Bolsonaro. "A pandemia acelera esse estresse políticoum grau muito mais difícil. Se a gente antes via um governo Bolsonaro que tendia a chegar ao seu final, mas com dificuldades, hoje a gente vê, por conta da crise, que está sendo gerida por um governoque é difícil ver um final positivo para ele", arrisca Vale, que diz que o riscoimpeachment cresceu com o cenário atual.
"Um terço da população ainda o apoia, as pessoas não estão podendo ir para a rua, então isso dificulta. Mas acho que essas coisas podem começar a ser revertidas quando a crise econômica bater e aí não tem jeito. Para parte da população, o governo federal vai ser culpado", diz.
No início do mês,entrevista à BBC News Brasil, Christopher Garman, diretor gerente para as Américas do Eurasia Group, especializadaanálisesrisco, expressou previsão parecida com aVale.
Disse que a pandemiacovid-19, que já infectou mais441 mil pessoas no país e matou mais26 mil, tornou-se a "grande variável" política para o futuro do governo.
"Se o presidente sofrer um impeachment, será por causa disso", afirma Garman,entrevista à BBC News Brasil. "É claro que as denúncias contra o presidente, a família, os filhos, isso pode dar uma base legal para uma moçãoimpeachment — o fatoele tentar interferir nas investigações. (Mas) acho que é fácil a base bolsonarista criar uma narrativa que possa proteger o presidente nessa linha. Agora se você tem um colapso no sistema públicosaúde nas grandes capitais...isso é uma coisa que pode levar a um colapso maior na aprovação dele", diz.
Sergio Vale, da MB, diz que cada vez mais o governo Bolsonaro se "inviabiliza pelas escolhas do presidente, e o cenáriocrise econômica profunda, com a piora no quadro da covid-19, poderá ser mortal para seu governo no futuro", diz. "Acho difícil esse governo chegar ao fim do jeito que está. Ou ele muda radicalmente, ou não termina."
Um enorme contingentedesempregados
Embora a taxadesemprego ainda tenha mostrado queda no primeiro trimestre, o mais provável é que o númerodesempregados já tenha começado a aumentar. A aparente redução,12,7% no primeiro trimestre2019 para 12,2% no mesmo período2020, esconde distorções, principalmente o desalento, que,meio à quarentena, faz muitos desistiremprocurar oportunidades.
"A taxadesemprego só não se elevou mais rapidamente porque menos pessoas procuraram emprego, provavelmenteconsequência das medidasdistanciamento social", afirma o cenário econômico do Banco Itaú, assinado pelo economista-chefe Mário Mesquita. O banco revisou12,6% para 14% a previsão para a taxadesemprego ao final2020, e12% para 13,7%2021,um cenário ainda ruim.
O cenário do Ibre é ainda pior: prevê taxadesemprego média18,7%2020, com redução3% no númeropessoas que procuram emprego, forte efeito do desalento.
Uma peculiaridade perversa da crise da pandemia é que, diferentemente do que costuma acontecerrecessões no Brasil, os trabalhadores desempregados não podem recorrer aos "bicos" informais, como a vendacomida ou serviçosconstrução civil.
Desta vez, essa é uma opção muito difícil. Por isso, desta vez, a queda do consumo será tão grande,acordo com as projeções.
"Agora o efeito é mais devastador no contextoinformalidade, uma vez que o cara não pode procurar emprego. Nem adianta ele ofertar trabalho. Antes ele ofertava trabalho, mesmo com a demanda fraca", diz Silvia Matos, do Ibre.
O efeito do novo coronavírus é igualtodas as economias?
Embora iguale pessoas e países pelo mundo no medo da doença, os governantes do mundo todo estão aprendendo que a covid-19 tem peculiaridadesacordo com cada realidade.
Ao longo dos últimos dias, os casoscovid-19 continuaram acelerandoforma expressiva no Brasil e outros países emergentes, como Peru, México, Índia, África do Sul e nações do Oriente Médio. Enquanto isso, as curvasnovos casos seguiram recuando nos EUA e na Europa, inclusive na Rússia.
O Brasil ainda vive a fase aguda da pandemia, com númerosnovos casos emortes diárias crescendo bastante ao longo do mêsmaio, sem sinais concretostendênciadesaceleração significativa a curto prazo.
Economicamente, o Brasil tem algumas características que dificultam o combate à doença; é um país muito desigual, com muito trabalho informal, eum momentocapacidade fiscal restrita.
"Em razão da elevada informalidade, o mercadotrabalho brasileiro tende a demorar mais para se recuperar. Na Alemanha, por exemplo, que tem grande disponibilidade fiscal e trabalhadores formais que voltam aos seus postos depoisuma quarentena financiada pelo poder público, com certeza vai se recuperar mais rapidamente", afirma Matos.
Todos os economistas ouvidos pela BBC alertam que a retração da economia, que reduz a arrecadaçãoimpostos pelo governo, torna ainda mais preocupante o cenário das contas públicas brasileiras. O Banco Itaú, por exemplo, prevê que, com as medidas adotadas pelo governo contra o coronavírus, a dívida bruta deve alcançar 92% do PIB2020 e 88% do PIB2021, ante 76% do PIB2019.
"A piora das variáveis fiscais eleva o riscoo país retornar para uma trajetóriaendividamento insustentável", prevê o banco,relatório. "No casopiora fiscal adicional, a retomada da economia e a sustentabilidade das taxasjuros nas mínimas históricas ficariam ainda mais prejudicadas".
O Itaú também prevê, para 2021, um aumentogastos sociais financiados parcialmente por um aumento da carga tributária0,2% do PIB (R$ 20 bilhões). "O aumentogastos sociais deve elevar o benefício médio do Programa Bolsa FamíliaR$ 200 para R$ 600 mensais e ser implementado por meioum fundo fora do orçamento público", diz.
Silvia Matos, do Ibre, diz que o climaemergência econômica, sanitária e política abre espaço para a aprovaçãomedidas populistas que, quando a pandemia passar, terão piorado a situação fiscal e o ambientenegócios no Brasil.
"Há um riscoa gente ainda sair dessa pandemia com um ambientenegócios mais disfuncional", diz Matos, que cita propostas que circularam pela imprensa nos últimos dias, como aque o governo estaria estudando a possibilidadeo Banco Central editar uma resolução que "trava" os juros do cartãocrédito, ou a votaçãoum projeto que suspende por três meses a cobrançaempréstimos consignados contratados por empregados, servidores públicos, pensionistas e aposentados que, lembra a economista, não perderam a renda durante a pandemia.
"Estamos tornando o cenário da dívida muito mais incerto, menos pela questão da pandemia, mas mais pelos efeitos colaterais dessa desorganização política e dessa fragilidade do governo, pedindo apoio do centrão, isso leva a apoio a medidas mais populistas ainda", diz, destacando também a perdaforça do ministro Paulo Guedes, que era tido como fiador da política econômica do governo.
"Antes mesmo, quando a pandemia estava começando, a gente viu o plano pró-Brasil, que foi um plano que não veio da Economia, veio da Casa Civil, mal elaborado,pouco tempo, sem discussão.
Matos diz que, mesmo antes da pandemia, o que se via na gestão econômica do governo Bolsonaro era a perdaforça do ministro Paulo Guedes, e "o investidor olha e pensa: peraí, que que vai acontecer com esse país?", diz.
A economista pondera, no entanto, que a postura do governo Bolsonaro afasta o investidor estrangeiro não só no campo econômico. "O investidor estrangeiro,comparação ao investidor doméstico, tem uma mudança, uma preocupação muito grandecompliance,alocar o recursoempresas que se preocupam com questões ambientais, dos direitos humanos. O mundo mudou", alerta.
"A gente já vê vários fundos que não vão aplicarempresas brasileiras que estão envolvidasquestões ambientais, e o Brasil tenta se destacar nesse lado negativo das políticas ambientais edireitos humanos. A novidade, agora, é pecar também nesse lado econômico, mais populista."
Quando vai voltar o ' normal ' para a economia?
A partir dos cálculos do economista Sérgio Vale, da MB Associados, não se pode imaginar que a retomada da economia será rápida ou sequer simples. Em uma suposição otimista, ele simula como seria uma retomadaque a atividade da indústria voltasse,outubro, a 80% do ritmoque ela estavafevereiro.
Na simulaçãoVale, se a indústria crescesse a partiroutubro0,5% por mês sobre o mês anterior, chegaria ao nível pré-crise apenasmeados2024. "Mas 0,5%crescimento médio mensal é bastante otimismo. Entre 2016 e início2020, o crescimento médio da indústria foimagros 0,1% na margem. Assim, supondo um resultado cinco vezes melhor do que tivemos nos últimos anos, levaremos cinco anos para voltar ao pré-crise", prevêrelatório. No cenário mais pessimista, tal retomada da indústria voltaria só2039, diz, acrescentando que o cenário "é similar para comércio e serviços".
A faltaum diagnóstico preciso etestes para a covid-19 também torna a reabertura da economiamaneira segura uma realidade mais distante para o Brasil, diz Matos. "A volta dependetestesmassa, e a gente não tem condições pois não se preparou para isso. O risco é ter um períodopandemia mais extenso do que a gente poderia ter se tivesse focado energia nas coisas corretas, seguindo as práticas internacionais".
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