O que acontece agora que STF aceitou o pedido para investigar denúnciasMoro contra Bolsonaro?:
O ministro CelsoMello, do Supremo Tribunal Federal (STF), aceitou nesta segunda-feira (27/4) o pedido do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para aberturaum inquérito envolvendo o presidente Jair Bolsonaro e as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
O inquérito vai investigar as denúncias feitas por Moro na semana passada durante seu discurso anunciandodemissão. Moro afirmou que Bolsonaro teria feito tentativasinterferência no trabalho da Polícia Federal e relatou açõesBolsonaro que, se comprovadas, podem configurar crimes, segundo a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) e criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Como se trataacusaçõessupostos crimes comuns cometidos pelo presidente da República, a investigação só poderia ser pedida pela PGR, com a autorização do Supremo Tribunal Federal.
Na decisão desta segunda, o STF entendeu que há indícios suficientes para abertura da investigação.
A partir do aval dado agora pelo STF, será aberto um inquérito conduzido pela Polícia Federal, que então produzirá um relatório para ser será encaminhado a Aras.
O inquérito vai investigar se, ao interferir na Polícia Federal, como acusa Moro, Bolsonaro cometeu os crimescoação no curso do processo (quando se ameaça autoridade para interferirum processointeresse privado próprio ou alheio); advocacia administrativa (patrocinar interesse privado diante da administração pública valendo-se da qualidadefuncionário); prevaricação (faltar ao cumprimento do dever por interesse ou má fé) ou corrupção passiva privilegiada (quando agende público age, ferindo seu dever, cedendo a pedido ou influênciaoutra pessoa).
O inquérito também vai avaliar se, ao usar assinaturaMoro no decretoexoneraçãoMárcio Valeixo, ex-diretor-geral da PF, o presidente teria cometido falsidade ideológica. Isso porque Moro afirmou não ter assinado o documento com a exoneração, apesarseu nome ter aparecido no Diário Oficial.
De acordo com a Constituição, um presidenteexercício só pode ser investigado ou processado por crimes cometidos durante o mandato — seria esse o caso se comprovadas as acusações feitas por Moro.
Segundo Aras, se as acusaçõesMoro se mostrarem infundadas, é possível que o ex-ministro tenha cometido denunciação caluniosa ou crime contra a honra, duas possibilidades que também serão investigadas no inquérito.
A partir do momentoque receber o relatório da PF, Augusto Aras vai decidir se apresenta ou não uma denúncia ao STF.
"Se achar que há indícios fortescrime, o PGR apresenta uma denúncia ao Supremo", explica o professordireito Constitucional da USP Elival da Silva Ramos. "Então a Câmara dos Deputados precisa autorizar, com anuênciapelo menos dois terços dos deputados, para que o STF possa deliberar ou não sobre a aceitação da denúncia."
O peso da decisão da Câmara
Caso a Câmara não dê o aval para o STF decidir sobre a aceitação denúncia, o processo ficasuspenso até o fim do mandato do presidente.
Foi o que aconteceu com duas denúncias contra o ex-presidente Michel Temer (MDB) feitas ao STF pelo ex-PGR Rodrigo Janot e uma feita pela ex-PGR Raquel Dodge. No casoTemer, nos três casos, a Câmara não autorizou que o Supremo avaliasse a aceitação ou não da denúncia, e ele respondeu aos processos somente após o fim do mandato.
Se, diferentemente do que aconteceu com Temer, a Câmara der o aval e o STF decidir dar seguimento a uma denúncia feita pelo procurador-geral da República, o presidente é afastado por até 180 dias, tempo limite para que o caso seja julgado pelo próprio Supremo.
Se for considerado culpado, o presidente perde o mandato e responde pelos crimes como um cidadão normal.
"A consequência maior seria a perda do mandato", explica Ramos. "Considerando que as penas (dos supostos crimes) são baixas, o mais provável é que penasprisão sejam comutadas por penas alternativas."
Se foi considerado inocente ou se o julgamento não terminaraté 180 dias, o presidente continua seu mandato normalmente.
CrimeResponsabilidade
Também existe a possibilidade da Câmara dos Deputados considerar que há indíciosum crimeresponsabilidade, o que poderia dar início a um processoimpeachment — que aconteceria separado do procedimento iniciado por Aras.
"(As ações como relatadas por Moro) deixam aberta a porta para caracterizaçãocrimeresponsabilidade, primeiro passo para um processoimpeachment", afirma Maurício Dieter, professorcriminologia crítica da USP.
"Se comprovado que ele agiumodo incompatível com a dignidade, com a honra, e com o decoro do cargo, ele poderia ter praticado um crimeresponsabilidade", afirma Rogério Cury, professordireito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Dieter explica que a lei sobre crimeresponsabilidade é muito vaga e aberta a interpretações, o que torna difícil fazer afirmações mais contundentes sobre se os supostos atosBolsonaro seriam ou não considerados crimesresponsabilidade.
"A lei dos crimesresponsabilidade tem toda uma história hermenêutica (um históricointerpretações diferentes). Para caracterizar as pedaladas fiscais como crimeresponsabilidade (que levaram ao impeachmentDilma Rousseff), por exemplo, foi feita toda uma ginástica interpretativa", afirma Dieter.
Em última instância, a aberturaimpeachment é um processo mais político que jurídico, e dependequanto apoio o presidente tem no Congresso Nacional.
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