‘Achei que tinha sido infectada ao atender paciente’: a rotinaprofissionaissaúde que cuidamcasoscoronavírus no Brasil:

Homem sendo vacinado por médica

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Legenda da foto, Profissionais da área da saúde vivem climaapreensão com o aumentocasos do novo coronavírus no Brasil

Uma enfermeira do Emílio Ribas, que recebeu instruções para conduzir casospandemias como o coronavírus, colheu o material genético do paciente e encaminhou para o Instituto Adolfo Lutz, referência nos testes do vírus. O resultado saiu cinco dias depois: positivo.

Fernanda, que tem 42 anos, viveu um dos momentos mais tensossua profissão ao receber o resultado do paciente. Um dia antes, ela havia começado a ter febre e tosse intensa. "Achei que tivesse contraído o vírus ao atendê-lo. Isso me deixou extremamente preocupada, porque eu fiquei pensando nos pacientessituação vulnerável, com outras enfermidades, que atendi dias depois e poderiam ter contraído o vírusmim", relata a médica.

Segurando exame do coronavírus

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Legenda da foto, Ministério da Saúde publicou protocolo para orientar medidas tomadas por profissionais da saúde no atendimentopacientes com coronavírus

Ela decidiu fazer o exame para descobrir se havia sido infectada pelo coronavírus. Para Fernanda, o seu caso representa o despreparo que pode aconteceroutras unidadessaúde pelo Brasil. "Não é mistério pra ninguém que enfrentamos dificuldades no sistema públicosaúde, como faltamaterial einsumos. Eu tive que ficar muito próxima ao paciente, enquanto o atendia, pois a salaisolamento estava com a luz muito fraca e porque o estetoscópio era muito antigo", declara.

Os profissionaissaúde e o coronavírus no Brasil

Situações como a vivida por Fernanda trazem à tona a rotinaprofissionaissaúde etrabalhadores responsáveis pela limpezahospitais no contexto da pandemia do novo coronavírus.

No Brasil, os registrospessoas com Sars-cov-2, como é chamado oficialmente o novo coronavírus, têm crescido exponencialmente nos últimos dias. Os dados atualizados apontam que há mais100 casos no país.

O Ministério da Saúde afirma que tem orientado os profissionais para atender os casostodo o país. As ações para isso, segundo a pasta, incluem medidas como o aumento no horárioatendimentosunidades básicassaúde, a contratação5 mil profissionais por meio do programa Mais Médicos e a intençãoque sejam liberados R$ 5 bilhõesrecursos para combater a pandemia — para a aquisição, por exemplo,materiais e insumos.

Ainda serão direcionados, segundo o Ministério da Saúde, dois mil leitosUnidadeTerapia Intensiva (UTI) para pacientes com a covid-19 — cerca70% dos brasileiros que não têm planosaúde dependem do Sistema ÚnicoSaúde (SUS).

De acordo com o Ministério da Saúde, os profissionaissaúde estão preparados para lidar com uma pandemia como o Sars-cov-2. Desde os primeiros casos do novo vírus no mundo, a pasta lançou um protocolomanejo clínico para médicos e enfermeiros. O documento define que os profissionais devem utilizar EquipamentosProteção Individual (EPI), conforme orientado pela Organização MundialSaúde (OMS), para evitar possíveis infecções — os itens devem ser descartáveis euso exclusivo.

Laboratório fazendo exame

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Legenda da foto, Para Ministério da Saúde, profissionais como enfermeiros e médicos brasileiros estão preparados para lidar com pandemia

O protocolo define ainda que os médicos e enfermeiros que cuidarempacientes com o coronavírus devem se dedicar exclusivamente a eles e evitar circulação por outras áreas.

Profissionais da área da saúde ouvidos pela BBC News Brasil consideram que a situação da pandemia, ainda que haja protocolos que direcionem como proceder, é completamente estressante e incerta. Eles vivemmeio a diversas dúvidas: se haverá leitos, insumos ou profissionais suficientes para atender às demandas nos hospitais.

Médicos e enfermeiros avaliam que situações como na Itália e na China, onde seus sistemassaúde foram extremamente sobrecarregados pelo novo coronavírus, são exemplos sobre como proceder no Brasil. Porém, temem que o país passe por situação semelhante, ainda que possa usar as primeiras regiões afetadas como exemplos para aperfeiçoar as ações no combate ao Sars-cov-2.

Na China, onde surgiram os primeiros casos do vírus, um levantamento apontou que cerca1,7 mil agentessaúde foram afetados pela covid-19,meio a um sistemasaúde sobrecarregado. Um dos principais fatores foi a faltaproteção adequada.

Um casoprofissionalsaúde na China que ficou conhecido mundialmente foi o do oftamologista Li Wenliang,34 anos. Ele havia alertado sobre o novo coronavírus logo nos primeiros registros, mas foi acusadodivulgar informações falsas. Infectado enquanto atendia pacientesWuhan, cidade chinesa epicentro da pandemia, ele morreu no iníciofevereiro.

Médico Li deitado na cama

Crédito, DR LI WENLIANG

Legenda da foto, O médico Li Wenliang publicou nas redes sociais uma foto na cama do hospital

O infectologista Marcos Boulos, professor da FaculdadeMedicina da UniversidadeSão Paulo (USP), ressalta que ainda que os treinamentosprofissionaissaúde estejam acontecendo no Brasil, ninguém está absolutamente preparado para uma pandemia. "Masrelação ao coronavírus, não é necessário um treinamento especial, porque a doença não é diferente das gripes que já conhecemos", diz.

"Neste momento, é fundamental aumentar recursos humanos e estruturais para enfrentar a situação", acrescenta Boulos.

Presidente do Conselho FederalEnfermagem (Cofen), Manoel Carlos Neri avalia o novo coronavírus como preocupante. "Esperamos uma elevação muito grande dos casos nos próximos dias. Por isso, nossa preocupação érelação aos profissionais, principalmente aqueles que vão estar na linhafrente no combate à pandemia", afirma à BBC News Brasil.

O Cofen encaminhou, na última quinta-feira (12), orientação para que todas as unidades estaduais do conselho fiscalizem áreassaúde regionais para verificar as situações. "É preciso investigar a provisãoEPIs para profissionais, os insumos e a capacitação das equipes. Os profissionais precisam estar preparados para atender toda essa demandapacientes que é previsível que vá desde a unidade básicasaúde até as especializadas", declara Neri. "Deverá ser um impacto muito grande na saúde", acrescenta.

Profissionais da limpeza devem usar o mesmo EPI que médicos e enfermeiros para que possam acompanhar pacientes com o novo coronavírus.

À espera do pior cenário

O climaestresse e apreensão tem se tornado comum para muitos profissionaissaúde no Brasil,razão do coronavírus. Eles acreditam que nos próximos dias a rotina será incomum e intensa. "Enquanto a população está tentando fugir do vírus, nós estamos indo ao encontro dele, para ajudar os pacientes", pontua o médico Jaques Sztajnbok, supervisor da UTI do Emílio Ribas.

Sztajnbok acredita que, com o aumento exponencial dos casos, muitos pacientes com o novo coronavírusestado grave deverão ser internados para tratamentos intensivos — a maioria das pessoas com a covid-19 desenvolve quadro mais leve e podem fazer isolamentosuas casas.

"O futuro dirá como serão as coisas e não é tão longe assim. A gente espera um tsunamicasos", afirma.

Até o momento, há apenas um casosuspeitacoronavírus na UTI do Emílio Ribas. Ainda que não haja uma confirmação, o protocolo adotado é o mesmo para pacientes que foram confirmados com o novo vírus. O homem respira por aparelhos, por meioventilação mecânica, e há cuidados para que ele gere menos aerossol — partícula fina liberada, por exemplo, ao falar, espirrar ou tossir.

"O manejo clínicopacientes críticosUTI tem enorme potencial para a geraçãogotículas e aerossóis, que podem transmitir o vírus. O profissional que acompanha esses pacientes fica exposto. Então, é importante estar atento a isso", pontua Sztajnbok.

Examecoronavírus

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Legenda da foto, No Brasil, casoscoronavírus têm crescido exponencialmente

A recomendação principal é que médicos ou enfermeiros que lidem com pessoas na UTI por coronavírus usem o EPI. "As visitasprofissionais a esses pacientes devem ser feitas apenas quando necessário, porque são itens descartáveis e não haverá insumo suficiente para todas as situações", explica Sztajnbok.

"Quando o profissional deixa a UTI, tem toda uma técnica para retirar o equipamento com álcool 70, para que ele não se contamine. É tudo extremamente cuidadoso", diz. A mesma técnica deve ser adotadaUTIoutros hospitais, por médicos ou enfermeiros.

"É preciso cuidado intenso, porque, teoricamente, tudo desse paciente tem potencialinfectar alguém", afirma Sztajnbok.

Ele pontua que o maior temor é que haja uma saturação completa do sistemasaúde. "Não temos capacidadeprever, mas quando olhamos o passado recente na Itália, gera uma grande apreensão. Temos medo que aconteça uma situação caótica como aquela por aqui. Mas é importante levarmosconsideração que a Itália está no meio do inverno, enquanto por aqui ainda estamos saindo do verão", afirma. Para o médico, assim como para outros especialistas, o clima tropical pode ser um fator positivo para que o Brasil não enfrente explosãocasos como a Itália e a China. "Mas ainda é tudo muito incerto", ressalta.

Com o aumentocasos, Sztajnbok acredita que é provável que alguns profissionais brasileiros sejam contaminadosserviço. Ao menos por enquanto, não há registrostrabalhadores contaminados ao atender ou acompanhar pacientes com o novo coronavírus.

Médico Jaques Sztajnbok, supervisor da UTI do Emílio Ribas.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Supervisor da UTI do Emílio Ribas, Jaques Sztajnbok afirma que casoscoronavírus devem aumentar nos próximos dias

"Na China houve grande contaminaçãoenfermeiros porque foi descoberto, posteriormente, que há possibilidadecontaminação do coronavírus por secreções como urina, fezes ou saliva. Esses elementos eram retirados eventualmente pelos enfermeiros sem a proteção adequada, então por isso houve muita contaminação", pontua Sztajnbok.

Segundo ele, tais erros podem servir como fonte para que profissionais da saúde no Brasil não passem pela mesma situação.

"A questão da enfermagem é muito preocupante, a exemplooutros países, como na China. É o profissionalenfermagem que fica ao lado do paciente praticamente 24 horas por dia. Por isso, não é impossível que alguns profissionais sejam infectadosalguma situação, por estarem tanto tempo ao lado do paciente", diz o presidente do Cofen.

"O Governo vai contratar médicos, mas há uma falta muito grandeprofissionaisenfermagem nas equipes. Deveria haver também uma preocupaçãoreforçar as equipesenfermagem, como medidacombater o coronavírus. Já temos um númeroprofissionais abaixo do adequado para atender a população. Agora essa situação deve ficar ainda mais evidente", afirma Neri.

Trabalhadores acima dos 60

Uma das preocupaçõesrelação aos profissionaissaúde elimpezahospitais é que alguns deles já passaram dos 60 anos. Em razão disso, fazem parte do gruporisco para complicações relacionadas ao coronavírus — que também inclui diabéticos, pessoas com doenças crônicas,tratamentosaúde ou com baixa imunidade.

Um importante hospital particularSão Paulo, que atendeu casospacientes com o novo vírus, optou por poupar profissionaisatendimentos a pacientes com coronavírus. "Decidimos que esses profissionais idosos da áreasaúde ou da limpeza não devem atuar nesses atendimentos", diz uma funcionária do local — ela, que é enfermeira, pediu que seu nome e o da unidadesaúde não fossem divulgados.

Em outras unidadessaúde, principalmente as públicas, médicos e enfermeiros acima dos 60 atendem pacientes com o novo coronavírus. "Na teoria, profissionais idosos não deveriam acompanhar esses pacientes. Mas isso já foi conversado. Na rede públicaSão Paulo, por exemplo, temos mais20% dos médicos acima dos 60 anos. Não seria possível lidar com o cenário do coronavírus sem esses profissionais", diz Marcos Boulos.

Presidente do Cofen, Manoel Carlos Neri

Crédito, Ascom/Cofen

Legenda da foto, Presidente do Cofen, Manoel Carlos Neri defende que sejam feitas mais contrataçõesenfermeiros para atuar no enfrentamento ao coronavírus

Segundo Boulos, enquanto profissionais mais jovens devem usar máscara somente para atender pacientes com o novo coronavírus, os trabalhadores com mais60 anos devem recorrer ao itemproteção para todos os atendimentos. "No caso desses médicos e enfermeiros com mais60, é ainda mais fundamental o usoequipamentosproteção individual", declara.

Em relação aos profissionais acima dos 60 na enfermagem, o presidente do Cofen ressalta que também há cuidados especiais. "Os profissionais dessa idade compõem um pequeno grupo. A nossa orientação, neste momento, é que eles tomem cuidados específicos, como o usomáscaras, independenteser um paciente com o teste positivo para o coronavírus ou não", declara Neri.

Não há nenhuma orientação do Ministério da Saúde sobre o modo como os profissionaissaúde acima dos 60 anos devem agirrelação aos casoscoronavírus.

Do susto ao aprendizado

Enquanto aguardava o resultado do exame para o novo coronavírus, a infectologista Fernanda teveficar isoladacasa. "Fiquei sozinha com o meu cachorro", diz. Ela passou, aproximadamente, 28 horas à espera do resultado do teste. "Normalmente, o exame dura cinco dias para ficar pronto. Mas como o meu caso era específico, por eu ser médica e ter feito muitos atendimentos depoisuma possível contaminação, ficou prontopouco maisum dia", revela.

Profissional segurando testecoronavírus

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Médicos e enfermeiros mais jovens costumam ser considerados os mais indicados para acompanhar casoscoronavírus

O resultado negativo representou um alívio para a infectologista. "Foi uma alegria. Tirei um peso absurdo das costas. Eu sou uma pessoa saudável, me alimento corretamente e faço exercícios, então não tinha medo do vírus. Mas minha maior preocupação era poder ter infectado meus pacientes, pois muitos fazem parte do gruporisco", diz.

Depois do resultado, Fernanda conversou com seus supervisores no Emílio Ribas. "Discutimos sobre como podemos melhorar a infraestrutura física do local, comorelação a equipamentos e iluminação da salaisolamento. Acreditamos que foi uma experiência ruim, mas que serviuaprendizado", diz. Ela espera que a situação melhore nos próximos dias.

A reportagem tentou contato com representantes do Emílio Ribas. Porém, a assessoriaimprensa da unidadesaúde disse que não havia nenhum representante com disponibilidade para responder aos questionamentos sobre a estrutura do lugar.

*Nome alterado a pedido da entrevistada.

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