A 'operaçãoguerra' montada por pescadores para conter avançoóleoAbrolhos:
Sentindo que o desastre ganha cada vez mais volume, Pinto faz outros questionamentos. "Espero que nossa organização cause algum constrangimento no governo, pra sair da zonaconforto e se mobilizarverdade. Como é que pode ficar só esperando o óleo na praia? Se um barcopesca pegou uma mancha80 kg no mar, cadê os navios grandes da Petrobras, das empresas que prestam serviço? Cadê?"
A mobilização a que ele se refere começou semanas atrás, quando o óleo atingia praiasSergipe e ainda ensaiava entrar na Bahia — ou seja, estava a mais600 kmCanavieiras.
Em comparação, o Comando UnificadoIncidentes, que reúne os mais diversos órgãos governamentais envolvidos no combate ao óleo, realizouprimeira reunião na Bahia no dia 11outubro, uma semana depoisa substância tóxica ter chegado às praias do Estado.
Esquemaguerra
Atentos ao óleo que navegava livremente emdireção, os pescadores que atuam na ResexCanavieiras montaram um esquemaguerra: dividiram o perímetronove áreas, criaram uma tabelamonitoramento e estabeleceram grupos responsáveis por checar, todos os dias, a presençamanchas na água, nas praias e nos estuários e manguezais.
"Só aqui temos noves barrasrio que levam o óleo direto pros manguezais. Se isso entrar forte, vai ser caótico, então, estamos fazendo o que está ao nosso alcance", diz Pinto.
Todo o sistemadefesa foi montado com doações e apoioempresas da região, organizações não governamentais e pesquisadores.
Sem recursos emergenciais ou equipamentos do poder público, o jeito foi apostarmateriais dos próprios pescadores ou disponíveis no ambiente, como barcosvariados tamanhos, puçás, redes e cortinas feitas com siripoias e galhoscasuarina. Isso sem falar na força humana.
Já são aproximadamente 600 pessoas envolvidas no trabalho, entre pescadores, marisqueiras, técnicos do Instituto Chico MendesConservação da Biodiversidade (ICMBio) que já atuam na Resex e moradores da região que se apresentam como voluntários. Encorpada, a operação ganhou nome: SOS Mangue Mar Canes.
Antespescar o óleo no mar, o grupo chegou a fazer três simulações. "É um trabalho minucioso, porque esse óleo vai mudandocaracterística. Na água, tem uma textura, quando tira, já muda e, quando esquenta, derrete rápido", diz o professor do InstitutoBiologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Miguel Accioly, que acompanhou as simulações e tem dado apoio técnico aos pescadores desde o início da crise.
"Estamos tentando direcionar os esforços para o que é possível fazer. E essa captura do óleo no mar dá algum ânimo. Não dá só para esperar chegar na praia e limpar", afirma Accioly.
Desde que foi formado o Comando UnificadoIncidentes, grupo formado por representantesórgãos ambientais, prefeituras, Estado e outras entidades para lidar com a crise, o pesquisador defende a inclusãorepresentantes dos pescadores entre seus membros, para que pudessem somar seu conhecimento sobre as áreas afetadas às discussões sobre possíveis ações a serem tomadas.
Em tese, a sugestão foi aceita, mas nenhum pescador foi convidado para as reuniões diárias até agora.
"Nós montamos nosso plano. Não é questão sóproteger o meio ambiente, mas as pessoas. Nossa vida é isso aqui. Não dá pra dissociar a natureza da gente. A região somos nós", afirma Pinto.
"Quem fororar, ore, quem forrezar, reze, porque, se bater aqui o óleo que já chegouBoipeba, acaba com a gente."
Abrolhos sob ameaça
A ResexCanavieiras está dentro da Região dos Abrolhos, mas ainda não faz parte do Parque Nacional. Por isso, o esquemadefesa montado pelos pescadores pode atenuar os impactos do óleo na área.
Aquela região abriga a mais extensa bancadacorais do Brasil e do Atlântico Sul, que resguarda, justamente por causa disso, a maior biodiversidade marinha da porção sul do Atlântico.
Entrando pelos estuários, estão alguns dos maiores manguezais do país, protegidos por Resexs como aCanavieiras e aCassurubá.
A região possui ainda a maior produção pesqueira da Bahia, movimentando aproximadamente R$ 100 milhões por ano e provendo sustento a mais20 mil famílias.
É este conjuntoecossistemas e atividades econômicas que pesquisadores tanto temiam que fosse alcançado pelo óleo, como a BBC News Brasil mostroureportagem publicada no dia 26.
"Apesarter sido menos óleo,comparação às toneladas que já foram removidasoutras praias, teve essa coleta volumosaalto mar. É um sinal que tem mais óleo na água, e isso é muito preocupante", diz Guilherme Dutra, diretor da estratégia costeira e marinha da Conservação Internacional (CI), organização sem fins lucrativos que atua na região.
A pesquisadoraecotoxicologia Letícia Aguilar não está otimista. "Tirar a mancha não significa que a água está livrecontaminação. Tem uma parte que já dissolveu e fica na água. Então, a toxicidade vai atingir tudo que estiver na água, todos os organismos", afirma.
Ela defende nesta quarta-feiratesedoutorado, feita a partiruma pesquisa no Golfo do México sobre derramamentopetróleo, e teme pelo equilíbriotodos os ecossistemas atingidos pelo óleo, especialmenteAbrolhos.
"As pesquisas mostram uma diminuição das populaçõestodos os organismos do ecossistema ao longo dos anos após o derramamento, porque a contaminação persiste no ambiente. Abrolhos tem muitas espécies endêmicas, que só existem ali. Então, se elas morrerem, significa que desaparecerão da face da Terra."
Caso uma espécie morra, há um desfalque na cadeia do ecossistema, então, outras espécies que dependem daquela primeira sofrerão as consequências. "É morte que gera morte que gera morte", diz Aguilar.
E os seres humanos? "Não se recomendajeito nenhum comer pescados e mariscos dessas regiões atingidas. É triste dizer, mas as comunidades que vivem da pesca estão arruinadas."
"Aliás, não se deveria nem entrar na água até que existam análises precisas que apontem que já não existe contaminação. Isso é muito sério. As pessoas podem desenvolver doenças que vãoalergias a câncer", afirma a pesquisadora.
Sem conclusões
A BBC News Brasil questionou o GrupoAcompanhamento e Avaliação (GAA) do incidentepoluição por óleo no litoral do Nordeste, liderado pela Marinha, pedindo informações sobre as estratégias para conter a substância na Região dos Abrolhos, já que pescadores conseguiram capturar 80 kg no mar.
Ainda que as ocorrências estejam registradasfotos e vídeos, nesta terça, o DepartamentoImprensa da Marinha afirmou que, "até o momento, não foram localizados vestígiosóleo na área da reserva ambientalAbrolhos-BA".
"O navio hidrográfico balizador Tenente Boanerges que se encontra nas redondezas e os militares que guarnecem o FarolAbrolhos realizam constante monitoramentofunção da importância ambiental e científica da região", disse a Marinhanota.
O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão da secretaria do Meio Ambiente da Bahia, também foi questionado sobre a possibilidadese oferecer apoio aos pescadores da ResexCanavieras, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
Na segunda-feira, o Ministério Público Federal entrou com um recurso no Tribunal Federal da 5ª Região (TRF-5) pedindo que a União cumpra integralmente o Plano NacionalContingência para IncidentesPoluição por Óleo (PNC) no combate ao desastre, que completa dois meses nesta quarta-feira.
Procuradores dos nove Estados nordestinos alegam que o PNC não foi acionado segundo rege a legislação e os parâmetros técnicos e científicos do próprio plano. Em primeira instância, a Justiça Federal entendeu que a União acionou o PNC da maneira adequada.
De acordo com a atualização mais recente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 268 localidades já foram atingidas pelo óleo, que voltou a aparecer nesta semana no Rio Grande do Norte, um dos primeiros Estados atingidos.
A investigação para apontar o causador do derramamento — e se ele já cessou — éresponsabilidade da Marinha, que ainda não chegou a qualquer conclusão.
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