Cabeças cortadas, corpos carbonizados - o que está por trás da violência extrema na guerrabet premierfacções:bet premier
É o que explica o sociólogo Gabriel Feltran, da Universidade Federalbet premierSão Carlos (UFSCar), que estuda o crime organizado no Brasil há maisbet premier20 anos.
Diretor científico do CEM (Centrobet premierEstudos da Metrópole) da Universidadebet premierSão Paulo e professor visitante da Universidadebet premierOxford, no Reino Unido, Feltran é autorbet premierdiversos livros sobre organizações criminosas, entre eles Irmãos - Uma História do PCC.
Segundo ele, os atos extrema violência na disputa entre grupos são "signos da potência do vencedor".
"A violência extrema é própriabet premierconflitos radicais, sejam étnicos, políticos, religiosos ou raciais. Radicais porque perde-se radicalmente a identificação com o outro. O seu sofrimento não me atinge mais", explica.
"É preciso decapitar, emascular, ou mesmo deglutir o oponente, como aconteceu nos massacresbet premierjaneirobet premier2017. O outro é visto como coisa, verme, lixo."
Há níveis diferentesbet premierviolência entre facções?
Segundo Feltran, o nívelbet premierviolência varia entre os grupos criminosos. As táticas mais cruéis costumam ser usadas por facções que ainda não se consolidaram e utilizam a crueldade como estratégia para se afirmar, impor medo e diminuir o oponente.
O massacre ocorrido no dia 29bet premierjulho no Centrobet premierRecuperação Regionalbet premierAltamira envolveu duas facções: o Comando Vermelho (CV) e o Comando Classe A.
No caso, 58 pessoas que estavam na ala da prisão do Comando Vermelho foram mortas por integrantes da facção rival- 16 foram decapitados e os outros morreram por asfixia após serem sufocados pela fumaçabet premierum incêndio iniciado pelo Comando Classe A.
Nem todos os mortos são, necessariamente, integrantesbet premieruma das facções, já que, segundo o professor da UFSCar,bet premiervários presídios os detentos são separados conforme o endereçobet premierresidência - ficam na ala da facção A aqueles que moram numa região dominada por esse grupo criminoso.
No último dia 31bet premierjulho, outros quatro detentos que sobreviveram ao ataquebet premierAltamira foram assassinados quando eram transferidos para um presídiobet premierMarabá (PA), fazendo o númerobet premiervítimas subir para 62. A polícia ainda não deu explicações sobre como as mortes ocorreram.
O confronto no presídiobet premierAltamira é mais umbet premieruma sériebet premierrebeliõesbet premierpenitenciárias do Norte do país iniciadas a partirbet premier2016.
Feltran explica que a ruptura da "paz" entre o PCC e o Comando Vermelho "repercutiubet premierdiferentes Estados como guerra", porque os grupos locais que antes estavam aliados a uma dessas duas facções passaram a disputar o controle do crime e do tráficobet premierdrogas.
A violência é maior no Norte, porque lá há uma fragmentaçãobet premierfacções que não possuem hegemonia sobre o mercado do crime. Jábet premierSão Paulo, a guerra entre grupos criminosos ocorreu sobretudo nos anos 1990, até o PCC se consolidar.
"Os anos 1990 é que são conhecidos como 'a época das guerras' nas periferiasbet premierSão Paulo. Elas só arrefeceram quando uma única facção teve a hegemoniabet premiertodo o mundo do crime no Estado", diz o sociólogo.
"No Rio, nunca houve hegemoniabet premieruma facção, então a guerra seguiu muito ativa até se estabilizarem os territóriosbet premiercada uma. Ainda assim, ela eclodebet premiertemposbet premiertempos."
No Norte do país, as diferentes facções estãobet premierplena disputa pelo controle do crime. portanto, segundo o sociólogo, o uso da violência extrema tem sido uma tática comum desde que as rebeliões começaram, a partirbet premier2016.
"Onde há guerra, não há (ainda) hegemonia constituída. Podemos estar assistindo a esse processo no mundo do crime do Norte e Nordeste."
"Se uma facção conseguir se construir como hegemônica ou os territóriosbet premiercada facção ficarem demarcados, a violência guerreira deve diminuir. A violência é sempre o recursobet premierquem não tem hegemonia, não tem legitimidade, mas tem armas."
Divisões
A região Norte é divida por várias siglas, com destaque para Família do Norte, Comando Vermelho e PCC. Elas disputam as vendasbet premierdrogas nas cidades, mas também uma rotabet premiertráfico que vem da Colômbia, Peru e Bolívia.
Jábet premierEstados do Nordeste, como Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, facções menores também foram criadas, masbet premiercontraposição aos paulistas.
Segundo Roberto Magno Reis Netto, doutorandobet premiersegurança pública pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pesquisador do Laboratóriobet premierGeografia da Violência e do Crime, o Comando Classe A surgiubet premierAltamira recentemente, sob as asas do PCC.
O crescimento econômico e populacionalbet premierAltamira, estimulado pela construção da usinabet premierBelo Monte, fomentou a atuação das gangues, diz Reis Netto. Para ele, a ofertabet premierrios na região também facilita o transportebet premierdrogas para outros locais.
Assim como Feltran, Reis Netto diz que os massacres funcionam como estratégia para os grupos criminosos.
"Quando a facção está se expandindo, como essabet premierAltamira, ela costuma usar as mortesbet premierpresídios para eliminar momentaneamente líderes rivais, mas tambémbet premierforma simbólica, para mostrar força para os rivais", disse.
Cada facção também tem maneiras diferentesbet premieroperar e isso impacta no uso maior ou menor da violência. Gabriel Feltran destaca que o PCC atua como uma espéciebet premier"maçonaria do crime", uma "fraternidade, secreta,bet premierque irmãos têm um compromisso com o universo criminal."
"Na facção, um megaempresáriobet premierdrogas ilegais, com origem na favela, tem o mesmo compromisso do donobet premierum pequeno desmanchebet premierveículos. Um deve fortalecer o progresso do outro. Ninguém divide os lucrosbet premiersuas atividades e não há um caixa único", diz.
"Um 'irmão' não manda no outro, a estrutura é horizontal. Tampouco há controle territorial armado."
Já o Comando Vermelho possui uma estrutura mais hierarquizada, segundo o sociólogo. "O Comando Vermelho controla territórios com armas, atua como uma empresa do tráficobet premierdrogas e se expande por franquiasbet premiercada território ou estado, hierarquizadas, com mando. São modelos muito diferentes."
De onde vem a 'inspiração' para a crueldade das facções brasileiras?
Feltran lembra que assassinatos violentos, torturas e estupros foram usados como "armabet premierguerra"bet premierdiferentes países do mundo,bet premiervários momentos da história. A degola é utilizada, por exemplo, pelo grupo extremista Estado Islâmico no assassinatobet premierreféns.
A "inspiração" das facções brasileiras para a predileção pela decapitação e o esquartejamento não viria, portanto,bet premieruma gangue estrangeira específica, mas simbet premieruma simbologia consolidada pela história.
Expor a cabeça do inimigo funciona como símbolobet premier"triunfo", o esquartejamento seria uma formabet premiermanifestar a submissão total do oponente, os estupros são usados para humilhar e subjugar os rivais. Ou seja, são estratégiasbet premierdemonstraçãobet premierforça.
"Massacres (no Brasil) incluem a emasculação e a decapitaçãobet premieroponentes, ou casosbet premierque as vítimas cavam as próprias covas antesbet premiermorrer. No México, os cartéis torturam e arrancam pedaçosbet premierinimigos ou delatores com motosserras. Nas guerrilhas peruanas, isso também aconteceu", exemplifica.
"Na partição da Índia-Paquistão, como nas partições no leste europeu após a queda do muro (de Berlim), foram recorrentes o usobet premierestupro como armabet premierguerra. Mulheres eram devolvidas às suas comunidades depoisbet premierestupradas, portanto desonradas segundo a cultura."
Para suas pesquisas sobre organizações criminosas, Feltran entrevistou centenasbet premierintegrantesbet premierfacções. Ao justificar a violência contra os oponentes, os entrevistados tentavam desumanizá-los, classificando-os como vermes.
"A violência nesses casos não é apenas ao sujeito, é ao que ele representa. É sempre violência política, portanto", diz o sociólogo.
"Há sempre uma homogeneização total do outro. 'Quanto menosbet premiervocês houver, melhor e mais puro o meu mundo se torna. Eu me faço forte não apenas ao te subjugar, é preciso exterminar esse cancro, esse câncer. É preciso mais, e a espiral não tem fim'."
Por que o Norte se tornou foco da disputa entre facções?
Feltran destaca que o Norte é relevante para o mercadobet premierdrogas há muitos anos. O que mudou nos anos recentes foi o aumento da violência, com o acirramento da guerra entre facções desde que Comando Vermelho e PCC romperam a relaçãobet premierrelativa harmonia.
"O Norte do Brasil é, ao menos há três décadas, um lugarbet premiermercados ilegais pujantes e desiguais. Eles fazem pouca gente muito rica, são a basebet premiersobrevidabet premiermuitas famílias, mas empobrecem e matam outros tantos. Nesse tipobet premiermassacre, estábet premierjogo a luta para sobreviver entre os empobrecidos", diz.
Feltran explica que um dos fatores que tornam os estados do Norte atrativos para o tráficobet premierdrogas e o contrabando é o fatobet premierestarem próximos às fronteiras com países exportadores dessas mercadorias, como Peru, Colômbia e Bolívia.
Ou seja, o Norte é a portabet premierentradabet premiermercadorias ilegais que chegam a custo baixo para serem exportadas a pesobet premierouro conforme vão rompendo outras fronteiras.
"Um quilobet premiercocaína que vem da Colômbia, por exemplo, e passa pelo Norte do Brasil, é exportado no Nordeste para ser vendidobet premiergramas numa esquinabet premierLondres, Paris, Berlim."
"O preço lá (na Europa) é cem vezes maior que na Colômbia. Essas fortunas vão pararbet premiergrandes bancos, corretoras, paraísos fiscais. A guerra lá debaixo também é alimentada lábet premiercima", complementa.
E qual o papel da políticabet premiersegurança na guerra entre facções?
Segundo Feltran, as facções se formam e se fortalecem no sistema prisional - local onde são arregimentados novos integrantes. Portanto, na visão dele, a políticabet premierencarceramento adotada no Brasil acaba nutrindo essas organizações criminosas.
"(Há um) modelo equivocadobet premierpolíticabet premiersegurança, focadobet premierprender os pequenos operadoresbet premiermercados ilegais. Esse modelo superlota cadeias e favorece as facções, que nascem e crescem nos presídios", diz.
A população carcerária brasileira cresceu 700%bet premier25 anos, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Hoje existem 727,5 mil presos e um deficitbet premier336 mil vagas - superlotação generalizada que dificulta o controle dos presos por agentes penitenciários.
Presos provisórios, ou seja, que ainda não foram condenadosbet premierdefinitivo pela Justiça, são 40%, da população prisional, segundo relatóriobet premier2017 do Depen. No caso do Centrobet premierRecuperação Regionalbet premierAltamira, 33 agentes penitenciários mantém 343 presos num presídio com capacidade para 163 pessoas.
"Nosso modelobet premiersegurança caminha para o oposto do que dá certo no mundo. Enquanto fala-se na Alemanha sobre regulação dos mercados ilegais, inteligência policial, prioridade ao crime violento e entrega universalbet premierjustiça, aqui o foco é repressão ostensiva ao operador mais baixo dos mercados ilegais", diz Feltran.
"O Brasil não consegue esclarecer nem 15% dos seus homicídios, mas segue superlotando cadeias com moleques faveladosbet premier19 anos, e quer prender osbet premier15 também. É uma política caríssima e não apenas ineficiente: ela favorece a expansão das facções, todas nascidas e crescidas no sistema prisional. É uma política suicida, que nos joga num ciclobet premiermais e mais violência há 30 anos."
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