As 3 facções e o ciclowww roletavinganças por tráswww roletaepidemiawww roletahomicídioswww roletacidade no Nordeste:www roleta
O crescimento econômico e populacional foi acompanhado pela chegadawww roletaredes criminosas do Sudeste, como o paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) e o carioca Comando Vermelho.
Esse movimento gerou quadrilhas locais menores, que atuamwww roletacontraposição às "gangues nacionais". Esses grupos passaram a se digladiar pelo controlewww roletaterritórios e do tráficowww roletadrogas, fomentando uma explosãowww roletahomicídios nas capitais, mas tambémwww roletacidades menores do interior, como Mossoró. Por outro lado,www roletageral, os investimentos dos governos nas forças policiais não acompanharam a ondawww roletaviolência.
O resultado desse caldo explica o aumentowww roleta64% na taxawww roletamortes violentas no Nordeste entre 2007 e 2017, segundo dados do Atlas da Violência, publicação anual do Institutowww roletaPesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileirowww roletaSegurança Pública. No mesmo período, esse índice caiu 17% no Sudeste.
Já Mossoró tinha 213 mil moradoreswww roleta2003, segundo o IBGE, e registrou 50 homicídios naquele ano - 23 casos para cada 100 mil pessoas. No ano passado, porém, foram 236 assassinatoswww roletauma populaçãowww roleta294 mil habitantes - 80 mortes violentas por 100 mil. Ou seja, enquanto o númerowww roletamoradores do município cresceu 38% nesse período, a taxawww roletahomicídios aumentou 247%.
Esses dadoswww roletaMossoró, segunda maior cidade potiguar, refletem uma crisewww roletasegurança pública vivida pelo Rio Grande do Norte, hoje o Estado mais violento do Brasil. Entre os municípios do RN, Mossoró só perdewww roletaviolência para a capital, Natal.
Em 2017, o Rio Grande do Norte registrou 62,8 mortes violentas por 100 mil habitantes, o maior número do país. Foi o Estadowww roletaque essa taxa mais cresceu desde 2000 - altawww roleta556%. Como comparação,www roletaSão Paulo, ocorrem 10 mortes por 100 mil; no Riowww roletaJaneiro são 38 casos.
Vingança entre famílias
Quem estuda ou reporta a violênciawww roletaMossoró costuma dizer que uma parte dos homicídios se explica por uma espéciewww roletaciclowww roletavinganças, fomentado pela precariedade da polícia e do judiciário locais. Em uma cidade média, onde os bairros e a população não são tão grandes, é comum que algozes e parenteswww roletavítimas se conheçam e até se encontrem com certa frequência.
"O que acontecewww roletaMossoró é que os familiares do morto às vezes moram no mesmo bairro ou na mesma rua do assassino", explica Cezar Alves, jornalista que cobre a violência na cidade desde os anos 1990.
"Depois da primeira morte, o pai da vítima fica com medowww roletaser morto também, porque ele vê o assassino do filho todos os dias na rua. E o assassino também teme morrer por vingança. Aí cria essa tensão entre eles. O pai, por medo ou por vingança, vai lá e mata o assassino do filho", diz. "Às vezes, a família da segunda vítima se vinga também, gerando outras mortes. Há casoswww roletaMossorówww roletaque um único crime causou depois outros seis assassinatos."
Há histórias emblemáticas com esse perfilwww roletavendeta. Uma delas é o do gari Luis,www roleta38 anos. "Minha desgraça começouwww roleta24www roletadezembrowww roleta2009", conta à BBC News Brasil, nos fundoswww roletasua casawww roletaum bairro pobrewww roletaMossoró.
Naquela vésperawww roletaNatal, seu filho Vitor Leonardo,www roleta13 anos, brincava com amigos na frentewww roletacasa. Outro rapaz, vindowww roletauma festa, caiu bêbado perto do grupo. Para se divertir, os adolescentes maquiaram o rosto do jovem embriagado, na época com 23 anos.
"Quando acordou, esse rapaz se revoltou com a brincadeira. Ele perguntou quem tinha pintado o rosto dele e alguém apontou o meu filho. Então, esse cara pegou uma arma e matou meu menino com um tiro no meio da sobrancelha. Foi uma perversidade, uma covardia", conta Luis. "Fiquei um bocadowww roletatempo com uma coisa pesada na cabeça, me deu muita vontadewww roletafazer tanta coisa ruim nessa vida."
A morte precocewww roletaVitor Leonardo não era o fimwww roletamais uma tragédiawww roletaMossoró, porque Luis não conseguiu esquecer as "coisas ruins" que tinha na cabeça. O assassinowww roletaVitor foi condenado a sete anoswww roletaprisão por homicídio simples, porém, com a progressãowww roletapena, voltou ao bairrowww roletapoucos meses. Para piorar, o gari e o assassinowww roletaseu filho eram vizinhos.
'Pensei: pronto, vou matar'
Luis conta que diariamente via o jovem que matou seu filho. "Eu tinha muito medowww roletaele me matar também", diz. "Nos forrós, ele ficava me encarando. Chegou um momentowww roletaque não aguentei mais."
Era a noitewww roleta13www roletadezembrowww roleta2015. Luis resolveu ir a um forró pertowww roletacasa.
Na festa, o gari encontrou novamente o algoz da família. Segundo ele, o jovem o encarou e, depois, esbarrouwww roletaseu braço. Ele viu o gesto como uma ameaça. "Foi o fim. Pensei: 'pronto, vou matar ele'. Voltei para casa e peguei o ferro (arma). Eu estava muito bêbado, o Satanás tomou conta. Dei três tiros. Quando você mata alguém, não passa nada na cabeça, só o demônio."
Presowww roletaflagrante, Luis depois foi solto para aguardar o julgamentowww roletaliberdade - o júri deve ocorrerwww roletanovembro. "Se tiverwww roletapagar, vou preso, sim, sou cabra homem. O que peço é uma oportunidade, a mesma chance que a Justiça deu para quem matou meu filho."
Enquanto o julgamento não chega, ele ainda encontra na rua os parentes do jovem que matou: vizinhas, as famílias vivem a tensãowww roletauma nova faísca que cause mais mortes. "Quando me veem, eles me esculhambam, me chamamwww roletaassassino. Se forem me matar, eles devem lembrar o que o filho deles fez ao meu menino. Se quiserem continuar essa guerra, não posso fazer nada. Está 1 a 1."
Problemaswww roletainvestigação
Problemaswww roletainvestigação e, por consequência, a impunidade, são outros fatores que estimulam as vingançaswww roletaMossoró, segundo Ítalo Moreira, promotor criminal da cidade desde 2003.
"Como a polícia não se estrutura para melhorar as investigações, não há uma produçãowww roletaboas provas. Na maioria dos casos, nós dependemoswww roletadepoimentos, o que dificulta a condenação dos responsáveis. Essa impunidade aumenta o ciclowww roletaviolência, porque o sujeito que matou volta para a rua, podendo matar outros ou morrerwww roletauma vingança. E quem é parente da vítima pensa: 'não foi feita a Justiça'", explica.
Moreira diz que, por faltawww roletaprovas, já pediu a jurados absolviçãowww roletaréus que tinha certezawww roletaserem culpados por mortes violentas. "Isso acontece frequentemente. Se as provas não são boas, mesmo convicto da culpa, não posso pedir a condenação", diz.
De fato, os númeroswww roletainvestigaçõeswww roletahomicídios não são nada animadores para a populaçãowww roletaMossoró. A cidade tem apenas dois delegados e seis agentes para resolver todos os crimes contra a vida. Isso significa que, sówww roleta2018, cada delegado ficou responsável por solucionar 118 assassinatos,www roletamédia - isso sem contar os casos anteriores.
Segundo o delegado Rafael Gomes Arraes, hoje, a delegaciawww roletahomicídios, criadawww roleta2012, tem 700 inquéritos sem resolução. Ou seja, a polícia não conseguiu apontar os autoreswww roleta700 casoswww roletamortes violentaswww roletaMossoró (o númerowww roletavítimas deve ser maior, pois uma investigação pode se referir a maiswww roletauma pessoa). Por consequência, os culpados por esses crimes ficarão impunes.
"É frustrante, você se sente um incapaz", diz Arraes, na delegacia. "Geralmente, por dia recebo duas ou três famílias que vêm cobrar resultados. A gente fala a verdade: a situação é essa, precária. Há muito tempo estamos esperando que a polícia seja priorizadawww roletaMossoró."
Neste ano, no entanto, a delegacia até melhorou as estatísticas, mesmo quewww roletaforma residual. De janeiro a junho, ela enviou 61 inquéritos concluídos à Justiça - no mesmo período do ano passado, foram apenas 49.
Em nota, a Secretariawww roletaSegurança Pública e Defesa Social do RN reconhece que o efetivo da Polícia Civil está defasado - o Estado deveria ter 73% mais policiais civis do que o staff atual, diz o governo. A pasta afirma que pretende realizar novos concursos públicoswww roletabreve.
A expansão do crime
Além do ciclowww roletavinganças, Mossoró tem outro problema: três facções criminosas disputam espaço pelo controle da vendawww roletadrogaswww roletavários bairros. "Eu diria que 90% dos assassinatos na cidade têm ligação direta ou indireta com o tráfico", diz o delegado Arraes.
A forte presença dessas redes se explica por um movimento iniciado na década passada, quando o PCC e o Comando Vermelho expandiram seus negócios para o Norte e Nordeste.
Os dois grupos passaram a atuar no atacado da droga, repassando os produtos para quadrilhas menores venderem nas ruas.
A chegada das facções, levando a uma maior ofertawww roletadrogas e armas, aumentou a rivalidade entre traficantes. Uma resposta à presençawww roletapaulistas e cariocas foi a criação, no Rio Grande do Norte, do Sindicato do Crime, formado por principalmente por jovens locais.
"Essa dinâmica gerou muitos conflitos pelo controlewww roletaterritórios urbanos. Houve uma grande entradawww roletaarmas, muitas delaswww roletagrosso calibre, para alimentar essas disputas", explicou Luiz Fábio Paiva, professorwww roletasociologia e pesquisador do Laboratóriowww roletaEstudos da Violência da Universidade Federal do Ceará,www roletaentrevista recente à BBC News Brasil.
O confronto entre PCC e Sindicato do Crime causou um massacrewww roletaao menos 26 presos no presídiowww roletaAlcaçuz, região metropolitanawww roletaNatal,www roletajaneirowww roleta2017.
As mortes ressaltaram o caos vivido pelo sistema carcerário do Estado nordestino, superlotado e controlado por esses grupos. Um levantamento do governo federal relativo a junhowww roleta2016 - os últimos dados disponíveis - aponta que o Rio Grande do Norte tinha 4.265 vagas nas prisões, mas abrigava 8.696 detentos, mais que o dobro da capacidade.
Disputa por territórios
No casowww roletaMossoró, a rivalidade entre PCC e Sindicato do Crime foi agravada pela recente chegada dos Guardiões do Estado, rede criminosa do Ceará. Nos bairros mais pobres, as siglas das três facções foram pintadas nos muros e postes, indicativowww roletaquem controla - ou diz controlar - cada um dos territórios.
Como fica no meio do caminho entre Fortaleza e Natal, alémwww roletater um porto próximo, a cidade se tornou um ponto estratégico para rotaswww roletatráfico, segundo policiais e pesquisadores.
Na região também existe um presídio federal, que abriga Fernandinho Beira-Mar e outros lídereswww roletaquadrilhas. Há quem diga que a presençawww roletacriminososwww roletaoutros Estadoswww roletaMossoró ajudou a disseminar a violência, pois outras figuras do crime teriam migrado para as cercanias da cidade para ficar próximas da detenção. Mas essa tese não é consensual: policiais e promotores dizem que não há como provar essa ligação.
"Com o crescimento urbano e econômico do Nordeste, o crime encontrou novas oportunidadeswww roletanegócios", diz Thadeu Brandão, coordenador do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (Obvio) e professorwww roletasociologia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
"Essas redes atuamwww roletazonas com precárias estruturas educacionais, prisionais,www roletasegurança,www roletasaúde e até viária. Aí elas encontram adolescentes pobres, com educação reduzida e pouquíssimas oportunidadeswww roletaemprego. Parte deles, infelizmente, vai servirwww roletamãowww roletaobra para o crime, tornando-se também as maiores vítimas."
O perfil dos mortos no Rio Grande do Norte confirma essa característica citada por Brandão. Segundo o Obvio, entre 2011 e 2018, cercawww roleta85% das vítimaswww roletamortes violentas no Estado eram pretas ou pardas, 49% tinham entre 18 e 29 anos, 31% não tinham sequer completado o ensino fundamental, 54% não exerciam atividade remunerada e 39% ganhavam até dois salários mínimos.
Polícia Militar sem estrutura
O aumento da presença das facções criminosas não encontrou crescimento correspondente da polícia ostensivawww roletaMossoró.
Segundo o coronel Francisco Alvibá, comandante da Polícia Militar na região, o município tinha 600 policiais militareswww roleta2004, um efetivo aproximadowww roleta120 agentes atuando diariamente.
Mas, com aposentadorias e faltawww roletaconcursos públicos para recrutar novos agentes, esse número caiu pela metadewww roleta15 anos.
"Hoje, a cidade cresceu, a violência cresceu, há uma guerra entre as facções e nós só temos 300 PMswww roletaMossoró. Com as escalas, isso dá 40 policiais por dia para uma cidadewww roletaquase 300 mil moradores. E isso porque nós pagamos um salário extra para o policial trabalhar no dia da folga dele, senão seria menos ainda", explica.
O governo do RN também reconheceu que o efetivo da PM está defasado. E,www roletanota, afirmou que espera contratar novos 1 mil policiais no segundo semestre.
'A bala perdida no tiroteio'
Mas a guerrawww roletafacções também faz vítimas que nada têm a ver com esse conflitowww roletaMossoró. É o caso da universitária Jéssica,www roleta30 anos.
Em uma madrugada do ano passado, ela enviou a última mensagem parawww roletamãe, Maria (os dois nomes são fictícios, a pedido da família): "Já estou indo para casa, mainha."
A estudante estava saindowww roletauma festa quando, na mesma rua, uma das facções atacou membros da quadrilha rival. No meio do tiroteio, uma bala perdida atingiu a cabeçawww roletaJéssica - ela tinha dois filhos pequenos.
"Para mim, se o assassino dela pegasse 1.000 anoswww roletacadeia não seria suficiente, porque ele acabou com a minha família", diz Maria à BBC News Brasil,www roletaum restaurante no centro da cidade.
"Minha filha não era criminosa e não tinha motivo para ela ter morrido dessa forma. Ela só estava passando na rua e virou vítima dessa guerra que está acabando com Mossoró. Se eu pudesse, fugiria dessa cidade e nunca mais voltava", afirma Maria, tentando segurar as lágrimas com a ponta dos dedos.
'A chuvawww roletabalas'
De certa forma, o conflito atual ecoa a históriawww roletaMossoró, uma cidade marcada e até celebrada por um tiroteio ocorrido nove décadas atrás. Existe até uma festa anual, chamada "Chuvawww roletaBalas", para comemorar o diawww roletaque os mossoroenses expulsaram Lampião.
Anteswww roletainvadir a cidade para saqueá-la,www roletajunhowww roleta1927, o "Rei do Cangaço" tinha recebido uma cartawww roletaum amigo, que afirmava que Mossoró era uma cidade facilmente conquistável, porque seu povo era "pacífico, mofina e incapazwww roletase defender".
O então prefeito, Rodolpho Fernandes, resolveu contrariar o prognóstico e enfrentar o mais temido bandido da época. Ele juntou moradores, comerciantes e civis e comprou armas para defender a cidade do bando cangaceiro.
No 13www roletajunho, Lampião entrouwww roletaMossoró, mas foi recebido por uma "chuvawww roletabalas" - parte da resistência se abrigou atéwww roletauma igreja e, láwww roletadentro, disparou contra os invasores.
O até então invencível Virgulino Ferreira da Silva fugiu para não morrer. Maiswww roleta92 anos depois, os buracos das balas disparadas contra a igreja ainda são visíveis nas paredes, como uma relíquia.
As marcaswww roletatiro da atual violênciawww roletaMossoró são mais difíceiswww roletacontar.
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