Indígenas brigam para serem ouvidos sobre obra prometida por Bolsonaro:4bet curso

Índios waimiri atroari

Crédito, Funai

Legenda da foto, Grupo waimiri atroari habita a região ao norte4bet cursoManaus, na divisa entre Amazonas e Roraima

Já o governo federal diz que os indígenas estão sendo ouvidos na preparação dos estudos ambientais - que está4bet cursoandamento.

"A etapa4bet cursoelaboração dos estudos do Projeto Básico Ambiental - Componente Indígena foi a que mais teve participação dos indígenas: com destaque para a participação da comunidade indígena nos pontos4bet cursolocação das estruturas da linha4bet cursotransmissão,4bet cursoforma a evitar4bet cursopassagem por sítios considerados sagrados pelos indígenas e na realização do inventário florestal", afirmou, por nota, o Ministério4bet cursoMinas e Energia (MME).

Em documento divulgado ano passado, o povo waimiri atroari diz que as reuniões realizadas com o governo "nunca tiveram caráter consultivo". "Parecia ser sempre uma imposição do governo. Não tínhamos opção", diz o texto. "Temos o direito4bet cursoser consultados antes do empreendimento ser aprovado pelo governo".

Em fevereiro deste ano, o Conselho4bet cursoDefesa Nacional - hoje presidido por Bolsonaro - decidiu acelerar o projeto sob o argumento4bet cursoque se trata4bet cursouma questão4bet cursosoberania nacional, status que poderia ajudar a contornar mais facilmente entraves ambientais e sociais.

Segundo o MME, o Linhão4bet cursoTucuruí deve começar a ser construído tão logo a licença ambiental da obra fique pronta, o que está previsto para ocorrer4bet cursojulho. A previsão é que as obras durem três anos.

No total, a linha projetada tem 721 km. O traçado da linha4bet cursoenergia margeará a BR-174, que também corta o território indígena. A estrada foi construída sem consulta aos indígenas, durante a ditadura militar, nos anos 1970. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, o grupo waimiri atroari perdeu 88%4bet cursoseus membros durante a obra e os anos subsequentes.

Terra Indígena Waimiri Atroari

Crédito, Google

Legenda da foto, Ministério4bet cursoMinas e Energia diz que o linhão4bet cursoTucuruí margeará a BR-174, que atravessa o território waimiri atroari

Consulta aos indígenas se transformou4bet cursobatalha judicial

No caso do Linhão4bet cursoTucuruí na Terra Waimiri Atroari, a determinação legal4bet cursoouvir os povos indígenas se transformou4bet cursouma batalha judicial.

Na quarta-feira, 194bet cursojunho, foram julgadas4bet cursosegunda instância ações do Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas que pediam a nulidade do leilão e da licença prévia expedida pelo Ibama para o projeto, devido à falta4bet cursoconsulta aos indígenas e4bet cursoestudos sobre propostas alternativas.

No julgamento4bet cursoprimeira instância, a decisão foi favorável ao MPF, mas o governo federal recorreu.

A procuradoria sustentava que o leilão da linha4bet cursotransmissão "contém uma nulidade insanável, consistente na definição4bet cursoum traçado do empreendimento sem a consulta prévia, livre e informada do povo waimiri atroari".

"Como o procedimento4bet cursoconsulta não foi observado no início, o leilão é nulo", considerou o MPF do Amazonas.

"O governo federal insiste4bet cursodesenhar um simulacro4bet cursoconsulta e tem argumentado que o protocolo está sendo observado. Contudo, essa alegação (...) carrega a perspectiva4bet cursoque o empreendimento vai ser realizado, independentemente da vontade dos índios", disse o MPF.

Do outro lado da discussão, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) avaliava que a ação do MPF "é inexplicável". "A obra não afeta as comunidades indígenas. A linha4bet cursoenergia é aérea, são torres, é apenas uma passagem. Todos os estudos ambientais estão sendo feitos", diz.

"É um absurdo,4bet cursopleno século 21, vermos essa pressão monumental para impedir a construção do linhão. As terras são brasileiras. E a presença dos índios é extremamente respeitada", continua o senador.

A 5ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1),4bet cursoBrasília, formada pelos desembargadores Antonio Souza Prudente, Daniele Maranhão e Carlos Pires Brandão, decidiu que os waimiri atroari tinham direito a consulta prévia antes da concessão4bet cursolicença4bet cursoinstalação para as obras do Linhão4bet cursoTucuruí.

Dois dos três ministros votaram contra a nulidade do leilão e a favor da licença prévia, mas todos reconheceram que os indígenas deverão ser consultados antes da próxima etapa do licenciamento ambiental.

A decisão não autoriza no entanto o início das obras. Pelo Código4bet cursoProcesso Civil, informou o MPF, como não houve unanimidade quanto ao leilão e à licença, o julgamento deve continuar, com cinco desembargadores, para que o tribunal decida sobre o pedido4bet cursonulidade e o momento4bet cursoque a consulta deve ser realizada.

"A nulidade do leilão não prevaleceu neste momento, mas com o colegiado ampliado vamos demonstrar que a consulta não pode ser feita4bet cursomomento posterior à decisão pelo empreendimento. De qualquer forma, é consenso no tribunal que a consulta deverá ser realizada e a licença4bet cursoinstalação só poderá ser concedida após a etapa que respeita o direito previsto na convenção 169", disse o procurador Felício Pontes Jr., que atua nos casos.

Também corre no Supremo Tribunal Federal (STF), desde março do ano passado, uma ação da governadora4bet cursoRoraima, Maria Suely Campos, pedindo que sejam considerados inválidos artigos da convenção da OIT sobre os indígenas. Dessa forma, o governo do Estado questiona a necessidade4bet cursoconsulta aos waimiri atroari para construção da obra.

"Condicionar a execução4bet cursoobras públicas à consulta prévia dos povos indígenas interessados tem acarretado prejuízos estruturais ao desenvolvimento socioeconômico do Estado4bet cursoRoraima", diz a ação,4bet cursomarço4bet curso2018.

Segundo os governos federal e estadual, a integração4bet cursoRoraima ao sistema elétrico nacional daria mais autonomia ao Estado, hoje dependente4bet cursoimportações4bet cursoenergia da Venezuela ou4bet cursousinas termelétricas, mais caras e mais poluentes. Desde que a crise no país vizinho se acirrou, Roraima tem lidado com blecautes.

"O Estado4bet cursoRoraima continua a ser o único Estado da Federação que não faz parte do sistema integrado4bet cursoprodução e transmissão4bet cursoenergia elétrica do Brasil. Encontra-se paralisada a execução da obra (...)4bet cursodecorrência4bet cursodecisão judicial proferida pela Justiça Federal no Amazonas, determinando que tais obras prossigam apenas após ficar comprovada a efetiva consulta à comunidade indígena waimiri atroari".

Não há previsão para julgamento da ação no STF.

Aldeia waimiri atroari

Crédito, Eletronorte

Legenda da foto, Após declínio vertiginoso na ditadura, população waimiri atroari hoje soma 2.160 integrantes

Waimiri atroari declararam como querem ser ouvidos

No documento publicado pelos waimiri atroari no ano passado, os indígenas detalham como querem ser ouvidos. Primeiro, seria preciso realizar uma reunião para fornecer informações. A seguir, os waimiri atroari irão "realizar várias reuniões internas nas aldeias e depois uma reunião geral".

Por fim, "após todas essas reuniões será marcada uma reunião geral com os interessados, que devem ser os mesmos da primeira reunião, para encaminhar os entendimentos. Os interessados devem respeitar nossas decisões".

"Quando houve a intenção do governo4bet cursoquerer passar a linha4bet cursotransmissão por nossa terra, teve um leilão e decisões foram tomadas sem a consulta prévia aos waimiri atroari. Tudo já estava acertado, planejado, parecendo que nós não podíamos questionar, decidir sobre nossas vidas, sobre nossa terra e sobre a implantação do empreendimento. Então a consulta ao povo waimiri atroari deve acontecer antes4bet cursoqualquer decisão do Governo", considera o documento.

Em março, uma comitiva waimiri atroari visitou Brasília e se reuniu com a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena a se eleger para o Congresso. Durante a visita, o líder Tuwadja Joanico gravou um vídeo dizendo que o povo exigia ser consultado sobre o linhão.

O Programa Waimiri Atroari, principal organização do grupo, também expressa ressalvas. Em seu site, diz que o grupo não é contra a passagem do linhão, mas cobra a realização4bet cursouma consulta nos moldes da convenção da OIT, a apresentação4bet cursoestudos sobre impactos da obra e a realização das "devidas compensações por estes impactos".

Conflitos entre indígenas e 'civilizados'

A construção do Linhão4bet cursoTucuruí, passando pelo território dos waimiri atroari, evoca um dos episódios mais traumáticos na relação entre indígenas e o Estado brasileiro. Segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), a população waimiri atroari (que se autodenomina Kinjá) foi quase extinta entre as décadas4bet curso1960 e 1980 após uma série4bet cursoiniciativas promovidas pela ditadura militar.

A mais violenta delas foi a construção da rodovia BR-174, que cruzou o mesmo território a ser atravessado pelo linhão. Segundo a CNV, os waimiri atroari somavam 3 mil integrantes4bet curso1972, antes da realização da estrada. Em 1983, seis anos após4bet cursoinauguração, eles eram 350.

No fim da década4bet curso1980, o grupo voltou a ser impactado por uma grande obra: a hidrelétrica4bet cursoBalbina, cujo reservatório inundou 30 mil hectares da terra indígena.

"O passado interfere (na visão dos indígenas sobre o Linhão4bet cursoTucuruí). A construção da estrada foi muito traumática. Eles relatam que houve um massacre. É algo muito difícil para eles. E,4bet cursorepente, vem uma história parecida,4bet cursopassar uma linha4bet cursoenergia no território indígena,4bet cursonovo sem ouvi-los", diz o advogado Jonas Fontenele, do Programa Waimiri Atroari.

"Uma nova política do governo4bet cursorelação ao povo Kinjá necessariamente deveria considerar a história recente deste povo indígena, vítima do crime4bet cursogenocídio, que matou mais4bet curso2.500 indígenas, por ocasião da construção da BR-174, da construção da hidrelétrica4bet cursoBalbina e da mineração4bet cursoseu território", diz um manifesto4bet cursosolidariedade ao povo indígena, assinado por 54 entidades,4bet curso104bet cursojunho.

Reprodução4bet cursopágina do 'protocolo4bet cursoconsulta' estabelecido pelos Wamiri Atroari

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Reprodução4bet cursopágina do 'protocolo4bet cursoconsulta' estabelecido pelos Wamiri Atroari

'Se o mato mexer, é para atirar'

Em Os fuzis e as flechas - história4bet cursosangue e resistência indígena na ditadura, o jornalista Rubens Valente cita um relatório enviado no fim dos anos 1960 pelo padre João Calleri ao Ministério do Interior do regime militar. Calleri queria fazer trabalho missionário entre os waimiri atroari, objetivo bem visto pelos militares, para quem a "pacificação" dos índios facilitaria a construção4bet cursouma rodovia que ligaria Manaus a Caracaraí (RR), atravessando o território da etnia.

No relatório, Calleri calculou que embates entre indígenas waimiri atroari e "civilizados" haviam provocado entre 1,3 mil e 1,4 mil mortes "nos últimos duzentos anos",4bet curso"ambos os lados". Um episódio marcante ocorreu4bet curso1873, quando um ataque4bet cursoíndios a um vilarejo4bet curso"civilizados" resultou na morte4bet cursoum bebê. Em resposta, militares "teriam matado a bala 200 índios".

Em agosto4bet curso1968, o governo autorizou Calleri a "promover a aproximação, o contato e o aldeamento" dos waimiri atroari. Quatro meses depois, o padre e outros oito membros da expedição foram mortos pelos indígenas.

Passaram-se cinco anos, e o governo voltou a tentar tirar a estrada do papel. Num intervalo4bet cursopouco menos4bet cursodois anos, os indígenas mataram outras 16 pessoas (13 funcionários da Fundação Nacional do Índio, a Funai, e três operários).

Rubens Valente conta4bet cursoseu livro que o Exército respondeu com uma estratégia4bet cursointimidação. O 1º Batalhão4bet cursoInfantaria da Selva, cujas tropas haviam se especializado4bet cursocombater insurreições populares, foi encarregado4bet cursoproteger os operários.

O oficial encarregado da obra, o general4bet cursobrigada Gentil Nogueira Paes, determinou "a realização4bet cursopequenas demonstrações4bet cursoforça", mostrando aos índios "os efeitos4bet cursouma rajada4bet cursometralhadora,4bet cursogranadas defensivas e da destruição pelo uso4bet cursodinamite". "Por escrito, o Exército deixava registrada uma política4bet cursoopressão armada sobre os índios", diz Valente.

Ele afirma que,4bet cursolivro publicado nos anos 1980, o ex-servidor da Funai José Porfírio Fontenele4bet cursoCarvalho, que acompanhou a construção da BR-174, diz ter ouvido a seguinte frase do general Gentil: "A estrada tem que ficar pronta, mesmo que para isto tenhamos que abrir fogo contra esses índios assassinos".

"Ele tinha falado que a ordem que tinha dado aos militares era que, se vissem o mato mexer, era para atirar", disse Carvalho a Valente vários anos depois,4bet cursoentrevista para Os fuzis e as flechas.

Mapa da Terra Indígena Waimiri Atroari

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Mapa da Terra Indígena Waimiri Atroari

Comissão Nacional da Verdade

Em abril4bet curso1977, a estrada foi inaugurada. Mas suspeitas4bet cursoque algo muito grave havia ocorrido durante a construção só ganharam vulto a partir4bet curso1985, quando o antropólogo Stephen Baines mencionou - com base4bet cursoestatísticas da Funai - que só haviam restado 323 indígenas waimiri atroari depois da obra.

O vertiginoso declínio da população ganhou holofotes após ser citado4bet curso2014 no relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), no capítulo sobre "Violações4bet cursodireitos humanos dos povos indígenas".

Segundo a comissão, os waimiri atroari "foram massacrados, entre os anos 1960 e 1980, para abrir espaço4bet cursosuas terras para a abertura da BR-174, a construção da hidroelétrica4bet cursoBalbina e a atuação4bet cursomineradoras e garimpeiros interessados4bet cursoexplorar as jazidas que existiam4bet cursoseu território".

Para chegar à conclusão4bet cursoque 2,65 mil indígenas foram mortos entre 1946 e 1988, a comissão partiu do pressuposto4bet cursoque a etnia tinha 3 mil membros4bet curso1972, conforme uma estimativa feita pela Funai naquele ano.

Porém, segundo o livro4bet cursoValente, "na época, a Funai precisava4bet cursoassinatura presidencial para interditar a área por vias legais e assim fazer a 'pacificação' dos índios - nesse contexto, a fundação pode ter usado números elásticos para chamar a atenção do presidente".

Ainda assim, mesmo que se usem os dados mais conservadores disponíveis, os waimiri atroari teriam perdido quase 40%4bet cursosua população naquela época, segundo Valente. "De qualquer forma, os números indicam uma bárbara mortalidade", diz o autor. A população tem se recuperado desde então.

A CNV ainda recebeu um trabalho intitulado O genocídio do povo waimiri atroari, produzido por Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

No documento, baseado4bet cursodepoimentos colhidos após o fim da ditadura, Schwade cita relatos4bet cursoindígenas sobre o uso4bet cursosubstâncias incendiárias despejadas4bet cursoaeronaves. "O método e as armas que os kamnã ['civilizados'] usaram para dizimá-los: aviões, helicópteros, bombas, metralhadoras, fios elétricos e estranhas doenças. Comunidades inteiras desapareceram depois que os helicópteros4bet cursosoldados sobrevoaram ou pousaram4bet cursosuas aldeias", diz o indigenista.

O Exército sempre contestou as denúncias4bet cursomassacres contra os waimiri atroari - assim como contesta as conclusões da CNV como um todo.

Valente entrevistou,4bet cursoOs fuzis e as flechas, o coronel da reserva do Exército Altino Berthier Brasil, que acompanhou a obra e escreveu um livro dedicado "ao anônimo irmão waimiri atroari, cujo cadáver mal enterrado, deparamos, muitas vezes, pela frente".

Berthier calculou4bet curso"no máximo uns 40 ou 50" os indígenas mortos durante a obra, "mais ou menos o mesmo número4bet cursosoldados mortos ou dos exploradores que avançaram o rio". "Eles estavam trabalhando com foice, com facão, lá na frente, e4bet cursorepente levavam uma flechada. E daí o companheiro do lado já atirava (...) Nunca houve uma ordem assim para matar", disse o coronel.

Em 2014, porém, um oficial do alto escalão do Exército - o general Guilherme Theophilo - deixou escapar um pedido4bet cursodesculpas ao visitar a terra waimiri atroari,4bet cursomissão acompanhada por Valente.

"Se me fosse permitido usar a palavra do meu grande líder espiritual, o papa João Paulo 2º, que [...] pediu perdão por algumas atrocidades que a Igreja Católica tenha cometido na Inquisição, eu pedirei perdão aos senhores se houve algum mal intencionado [sic] por parte do Exército brasileiro, que não é essa a nossa intenção, nem nunca foi. Nós somos sempre, vivemos sempre, para ajudar", afirmou o general.

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