55 anos do golpe militar: A históriabetsul lotinhaCassandra Rios, a escritora mais censurada da ditadura:betsul lotinha
Até que,betsul lotinha1962, foi proibido e tiradobetsul lotinhacirculação por ofender os valores familiares. Entre 1964 a 1985, anos da ditadura, outras três dezenasbetsul lotinhalivros da escritora seriam proibidos.
Para Londero, mais que o conteúdo erótico e homossexual, foi a combinaçãobetsul lotinhaduas características perigosas aos olhos dos militares que transformaram Cassandra Rios na "escritora maldita", modo como era chamada pela ditadura: abetsul lotinhasexualidade - a escritora era assumidamente lésbica - e abetsul lotinhapopularidade.
"Enquanto escritora, Cassandra sabia se comunicar com as classes populares", afirma o pesquisador. "Enquanto lésbica, sabemos, baseadosbetsul lotinhafarta documentação, que a ditadura considerava perigosa qualquer orientação sexual que escapasse da heteronormatividade."
"A sociedade rotula o homossexual como cachaçabetsul lotinhamacumba, não como uísque", brincou a escritorabetsul lotinha2001, pouco antesbetsul lotinhamorrer, ao lembrar dabetsul lotinhatrajetória.
Apesar da perseguição recorde, Cassandra Rios se tornou a primeira escritora brasileira a vender 1 milhãobetsul lotinhaexemplares, meta alcançadabetsul lotinha1970, superando escritores popularesbetsul lotinhasua época, como Jorge Amado, Clarice Lispector e Érico Veríssimo. Foi, ainda, o primeiro caso conhecidobetsul lotinhauma escritora nacional a viver exclusivamente da vendabetsul lotinhaseus livros, nunca tendo exercido outra profissão.
"Mesmo censura após censura, Cassandra era persistente, continuava escrevendo", conta Londero. "No final, a própria censura ajudou a transformá-labetsul lotinhaum mito. Mais que um xingamento, a famabetsul lotinha'escritora maldita' se transformoubetsul lotinhaum rótulo lucrativo para as editoras."
Pesquisas da professora da Escolabetsul lotinhaArtes, Ciências e Humanidades da USP Sandra Reimão estimam que 450 livros tenham sido censurados nos 21 anosbetsul lotinhaditadura militar, regime que teve início no golpebetsul lotinhaEstadobetsul lotinha31betsul lotinhamarçobetsul lotinha1964.
Perseguida e queimada
Ainda que fosse um sucessobetsul lotinhavendas entre os anos 1950 a 1980 - ebetsul lotinhapopularidade, diga-sebetsul lotinhapassagem, já que personalidades como Jorge Amado e o Bandido da Luz Vermelha eram fãs declarados da escritora - Cassandra foi perseguida e tiradabetsul lotinhacirculação com tanta ferocidade pelos militares que até hoje é difícil encontrar seus maisbetsul lotinha50 livrosbetsul lotinhalivrarias e sebos.
"Com os direitos autorais que recebia da venda dos livros, a tia Odete levava uma vida muito confortável", lembra Liz Rios, sobrinha da escritora. "Ela [a tia] tinha o apartamentobetsul lotinhaque morava, tinha uma casabetsul lotinhaInterlagos [zona sulbetsul lotinhaSão Paulo], uma chácarabetsul lotinhaEmbu das Artes e alguns carros, além da própria livraria, onde ela vendia seus livros".
Com a perseguição dos censores, Cassandra foi à falênciabetsul lotinha1976, anobetsul lotinhaque 14 obras da escritora foram censuradasbetsul lotinhaapenas seis meses. "Ela perdeu quase tudo e tevebetsul lotinhafechar a livraria. Lembro que ficou arrasada nessa época, sem chão", conta a sobrinha.
"Em geral, os escritores exerciam o ofício da literatura não como formabetsul lotinharenda, pois trabalhavambetsul lotinhaoutras atividades. Mas Cassandra era uma escritora profissional", conta Londero, explicando que a romancista foi a única escritorabetsul lotinhasua época a viver exclusivamente da vendabetsul lotinhaseus livros no Brasil, tendo sido uma das pioneiras na profissionalização do escritor no país.
Para sobreviver, Cassandra passou a colaborar com artigos para revistas e jornais e criou um pseudônimo, Oliver Rivers, para conseguir publicar livros e equilibrar as contas.
"Engraçado que com o pseudônimo masculino, a tia Odete conseguia passar pela censura e vender os livros, igualmente eróticos. Isso comprova que a perseguição era contra a pessoa Cassandra, e não só contrabetsul lotinhaliteratura", afirma Liz, lembrando que a tia era levada pelos DOPS (Departamentobetsul lotinhaOrdem Política e Social) para depor com frequência, livro após livro.
E para onde íam os livros apreendidosbetsul lotinhaCassandra? Segundo a professora Reimão, que é autora do livro Repressão e Resistência - Censura a Livros na Ditadura Militar, provavelmente muitos foram para o fogo. Por isso, muitos livros dela estão forabetsul lotinhacirculação.
"Na documentação censória preservada no Arquivo Nacionalbetsul lotinhaBrasília, há dezenasbetsul lotinhaofícios do governo dos militares comunicando a incineração do material apreendido", explica Reimão. "Ou seja, as centenasbetsul lotinhalivros confiscados e guardadosbetsul lotinhadepósitos pela censura usualmente eram incinerados, e não só apreendidos", explica.
Aqueles que conseguiam comprar as obras proibidasbetsul lotinhaCassandra liam os livros com receiobetsul lotinhaserem descobertos.
"Escondiam meus livros debaixo do colchão, meu nome virou palavrão!", contou a escritorabetsul lotinhauma entrevista dadabetsul lotinha2001 à revista TPM.
A santa vaca
A vidabetsul lotinhaCassandra Rios se tornou ainda mais difícil a partirbetsul lotinha1968, com a promulgação do Ato Institucional número 5 (AI-5), que oficializou a censura no país.
"O AI-5 dava poder ao governobetsul lotinhacassar mandatos, suspender direitos políticos e garantias individuais, alémbetsul lotinhacensurar a divulgação da informação, a manifestaçãobetsul lotinhaopiniões e as produções culturais e artísticas, incluindo livros", explica Reimão.
O endurecimento da censura pelo AI-5 trouxe diversas consequências para Cassandra Rios - para além da falência. Em uma entrevista à revista Realidade,betsul lotinhamarçobetsul lotinha1970, a escritora revelou que a censura lhe causava abalo emocional e decepção.
"Sou uma criatura simples, comum, cheiabetsul lotinhaproblemas, triste e amarga. A vidabetsul lotinhaescritora tem sido muito dura para mim", disse Cassandra.
Além do forte moralismo usado como método para barrar uma obra, Reimão conta que a censura a livros, principalmente entre 1964 a 1968, era executada na basebetsul lotinha"batidas policiais, apreensõesbetsul lotinhaexemplares, confisco e coerção física".
Além das abordagens agressivas, o escritor censurado era intimado a depor sobrebetsul lotinhaobra.
"Era comum que os escritores fossem chamados à delegacia ainda muito cedo. Lá, tomavam um 'chábetsul lotinhacadeira' que durava o dia inteiro, para serem interrogados somente no final do dia. Imagine o que passava pela cabeçabetsul lotinhaum escritor censurado pela ditadura enquanto esperava essas longas horas na delegacia", acrescenta Londero. "Era uma forma sutilbetsul lotinhatortura psicológica,betsul lotinhaintimidação da ditadura."
"A tia Odete nunca disse isso, mas com certeza tinha medo dos militares. Ela era muito reclusa, quase não saíabetsul lotinhacasa. Acho que a perseguição da ditadura a deixou assim, reservada", opina a sobrinha. "Com certeza ela morreu decepcionada com a ditadura."
Enraivecida com a censurabetsul lotinhasuas obras e com o rótulobetsul lotinhapornográfica - Cassandra não gostava desse estereótipo -, a escritora publicou A Santa Vacabetsul lotinha1978, uma espéciebetsul lotinharesposta à perseguição e difamação causada pelos militares.
"Escrevi A Santa Vacabetsul lotinharaiva", disse a autora quando questionada se o objetivo do título do livro, que conta as fantasias eróticas por trásbetsul lotinhauma jovem considerada boa moça, era chocar. "De tanto me perseguirem, resolvi fazer pornografia, então fiz esse livro. Na introdução, está a minha intenção, [mostrar] a força da mulher ao ser chamadabetsul lotinhaprostituta", contou Cassandra Rios.
Pornográfica igual a comunista
Ser chamadabetsul lotinhapornográfica nos anos 1970 era tão perigoso quanto ser chamadabetsul lotinhacomunista e,betsul lotinhamuitos casos, poderia significar a mesma coisa.
"A liberação sexual estava intimamente ligada aos movimentos contraculturais, que, porbetsul lotinhavez, estavam ligados ao pensamentobetsul lotinhaesquerda", explica Londero. "Por isso, aos olhos da ditadura, editoras que publicavam qualquer coisa sobre a temáticabetsul lotinhasexualidade eram verdadeiras inimigas do Estado por serem promotoras da revolução sexual entre os brasileiros, sendo consideradas pelos militares ainda mais perigosas que a própria revolução socialista".
"Uma das conclusões dos meus estudos sobre censura na décadabetsul lotinha1970 é que não é possível separar o universo moral do político", afirma Reimão. "Isso significa que, para os censores, havia uma correlação entre a destruição dos valores morais, promovida pela temática da sexualidade, e a destruição da segurança nacional, representada pelos temas políticos."
Porém, alémbetsul lotinhanão se considerar pornográfica, Cassandra não conseguia entender por que o erotismo era algo a ser combatido pelos ditadores. "Pornografia é a intenção deliberadabetsul lotinhachocar [...] é o sexo pelo sexo. Nos meus livros, o sexo só acontecebetsul lotinhafunção do amor, para realiza-lo plenamente e sem preconceitos", esclareceu a escritora na entrevista à revista Realidade.
Nos anos 1990, a escritora ganhou um programa na Rádio Bandeirantes. Durante uma entrevista ao vivo com Adhemarbetsul lotinhaBarros Filho, filho do ex-governador paulista, Cassandra foi convidada pelo político a concorrer às eleiçõesbetsul lotinha1986. Ela aceitou o convite e se candidatou a deputada estadual por São Paulo pelo PDT, mas não foi eleita.
"Se ela [Cassandra] se considerava uma subversiva? Talvez sim", reflete a sobrinha Liz. "O fato é que ela foi uma pioneira. Foi ela quem deu o pontapé inicial, ainda nos anos 50, para que hoje discutíssemos temas ligados ao público LGBT".
Cassandra Rios morreubetsul lotinhadecorrênciabetsul lotinhaum câncerbetsul lotinha2002, aos 69 anos, no Dia Internacional da Mulher, 8betsul lotinhamarço. Ela nunca quis ter filhos e chegou a casar-se na igreja aos 18 anos, com um amigo. A união, contudo, erabetsul lotinhafachada tanto para ele quanto para ela, que queria sairbetsul lotinhacasa sem chocar os pais.
Apesar disso, a sobrinha conta que tanto a sexualidade quanto os livros da tia, "uma mulher que era amorosa com os familiares e inteligente", são motivosbetsul lotinhamuito orgulho para a família Rios. Liz acredita que se a tia Odete ainda estivesse viva, "ela estaria chocada com o conservadorismo, principalmente na política. Os tempos atuais a fariam lembrar tudo o que sofreu na ditadura por ser lésbica".
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