Bolsonaro no Chile: como a EscolaChicago transformou país latino-americanolaboratório do neoliberalismo:
O contexto geopolítico da Guerra Fria favoreceu a transformação do Chileuma espécielaboratório neoliberal por quase uma década, com influência até hoje na economia chilena, a exemplo da obsessão com equilíbrio fiscal e controle inflacionário.
A experiência se tornou exemplar - para o bem e para o mal - na América Latina. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PSL), que visita o Chile neste fimsemana, fez elogios ao governo Pinochet, que inspira a propostareforma da Previdência formulada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, este também um dos Chicago Boys.
Mas quem eram esses jovens economistas chilenos e qual foi o impacto da política neoliberal inspiradaMilton Friedman, principal nome da EscolaChicago e prêmio NobelEconomia?
EscolaChicago x Keynes
No pós-guerra, a escola econômica dominante era ligada ao britânico John Maynard Keynes (1883-1946). Em oposição à ortodoxia liberal que dominara o pensamento econômico europeu e o americano até o início dos anos 1930, os keynesianos representavam o principal paradigma heterodoxo.
Em Chicago, um grupoeconomistas afirmava que a origem dos desastres econômicos daquele século não estavalimites do capitalismo, mas na mão pesada do Estado.
Milton Friedman e Frank Knight, professoresChicago, se associaram ao economista austríaco Friedrich von Hayek, num grupo que acusava o Estadobem-estar socialfortalecer o marxismo na União Soviética eoutros países.
Para Friedman, o desemprego, obsessão da escola dominante keynesiana, era resultado das políticas assistenciais do Estadobem-estar, que desestimulariam os menos arrojados a procurarem trabalho.
Ascensão dos economistas e 'soft power' dos EUA
Segundo o economista Felipe Alejandro Guerrero Rojas,dissertaçãomestradoCiência Política na Universidade Federal do Paraná, os profissionais formadosEconomia avançaramposições centrais no aparelho do Estado chileno,vagas antes ocupadas por advogados e engenheiros.
Na esteira da tecnocracia que teve início nos anos 1960, esses profissionais se consolidaram a partir da década1970 também como uma elite política no país.
Parte importante dos economistas chilenos desse período foi influenciada pela EscolaChicago, que levouagenda ao país1955. Naquele ano, uma missãoprofessores americanos visitou Santiago a fimfirmar convênio com Universidade Católica do Chile.
A partir dali, haveria bolsasestudos para alunos chilenos nos Estados Unidos, subsidiadas pelo governo americano, e estágios no Chile para professoresChicago.
As universidades passaram a estudar também os problemas econômicos chilenos, como inflação, desenvolvimento agrícola, investimento público e balança comercial. E a elaborar propostas.
Quando retornaram do períodoestudosChicago, os jovens economistas chilenos formaram um grupo organizado e alguns deles se tornariam professores da Universidade Católica do Chile. A atuação se aproximou também da política, com um flerte com o candidatodireita à Presidência Jorge Alessandri, que seria derrotado pelo socialista Salvador Allende, desenvolvimentista que ampliou o papel do Estado.
Esse processo é interrompido11setembro1973 com o golpeEstado, apoiado também pelos neoliberais, que inicialmente se tornaram assessores técnicos dos homensconfiança dos militares colocados nos postos-chave no governo Pinochet - cargos que os Chicago Boys ocupariam mais à frente.
Segundo Guerrero Rojas, os Chicago Boys também trouxeram mudanças na tomadadecisão do Estado chileno a partirprincípios "técnicos e científicos", e não mais por postulados políticos e ideológicos. "Esse modelo tinha a pretensãoconstruir uma 'sociedade tecnificada'; uma sociedade onde os mais capacitados tomam decisões técnicas para as quais foram treinados", afirmaseu estudo.
E completa: "A partir desse modelo, os Chicago Boys puderam se constituir como elite política e desenvolver políticas baseadas nos princípios neoliberais. Mesmo com a redemocratização e a vitória dos partidosoposição ao governoPinochet nas eleições1990, o governo da Concertación não conseguiu romper com essa formaEstado".
Que mudanças os Chicago Boys implementaram no Chile?
No início dos anos 1970, sob Allende, a economia do Chile era marcada por dependência da exportaçãominérios, altas barreiras alfandegárias, aumentogastos públicos e salários, controlepreços e expropriaçãoempresas.
Como consequência, a política econômica resultouhiperinflação (em 1973, chegou aos 606% anuais), aumento do déficit público e do desemprego, redução das reservas cambiais e desindustrialização.
O golpe que derrubou Allende foi seguidoajustes econômicos gradativos, influenciados pelos Chicago Boys.
"O Chile foi pioneiro na adoção do neoliberalismo: os princípiosinteresse individual, propriedade privada e supremacia do mercado financeiro foram implementados aqui antes mesmo do ConsensoWashington,1989 [quando foi formulado um 'receituário'medidas neoliberais à América Latina, como privatizações, austeridade fiscal e reformas tributárias]", afirmou o professorCiências Econômicas e Administrativas da UniversidadeValparaíso Guillermo Holzmann.
O avanço da influência dos Chicago Boys viveu um ápice1975, quando Milton Friedman visitou o Chile, fez conferências e se reuniu com Pinochet. O economistaChicago buscava também convencer o militar a adotar,vezuma mudanças paulatinas, um "tratamentochoque" neoliberal para recuperar a economia. A pressão deu certo.
A estratégia passava por equilíbrio fiscal, desregulamentação, abertura ao capital externo e controleinflação, entre outras medidas. Era o oposto do antecessor Allende. Previsto por Friedman, o choque foi duro naquele ano, e o PIB caiu 13,3%. Dois anos depois, porém, o Chile voltou a um crescimento consistente no patamar7%.
Qual foi o resultado da experiência neoliberal?
"É complexo analisar o desempenho econômico do governo militar chileno", disse Steve Hanke, acadêmico da Universidade Johns Hopkins que assessorou diversos governos latino-americanos. "Nos primeiros anos da era Pinochet houve um 'boom', quando as medidas iniciais ajudaram a estabilizar o caos da economia socialista."
Para ele, é "evidente" que a atual prosperidade chilena se baseiamedidas adotadas durante a era Pinochet. Hanke cita como exemplo a continuidade do sistemaseguridade social baseadofundosprevidência privada, um dos programas emblemáticos do governo militar.
Mas houve uma guinada já durante o governo militar. "Uma parte importante das medidas neoliberais implementadas no início dos anos 1970 foram revertidas nos anos 1980 pelo próprio governo militar. Um exemplo muito claro disso foipolíticadesregulamentação financeira e mudanças no tipocâmbio. Ambas, que favoreciam o capital financeiro, levaram o Chile a uma crise na década seguinte e acabaram revertidas", afirmou Óscar Landerretche, da Universidade do Chile.
Segundo ele, após a ditadura, "não havia segurosaúde universal, seguro-desemprego, gratuidade no ensino superior, nem pilares solidários no sistemaprevidência".
No setor previdenciário, a mudança para um regimecapitalização - no qual cada indivíduo fazprópria poupança - também causou forte impacto social anos depois. Quando o novo modelo começou a produzir os seus primeiros aposentados, o valor das aposentadorias se mostrou baixo: 90,9% recebem menos149.435 pesos (cercaR$ 694,08).
O período, classificado por alguns economistas como "milagre econômico", durou até 1982, anoque o Chile sofreu uma queda recorde do PIB (13,4%) e a duplicação da inflação. A economia chilena só se recuperaria1984, quando começaria a chamada "era dourada".
Apesartodos os avançosindicadores econômicos no governo militar, a distribuiçãorenda praticamente não mudou - a desigualdade se tornaria alvo das principais mudanças adotadas na redemocratização chilena, com aumento do gasto público sem desequilíbrio fiscal.
"Essas políticas neoliberais acabam resultandoconcentraçãorenda. Apenas um grupo movimenta a economia, enquanto você precisaestímulo às outras classes consumirem. Após a ditadura militar, os governos passam a criar uma sériepolíticas socioeconômicas para reduzir essa desigualdade social", afirmou Guerrero Rojas, mestreCiência Política pela Universidade Federal do Paraná.
Noah Smith, colunista da agêncianotícias Bloomberg, resumiu o debateum tuítenovembro do ano passado.
"O crescimento anualizado do PIB real per capita no Chile sob Pinochet (1973-1990) foi1,6%. O crescimento anualizado do PIB real per capita no Chile nos 17 anos posteriores a Pinochet (1990-2007) chegou a 4,36%. Pinochet está bastante superdimensionado", escreveu ele.
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