Dos camposbetnacional ao vivoconcentraçãobetnacional ao vivoretirantes às facções criminosas: Como Fortaleza se tornou a região metropolitana mais violenta do Brasil:betnacional ao vivo

Crédito, José Cruz/Ag. Brasil

Legenda da foto, Em 2017, região metropolitanabetnacional ao vivoFortaleza registrou 86,7 homicídios para cada 100 mil habitantes, maior taxa do país

O número, entretanto, fazia pouco sentido pra quem estava dentro do coletivo naquela hora. De acordo com o Sindiônibus, que representa as empresas do setor, as áreas próximas da rodovia federal continuavam visadas pelos criminosos.

E não por acaso: a periferia no extremo sudeste da cidade é uma das regiões mais disputadas pelas facções criminosas que promoveram ataques na capital cearense por quase 30 dias consecutivos no primeiro mêsbetnacional ao vivo2019.

O mesmo rio Cocó que serpenteia por bairros nobresbetnacional ao vivoFortaleza antesbetnacional ao vivodesaguar no mar da Praia do Futuro é a divisa naturalbetnacional ao vivoduas grandes áreasbetnacional ao vivoinfluência do crime organizado no trecho antes da arena Castelão, onde o turismo não chega.

Parte da área imediatamente à esquerda do rio - bairros como Boa Vista, Barroso II, Passaré - é dominada pela facção local Guardiões do Estado (GDE).

No lado direito - Cajazeiras, Barroso I, Ancuri - atua o Comando Vermelho.

Mas as fronteiras são fluidas: pichações com as siglasbetnacional ao vivogrupos criminosos e ameaças aos rivais são sintomasbetnacional ao vivouma disputa por território que transformou Fortalezabetnacional ao vivouma das cidades com o maior númerobetnacional ao vivomortes violentas no Brasil.

Entre as regiões metropolitanas, ela ocupa a pior posição,betnacional ao vivoacordo com dados mais recentes do DataSUS, que ainda são preliminares. São 86,7 homicídios para cada 100 mil habitantes. Na grande Natal, que ocupa a segunda posição, o índice ébetnacional ao vivo83,3.

Contar a história dessa área da periferiabetnacional ao vivoFortaleza é como colocar uma lupa sobre essas estatísticas. Essa é a trajetória dos bairros do Conjunto Palmeiras, Ancuri e Pedras, contada por moradoresbetnacional ao vivoum conjunto habitacional chamado Santa Fé, que fica no Ancuri.

'Morria muita gente aqui'

A diarista Márcia*, que estava no ônibus sequestrado pelos bandidos quando voltava do trabalho, viu pela primeira vez as inscrições "CV" nos muros próximos àbetnacional ao vivocasa no Santa Fé há cercabetnacional ao vivodois anos.

"Eu não sabia nem o que era aquilo."

Ela demorou a entender que aquelas iniciais estavam por trás do "acidente" que levou o irmãobetnacional ao vivoum conhecido a perder uma perna e do assassinato brutal do maridobetnacional ao vivouma amiga, espancado até a morte com uma ripabetnacional ao vivopau, à noite, no meio da rua.

"Morria muita gente aqui."

A Secretariabetnacional ao vivoSegurança Pública do Ceará não disponibiliza estatísticas por bairro da capital, mas um cálculo grosseiro feito a partir dos dados das Áreas Integradasbetnacional ao vivoSegurança (AIS) dá dimensão do que a moradora quer dizer.

Em 2018 foram registrados 167 crimes violentos letais intencionais na AIS 3, que engloba o Ancuri, bairro onde o Santa Fé está localizado, e outros 12 da região - um totalbetnacional ao vivo256 mil pessoas.

São 65,2 homicídios para cada 100 mil habitantes, praticamente o dobro do registrado na AIS 1 (33,6), que concentra a maior parte dos bairros nobres da cidade.

Crédito, Reprodução/Google

Legenda da foto, Quase 60% dos moradores do conjunto Santa Fé, que está no bairro do Ancuri, não completaram o ensino fundamental

O índice é alto, mas significativamente menor do quebetnacional ao vivo2017, quando a AIS 3 contabilizou 98 mortes para cada 100 mil habitantes, índice próximo ao registrado entre algumas das cidades mais violentas do México, por exemplo.

Taxasbetnacional ao vivohomicídio acimabetnacional ao vivo10 são consideradas epidêmicas pela OMS (Organização Mundialbetnacional ao vivoSaúde).

No Santa Fé vivem cercabetnacional ao vivo5 mil pessoas - um quarto do total do bairro do Ancuri, onde o conjunto habitacional está localizado - distribuídasbetnacional ao vivocasas conjugadasbetnacional ao vivouma sequênciabetnacional ao vivoruas quase todas sem calçamento.

A renda média por habitante,betnacional ao vivoacordo com uma pesquisa feita pela Igreja Batista Central da comunidadebetnacional ao vivoparceria com o cursobetnacional ao vivoArquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC), ébetnacional ao vivoR$ 413. Quase 60% dos moradores não concluíram o ensino fundamental.

São diaristas como Márcia, costureiras, mecânicos, cozinheiras, vigias, descarregadoresbetnacional ao vivocaminhões, pedreiros, ambulantes, catadores. A grande maioria nunca teve a carteirabetnacional ao vivotrabalho assinada.

A quase 20 km dali, os moradores do bairro Meireles - o mais rico da cidade - têm rendimento 9 vezes maior,betnacional ao vivoR$ 3.659,54, como consta nos dados mais recentes do Institutobetnacional ao vivoPesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).

O Ancuri ocupa a 102ª posição entre os 119 bairros mapeados no ranking da renda.

O último lugar é do vizinho Conjunto Palmeiras, berço da facção Guardiões do Estado.

Campobetnacional ao vivoconcentraçãobetnacional ao vivoflagelados da seca

O Conjunto Palmeiras tem origem na décadabetnacional ao vivo1970, conta o professor do departamentobetnacional ao vivoArquitetura da UFC Renato Pequeno, quando a prefeiturabetnacional ao vivoFortaleza dá início a um processobetnacional ao vivo"periferização"betnacional ao vivofavelas localizadasbetnacional ao vivoáreas da cidade que começavam a se valorizar.

Os primeiros moradores do bairro vinham do Arraial Moura Brasil, uma favela à beira mar que foi parcialmente removida e deslocada para o conjunto habitacional nos limites da cidade, a 17 km. No lugar dela surgiriam, anos mais tarde, a avenida Leste-Oeste e o Marina Park, ainda hoje o hotel mais luxuoso da cidade.

Visada pelo mercado imobiliário nos anos 70, essa área também nasceubetnacional ao vivoum contextobetnacional ao vivopobreza e exclusão, destaca o pesquisador do Observatório das Metrópoles, muito anterior às remoções violentas patrocinadas pelo Programa Integradobetnacional ao vivoDesfavelamento (PID).

Antesbetnacional ao vivoser Arraial Moura Brasil, a comunidade tinha sido o Campo do Urubu - um dos 7 camposbetnacional ao vivoconcentração erguidos no Ceará nas primeiras décadas do século 20 para aglomerar os retirantes da seca que vinham do interior do Estado e "higienizar" a paisagem urbana.

"Fortaleza já nasceu segregada", diz Pequeno.

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Os camposbetnacional ao vivoconcentração eram construídos pelo Departamento Nacionalbetnacional ao vivoObras Contra a Seca (Dnocs)

A capital assistiu a três grandes ciclosbetnacional ao vivomigraçãobetnacional ao vivo"flagelados":betnacional ao vivo1877,betnacional ao vivo1915 - processo retratado no livro O Quinze,betnacional ao vivoRachelbetnacional ao vivoQueiroz - ebetnacional ao vivo1932.

Ainda no fim do século 19, 30% das moradias na cidadebetnacional ao vivoFortaleza eram barracosbetnacional ao vivopalha - nos quais viviam, na grande maioria, migrantes fugindo da seca.

Os camposbetnacional ao vivoconcentração, conforme relata a historiadora Kênia Rios, foram propostos - com essa nomenclatura - pela elitebetnacional ao vivoFortaleza como uma espéciebetnacional ao vivopolítica humanitária, intenção que só existiu no papel.

Os dois que estavam localizados na capital - o Urubu e o Alagadiço - tinham capacidade para 2 mil ou 3 mil pessoas, mas chegaram a confinar até 8 mil.

A estruturas extremamente precárias dividiam homens e mulheres e eram vigiadas ininterruptamente por soldadosbetnacional ao vivo23º Batalhão Policial. Só se podia sair com autorização -betnacional ao vivogeral concedida apenas àqueles empregadosbetnacional ao vivoobras públicas na capital.

"A exploração da mãobetnacional ao vivoobra nesses lugares é uma coisa impressionante. As pessoas trabalhavambetnacional ao vivotrocabetnacional ao vivoum pratobetnacional ao vivocomida", diz a historiadora.

Em abrilbetnacional ao vivo1933, a chuva voltou a cair no sertão e os camposbetnacional ao vivoconcentração do Estado começam a ser desativados.

O governo chegou a distribuir passagensbetnacional ao vivoônibus e algumas sementes para garantir que os retirantes voltassem para suas cidadesbetnacional ao vivoorigem.

Sem perspectiva, entretanto, muita gente ficou.

"Esse é o momentobetnacional ao vivoque o flagelado vira favelado", diz a professora do departamentobetnacional ao vivoHistória da UFC.

Décadas depois, o Conjunto Palmeiras viraria destino não apenas daqueles que foram removidos da favela do Arraial Moura Brasil, masbetnacional ao vivodezenasbetnacional ao vivofamílias que habitavam comunidades pobres localizadasbetnacional ao vivoáreas que se tornavam interessantes para o mercado imobiliário.

"Essa nova periferia era espacial e socialmente afastada da área centralbetnacional ao vivoFortaleza. No José Walter (conjunto habitacional vizinho ao Palmeiras), pra você ter uma ideia, só passava ônibus duas vezes por dia - pra levar o morador para o serviço e trazê-lobetnacional ao vivovolta. Isso acaba sendo um novo confinamento."

As dezenas viraram centenas e hoje o Conjunto Palmeiras soma 36 mil moradores. Tem a pior renda média entre os 119 bairros da capital e é o segundo piorbetnacional ao vivotermosbetnacional ao vivoextrema pobreza.

Lá, 17,2% dos habitantes sobrevivem com renda domiciliar mensal menor que R$ 70, conforme o Ipece.

Crédito, Paulo Whitaker/Reuters

Legenda da foto, Entre os ataques promovidos no início do ano, criminosos incendiaram caminhão carregadobetnacional ao vivofrangos vivos

Violências "invisíveis" como a faltabetnacional ao vivosaneamento básico,betnacional ao vivoequipamentosbetnacional ao vivolazer, escolas,betnacional ao vivohospitais e postosbetnacional ao vivosaúde viraram terreno fértil para gangues locais que, depois dos anos 2000, se organizarambetnacional ao vivotorno das quadrilhasbetnacional ao vivotraficantes e das facções que chegaram do Rio ebetnacional ao vivoSão Paulo.

O enredo é parecidobetnacional ao vivopraticamente todo o "cinturãobetnacional ao vivopobreza"betnacional ao vivovolta da área mais centralbetnacional ao vivoFortaleza, diz o pesquisador do Laboratóriobetnacional ao vivoViolência da UFC Luiz Fabio Paiva.

No Conjunto Palmeiras, particularmente, a equação deu origem, por voltabetnacional ao vivo2015, a uma facção batizadabetnacional ao vivoGuardiões do Estado - que atuabetnacional ao vivoparalelo, porbetnacional ao vivovez, a PCC, CV e Família do Norte, que tem origem no Amazonas.

"As facções possibilitaram a organização do crime que atuavabetnacional ao vivoregiões diferentes."

Do vazio demográfico ao vazio do Estado

Vizinha do Conjunto Palmeiras, Beth* lembra quando chegou ao conjunto Santa Fé, no início dos anos 90.

Não havia coletabetnacional ao vivolixo e a Cagece distribuía água um dia sim, outro não - os moradores recorriam a uma "cacimba" nas proximidades quando as torneiras secavam.

Nos anos 2000, o serviço foi regularizado, três ruas como nomesbetnacional ao vivosantas ganharam calçamento - Nossa Senhorabetnacional ao vivoLourdes,betnacional ao vivoFátima e Aparecida - e, com pressãobetnacional ao vivouma igreja batista, a IBC, foi aberto um postobetnacional ao vivosaúde.

O pastor Armando Bispo, nascido na zona nortebetnacional ao vivoSão Paulo e com passagem pelos Estados Unidos, chegou ao conjunto habitacionalbetnacional ao vivo98, quando decidiu tirar a igreja do ginásiobetnacional ao vivouma escola particular no bairro nobre do Papicu e levá-la a um lugar onde pudesse cumprir a "verdadeira vocação"betnacional ao vivocuidar do outro.

"Foi quando a gente tomou a decisãobetnacional ao vivomudar para uma região considerada perigosa, abandonada, terrabetnacional ao vivoninguém."

O terrenobetnacional ao vivo210 mil metros quadradosbetnacional ao vivoque até hoje funciona a igreja costumava ser um localbetnacional ao vivodepósitobetnacional ao vivocargas roubadasbetnacional ao vivocaminhõesbetnacional ao vivocruzavam a BR-116.

Beth está entre os moradores que falam com entusiasmo da chegada da IBC. As latasbetnacional ao vivolixo instaladas na calçada ajudam a suprir a deficiência da coleta feita pela prefeitura e o espaço para as crianças durante o culto alivia o fardo das mães que trabalham e cuidam da casa. "O pastor Armando não se intimida com bandido", diz ela.

"O 'códigobetnacional ao vivoética' do tráfico é não mexer com a igreja evangélica, e aqui não é diferente", sentencia o pastor.

Umabetnacional ao vivosuas histórias preferidas é sobre um meninobetnacional ao vivo14 anos que vinha causando problemas no bairro no ano passado. "Eu peitei ele, disse que não adiantava ficar ameaçando todo mundo. Quando cheguei na casa do garoto, a 300 metros da igreja, eram 9 pessoas vivendobetnacional ao vivoum quadrado. O banheiro era um buraco no quintal."

Com a ajuda da Casabetnacional ao vivoMisericórdia, a IBC ajudou a família a construir uma residência melhor, e vem fazendo isso gradativamente com moradores do conjunto. "Um quarto das casas aqui não tem banheiro."

Crédito, Divulgação/IBC

Legenda da foto, 'O que a gente vê aqui é a ausência absoluta do poder público', diz o pastor Armando

Beth morabetnacional ao vivoum espaço bom, que construiu com a ajudabetnacional ao vivoparentes e vizinhosbetnacional ao vivoesquemabetnacional ao vivomutirão - como a maioria dos vizinhos, porém, ela não tem os documentos da casa própria.

Boa parte do conjunto foi erguido atravésbetnacional ao vivouma Sociedade Comunitáriabetnacional ao vivoHabitação Popular (SCHP) organizada pela própria prefeitura nos anos 90, mas que até hoje não foi regularizada.

O problema não é uma exclusividade do Santa Fé, segundo a professora Clarissa Freitas, do departamentobetnacional ao vivoArquitetura da UFC. Dezenasbetnacional ao vivocomunidades estão na mesma situação.

"Isso talvez seja uma particularidadebetnacional ao vivoFortaleza: esses são conjuntos habitacionais ilegais. É o próprio Estado agindo na ilegalidade", ressalta a urbanista, que pesquisa a questão da regularização fundiária na cidade.

"Muita gente não faz essa ligação, mas isso está muito conectado à questão da violência. As pessoas se sentem menos cidadãs, com menos direitos. O Estado vira inimigo."

Toquebetnacional ao vivorecolher

Dominado pelo tráfico, o Santa Fé é considerado por boa parte dos moradores um lugar "tranquilo, por incrível que pareça".

A disputa por território com os rivais da GDE, que domina o Conjunto das Palmeiras, e as punições àqueles considerados traidores fazem dos homicídios violentos parte do cotidiano, mas "eles se matam entre eles".

O medo, entretanto, regula a rotina.

Crédito, Reprodução/Google

Legenda da foto, Boa parte do Santa Fé tem saneamento inadequado

No início dos anos 90, Leda* e os amigos do bairro costumavam caminhar aos finsbetnacional ao vivosemana pouco maisbetnacional ao vivo5 km pelo 4º Anel Viário, que cruza a BR-116 nos limites do conjunto, para chegar a um clube chamado Valeu Boi.

A casa noturna, frequentada pela elitebetnacional ao vivoFortaleza, cobrava caro pela entrada. "A gente ficava ouvindo forró do ladobetnacional ao vivofora. Era bom demais."

Hoje, pouca gente no Santa Fé sai depois das dez da noite.

Mesmo dentrobetnacional ao vivocasa, fala-se baixo e não se comentam certos assuntos porque, com os imóveis colados uns nos outros, "todo mundo sabe o que todo mundo faz" - e ninguém quer ser considerado traidor pelos "grandões" do Comando Vermelho.

A disputa entre facções rivais impõe ainda um outro toquebetnacional ao vivorecolher. Muita gente não se sente seguro para visitar os parentes que morambetnacional ao vivocomunidades dominadas por outras siglas.

Os vizinhos Curió e Santa Maria, por exemplo, são chefiados pelo Comando Vermelho, mas o Palmeiras e o Conjunto Alameda das Palmeiras são áreasbetnacional ao vivodomínio da GDE, que tem famabetnacional ao vivoser mais cruel do que as facções fluminense e paulista.

"A questão da crueldade acabou virando formabetnacional ao vivodemonstraçãobetnacional ao vivopoder das facções. Com a GDE, que não tem 'regras' consolidadas e possui uma hierarquia menos clara, eram comuns as mutilações, casosbetnacional ao vivoque as vítimas eram queimadas vivas", diz César Barreira, também do LEV-UFC.

Ao contráriobetnacional ao vivoPCC e CV, a GDE não cobra filiação ou mensalidade.

"Isso atraiu todo tipobetnacional ao vivojovem inconsequente, que queria brincarbetnacional ao vivoser bandido", diz uma fonte ligada à Segurança Pública do Estado que não quis se identificar.

A chegada do Minha Casa, Minha Vida

Os relatosbetnacional ao vivorecrudescimento da violência entre os moradores do Santa Fé coincidem com a inauguração,betnacional ao vivo2016,betnacional ao vivoum conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida (MCMV) do outro lado do anel viário, no bairro Pedras.

Hoje com 5 mil unidades, o Alameda das Palmeiras ganhou as manchetes locais quando,betnacional ao vivo2017, um motoristabetnacional ao vivoUber foi morto a tiros na entrada do conjunto.

Guilherme Maia, na época com 22 anos, não viu o aviso no muro: "Adentra, tire o capacete e, carro abaichi (abaixe) os vidros. Se roubar na favela, morre. Assinado, crime 745 (sic)". Os números seriam uma suposta alusão à GDE.

Em dezembro do mesmo ano, dois corpos carbonizados foram encontrados também na entrada da comunidade.

"Aquele lugar foi construídobetnacional ao vivouma forma estranha, só tem uma entrada, um beco", diz o pastor Armando Bispo.

O professor Renato Pequeno ressalta que, até 2012, os projetos do MCMV na capital cearense tinham no máximo 500 unidades. Depoisbetnacional ao vivoum pedido feito pelas construtoras participantes do programa, a Caixa subiu esse limite para 5 mil.

"Aí você tem esses conjuntos enormes construídosbetnacional ao vivolocais afastados - porque as empresas vão procurar os lugares mais baratos possíveis pra construir - e praticamente sem equipamentos públicos no entorno", ele critica.

Outra questão, acrescenta Clarissa Freitas, é a "privatização dos espaços públicos" nos empreendimentos, que são todos murados. "A polícia só entra lá com mandado."

Assim como o Alameda, conjuntos como o Cidade Jardim I e II, cada um com cercabetnacional ao vivo5,5 mil unidades, e José Euclides da Cunha, com 5 mil, hoje são dominados por facções criminosas.

São frequentes os casosbetnacional ao vivoexpulsõesbetnacional ao vivomoradores por traficantes, que revendem os imóveis ou os repassam para amigos e parentes.

Em ação movida na Justiça Federal para devolver as residências aos proprietários legais, promotores do Ministério Público Federal e Estadual ponderaram que a Caixa Econômica não deveria financiar empreendimentosbetnacional ao vivoáreas sem infraestrutura.

Região metropolitana

A história da periferiabetnacional ao vivoFortaleza transborda para a região metropolitana, onde os índicesbetnacional ao vivohomicídio são ainda maiores do que na capital.

Fabiano Lucas, pesquisador do departamentobetnacional ao vivoGeografia da UFC que trabalhou com dadosbetnacional ao vivomortes violentas da RM antes do contexto das facções criminosas, ressalta que os municípiosbetnacional ao vivopior situação são aqueles mais integrados à dinâmicabetnacional ao vivoFortaleza - cidades como Maracanaú, Caucaia e Eusébio.

A região metropolitana soma 18 municípios -betnacional ao vivopraticamente todos eles, o índicebetnacional ao vivohomicídios passabetnacional ao vivo100 para cada 100 mil habitantes.

Uma dessas cidades, Aquiraz, foi palco do assassinatobetnacional ao vivoum dos líderes do PCC. Em fevereirobetnacional ao vivo2018, o corpobetnacional ao vivoGegê do Mangue - que moravabetnacional ao vivoum condomínio fechado na região - foi encontradobetnacional ao vivouma reserva indígena no município.

"Nós tivemos grandes apreensões no Porto das Dunas (localizado no municípiobetnacional ao vivoAquiraz), e não por acaso: o lugar é uma cidade estruturada praticamente sem nenhum controle (do Estado)", diz uma fonte ligada à Segurança Pública do Estadobetnacional ao vivoCeará que não quis se identificar.

Gegê do Mangue não foi o único chefe da facção paulista que passou pelo Ceará: dois anos antes, Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior - irmãobetnacional ao vivoMarcola, apontado como número 1 da facção paulista - foi preso na cidadebetnacional ao vivoFortaleza.

Ele, o irmão e outros 20 líderes do PCC foram transferidosbetnacional ao vivofevereiro do presídiobetnacional ao vivoPresidente Venceslau (SP) para penitenciárias federaisbetnacional ao vivoPorto Velho (RO), Brasília e Natal (RN).

A segurança e a sensaçãobetnacional ao vivosegurança

Em paralelo à pobreza e à total ausênciabetnacional ao vivoEstado nas regiões tomadas pelo tráfico, duas fontes ligadas à Segurança Pública apontaram falhas na política penitenciária e na gestão das polícias como as razões por trás do aumento exponencial da violênciabetnacional ao vivoFortaleza na última década.

Ambos destacaram que diferentes gestões deram prioridade à sensaçãobetnacional ao vivosegurança - com criaçãobetnacional ao vivodispositivos como o Ronda do Quarteirão, implantado na gestão Cid Gomes (PROS), e o Batalhãobetnacional ao vivoPoliciamentobetnacional ao vivoRondasbetnacional ao vivoAções Ostensivas e Intensivas (Raio), ampliado no governobetnacional ao vivoCamilo Santana (PT) -betnacional ao vivodetrimento da segurançabetnacional ao vivosi.

Teria faltado investimentobetnacional ao vivointeligência e a promoção da integração das polícias.

"Eles demoraram a admitir que existia facção no Ceará", acrescenta uma das fontes, ligada à polícia militar. As apreensõesbetnacional ao vivodrogas com identificação do PCC no Estado começaram a pipocarbetnacional ao vivo2010, diz ela. O CV teria chegado ainda antes.

A administração das penitenciárias do Estado também foi criticada.

Nesse sentido, eles citam desde a separação dos detentos por facções dentro dos presídios - a promessabetnacional ao vivorevogação dessa prática prometida pelo novo secretáriobetnacional ao vivoAdministração Penitenciária, Mauro Albuquerque, é apontada como uma das razões para a sequênciabetnacional ao vivoataques realizados no Cearábetnacional ao vivo2019 - a um excessobetnacional ao vivopermissividade dentro da cadeia.

Crédito, Paulo Whitaker/Reuters

Legenda da foto, Ao assumir a Secretariabetnacional ao vivoAdministração Penitenciária, Mauro Albuquerque afirmou que os presos não seriam mais divididos por facção nas cadeias do Estado

Alémbetnacional ao vivoliberar - se não no papel, mas na prática - a entradabetnacional ao vivocelulares e televisores, diz uma fonte, a administração chegou ao pontobetnacional ao vivopromover o que ficou conhecido como "pernoites do amor": desde o início dos anos 2000, os detentos podem receber parceiras sexuais no Dia do Presidiário, no Natal e no Dia das Mães.

"Houve um afrouxamento e o crime se fortaleceu", ressalta essa mesma fonte.

Coincidência ou não, os membros da GDE do Conjunto Palmeiras dizem que "saíram da faculdade" quando acabambetnacional ao vivocumprir pena nos presídios do Estado.

Naquela tardebetnacional ao vivonovembrobetnacional ao vivoque o ônibus que a trazia Márcia do serviço foi sequestrado, ela não chegou a ser roubada.

Estendeu a bolsa, mas os assaltantes, que pareciam ter pressa, foram embora antesbetnacional ao vivoalcançá-la.

A ameaça do início se mostrou apenas frasebetnacional ao vivoefeito - os bandidos não mataram nem feriram ninguém no coletivo.

O dinheiro que ela ganhou pelo diabetnacional ao vivotrabalho engordou as economias reservadas para realizar um sonho jábetnacional ao vivomuitos anos: comprar uma casa no bairrobetnacional ao vivoMessejana.

*Os nomesbetnacional ao vivotodos os moradores entrevistados pela reportagem foram preservados por questõesbetnacional ao vivosegurança.

Colaborou Amanda Rossi, da BBC News Brasilbetnacional ao vivoSão Paulo

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