Como a desigualdade no pagamento entre homens e mulheres prejudica a economia brasileira:

Mulheres caminhandorua brasileira,fotoarquivo

Crédito, ROOSEWELT PINHEIRO ABr

Legenda da foto, Aumento da inclusão financeira feminina se traduzvantagens para toda a economia

Nas ocupações que exigem nível superior completo ou mais, a diferença salarial é ainda maior: as mulheres recebiam 63,4% do rendimento dos homens2016, dado mais recente disponível.

Alguns estudos recentes analisaram o tamanho dessa disparidade, suas causas e o impacto que ela tem na economia inteira. A BBC News Brasil levantou os principais e mais recentes.

Quanto mais filhos, menor o salário delas

O salário das mulheres brasileiras com filhos é,média, 35% menor que o das que não têm filhos, evidenciando o impacto da maternidade na renda feminina. O levantamento foi feito pelo pesquisador Bruno Ottoni, da empresaanálise IDados e do Instituto BrasileiroEconomia da FGV Rio.

Ottoni comparou os rendimentosmulheres casadas, empregadas e com idades25 a 35 anos levantados pela Pesquisa Nacional por AmostraDomicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, no terceiro trimestre2018.

As mulheres desse grupo que não tinham filhos recebiam,média, R$ 2.182,06 por mês, contra R$ 1.618,47 das mulheres com filhos.

Mulher ao telefone com bebê

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Pesquisa com basedados do IBGE mostra que mulheres brasileiras ganham menos à medida que têm filhos

E quanto mais filhos, menor era o rendimento médio delas. Uma mãetrês ou mais crianças ganhava R$ 1.426,53média.

Para AndersonSouza Sant'Anna, professor da Fundação Dom Cabral e coautorum outro estudo sobre disparidade salarialgênero, as carreiras das mulheres fazem "uma curvaU".

"Elas são mais escolarizadas, então são promovidas mais rápido, mas a partirum certo momento, por volta dos 35, 38 anos, isso se inverte, e os homens as ultrapassam. Como as empresas não têm políticas para maternidade, as mulheres, ao voltarem ao trabalho, não conseguem se reinserir e recuperar a posição. Esse conjuntofatores, somados, vão causando essas diferenças (salariais)", disse à BBC News Brasiloutubro.

Elas gastam bem mais tempo com os afazeres domésticos

Em 2016, as mulheres dedicavam,média, 18 horas semanais a trabalhos domésticos ou a cuidados com pessoas (filhos ou parentes idosos, por exemplo), contra 10,5 horas dos homens,acordo com o IBGE. Esse é um dos fatores que levam mais mulheres do que homens a buscar empregosjornada parcial, com remuneração inferior.

"Em função da cargaafazeres domésticos e cuidados, muitas mulheres se sentem compelidas a buscar ocupações que precisamuma jornadatrabalho mais flexível", dissecomunicado Barbara Cobo, coordenadoraPopulação e Indicadores Sociais do IBGE.

No entanto, "mesmo com o trabalhotempo parcial, a mulher ainda trabalha mais", agrega Cobo. "Combinando-se as horastrabalhos remunerados com ascuidados e afazeres, a mulher trabalha,média, 54,4 horas semanais, contra 51,4 dos homens."

Mulher limpando a casa

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Brasileiras dedicammédia oito horas semanais a mais que os homens a trabalhos domésticos e não remunerados

Elas são prejudicadas logo na entrevistaemprego

Para Souza Sant'Anna, é possível que as entrevistasemprego ajudem a perpetuar as diferenças salariais.

"Quando uma mulher é contratada, o RH pergunta quanto ela ganhava. Como elas historicamente ganham menos, uma hipótese é que já entram no novo emprego com um salário mais baixo do que um homem. Têm saláriosentrada mais baixos. E isso ainda é intensificado por participação maior dos homens nos bônus. No casopromoção, há uma tendência maior a favor dos homens."

Quanto maior o cargo, maior a diferença salarial

As mulheres não apenas ocupam menos posições sêniores (nem 40% dos cargos gerenciais são das mulheres, segundo o IBGE) como também ganham menosrelação aos homens à medida que ascendem profissionalmente.

A pesquisaSouza Sant'Anna, da Fundação Dom Cabral, analisou os salárioshomens e mulheres12 grandes empresas dos setoresindústria e serviços, abrangendo 50 mil trabalhadores. Identificou uma diferença salarial média16% entre homens e mulheres que exercem o mesmo cargo.

Em cargoschefia, a discrepância chega a 27%. A distância entre os maiores salárioshomens emulheres do topo é38%.

Há discrepâncias também por setores.

Mulher com bebê

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Conclusão dos dados compilados pelo FMI éque, quando financeiramente empoderadas, as mulheres tomam decisões que beneficiam mais a família

"Áreas como PDI (pesquisa, desenvolvimento e inovação) e engenhariaprodução, são muito masculinas. Elas ainda estão menos representadas nessas profissões que são mais valorizadas", afirmou Sant'Anna.

"Existe o que chamamospolarização das profissões - mulheresposiçõescuidado, como Recursos Humanos, que estão muito mais sujeitas à automação. Em todas as posições funcionais, os homens ganham mais que as mulheres, à exceçãoposições administrativas e financeiras - supervisoracall center, por exemplo. Nossa hipótese é que os homens saíram delas e foram para áreas mais nobres."

Os benefícios da igualdadegêneros: até US$ 28 tri a mais no PIB global

Segundo o relatório do Fórum Econômico Mundial, no ritmo atual, o mundo levará mais200 anos para alcançar a igualdade salarial entre homens e mulheres, cenário que provoca perdas econômicas para toda a sociedade.

Um levantamento2015 do Instituto McKinsey Global calculou que a igualdadegêneros poderia acrescentar,um cenário mediano - no qual os países alcancem o ritmo dos países mais igualitáriossuas regiões -, até US$ 12 trilhões ao PIB mundial2025.

Em um cenário idealigualdade plena, no qual "mulheres participam na economiamodo idêntico aos homens", os ganhos poderiam chegar a US$ 28 trilhões no PIB anual global - o equivalente, à época, à soma das duas maiores economias do mundo, a dos EUA e da China. Esse cenário permitiria que a metade feminina da população mundial alcançasse seu potencial mais plenamente, aumentando por exemplo suas horastrabalho remunerado e seus rendimentos.

"Igualdadegêneros não é apenas uma questão urgente do pontovista social e moral, mas também um desafio econômico", apontou o relatório.

Mais poder financeiro feminino melhora as famílias

Em 2018, o Fundo Monetário Internacional (FMI) analisou pesquisas e dadosmaisuma centenanaçõesquestões como acesso ao sistema financeiro (como crédito e contas bancárias) e ascensão profissional feminina no setor bancário.

A conclusão foique mulheres mais fortes financeiramente demonstraram maior probabilidadeinvestir no bem-estar familiar e a tomar mais decisões financeiras mais inteligentes, que repercutem na educação e na saúdesua família.

"Isso se traduzmenos pobreza, mais crescimento econômico e redução da desigualdade", disse à BBC News Brasil Ratna Sahay, coautora do estudo e vice-diretora do Departamento Monetário eMercadoCapitais do FMI.

Mulher analisando gráficos

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Elas ainda são minoria nos cargosliderançainstituições financeiras

"Há diferentes exemplos: nas Filipinas, há evidênciasque o empoderamento das mulheres aumentava seu controle sobre decisões do orçamento e seu gasto com itens simples, mas que melhoram a qualidadevidatoda a família, como máquinalavar roupa e utensílios culinários; no Nepal, descobrimos que lares liderados por mulheres gastavam 20% maiseducação do que os liderados por homens, algo muito importante para as crianças", explicou Sahay, agregando que, embora seu estudo não mencione nominalmente o Brasil, as conclusões possivelmente se aplicam por aqui.

Mais participação feminina leva a mais eficiência e estabilidade financeira

O levantamento do FMI analisou também um outro ângulo: qual o impactose, alémusuáriasserviços financeiros, tivermos mais mulheres provendo esses serviços - ou seja, ocupando posiçõesliderançabancos centrais e comerciais eagências regulatórias financeiras?

E, novamente, a conclusão foique "a maior representatividade das mulheres (em instituições financeiras) leva a mais estabilidade financeira" - na prática, menor endividamento, decisões corporativas mais cautelosas, mais eficiência e menos chancecrises financeiras.

"E isso tem grandes implicações, porque muitos países se preocupam com risco sistêmico e estabilidade. Em todos esses aspectos, reduzir a desigualdadegênero pode ter efeitos macroeconômicos muito positivos", afirmou Sahay.

Mulher no trabalho

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, As mulheres ganham menos que os homens para desempenhar as mesmas funções. Isso acontecequase todas as áreas, aponta pesquisa

Segundo o FMI, menos2% das CEOsinstituições financeiras globais são mulheres; elas também são menos20% dos membros dos conselhos dessas instituições.

"E isso é um contraste grande com a ofertamulheres com formação relevante (nessa área)", diz o texto do Fundo. "As mulheres representam 30% dos formandoseconomia e cerca50% dos formandosadministração e ciências sociais."

Segundo o estudo do Fórum Econômico Mundial, a igualdadegêneros "é boa para os negócios".

"Pesquisas feitas ao longotrês décadas mostram que (...) empresas com mais mulheres líderes e nos conselhos têm maiores lucros e performance financeira. Também têm menos relatosfraude, corrupção e erros financeiros. Na Noruega, onde é exigido que as empresas reservem ao menos 40%seus assentosconselho a mulheres, as pesquisas mostram que elas têm mais probabilidadepensarlongo prazo, e incluir cidadãos,vezapenas acionistas,suas deliberações. As mulheres estimulam os conselhos a focar mais na comunidade, no ambiente e nos empregados."

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