Bolsonaro não traria 'nenhum retrocesso' a relações internacionais, diz Aloysio Nunes:

Ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, durante inauguração da exposição Palavras Sem Fronteiras, no Palácio Itamaraty2017

Crédito, Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Legenda da foto, Para Aloysio Nunes, o candidato Jair Bolsonaro 'jogaacordo com as regras da democracia'

DiferenteNunes, Alckmin se refere ao oponente como "o candidato da intolerância" e já afirmou que uma eventual vitória do militar reformado levaria o país ao caos.

Esta semana, o Itamaraty foi parteuma polêmica envolvendo Bolsonaro. Reportagem do jornal FolhaS. Paulo reproduziu um telegrama do Itamaraty, datadojulho2011, que relata que o deputado pediu ajuda ao Ministério das Relações Exteriores porque Ana Cristina viajou para a Noruega com o filho deles, sem autorizaçãoBolsonaro. Na época, os dois disputavam na Justiça a guarda do menino. No telegrama, o então embaixador Carlos Henrique Cardim relata que Ana Cristina, ao receber telefonema do vice-cônsul na Noruega, disse que havia deixado o Brasil dois anos antes por ter sido ameaçadamorte por Bolsonaro. E que essa acusação poderia motivar pedidoasilo político. Em vídeo publicado nas redes sociais depois da publicação da reportagem, Ana negou que as ameaças tenham existido.

Desde o último domingo, quando chegou a Nova York para representar o Brasil na Assembleia Geral da ONU, o ministro já se reuniu com autoridades da União Europeia, Mercosul, Áustria, Colômbia, Lituânia, Líbano, Luxemburgo e Cingapurabuscanovas parcerias políticas e comerciais.

Nesta quinta-feira, acontece um esperado encontro entre Nunes e o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza. Será a primeira reunião entre os chanceleres desde a suspenção temporária das relações diplomáticas entre os dois países,dezembro, quando embaixador brasileiroCaracas foi expulso e tratado como "persona non grata".

Sobre as chancesreconciliação entre os dois países, que protagonizam acusações frequentesplenárias como as da Organização dos Estados Americanos (OEA), Nunes optou por um tom moderado, disse que "não há hostilidade" e garantiu que o Brasil não adotará as novas sanções recém-anunciadas por Donald Trump contra o regimeNicolás Maduro.

Acampamentorefugiados venezuelanos montado pelo Exército Brasileiro e a Agência das Nações Unidas para Refugiadosabril2018

Crédito, Antonio Cruz/Agência Brasil

Legenda da foto, Ministro diz que Brasil quer cooperação com a Venezuelamatériavigilância epidemiológica e vacinação

O mesmo comportamento será adotadorelação ao Irã, classificado pelo presidente americano na última terça-feira como "ditadura corrupta" que "semeia caos, morte e destruição". À BBC News Brasil, o chanceler brasileiro "lamentou o retrocesso" nas relações entre EUA e Irã, que classificou como "um paísgrande tradição e enorme importância".

Empenhadoagregar apoio para uma reforma no ConselhoSegurança da ONU e na assinaturaum acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, Nunes também revelou interesse pela adoçãouma moeda única na América Latina, seguindo os moldes do euro.

"Simpatizo muito (com a ideia). E também acho que no futuro podemos ter (no Mercosul) integração até no nível político, como na União Europeia, com instâncias políticas decisórias comuns."

Veja a seguir os principais trechos da entrevista do chanceler à BBC News Brasil.

BBC News Brasil - O senhor tem participadoencontros com líderes estrangeiros na ONU. Qual será o primeiro a render efeitos práticos para o Brasil?

Nunes - O encontro que tem relevância mais imediata foi com a comissária (para Comércio) da União Europeia (UE), Cecília Malmstrom, sobre o acordocomércio que estamos negociando entre Mercosul e UE. É importante para o Mercosul, porque vai permitir acesso a um mercado enorme, com grande poder aquisitivo.

Do pontovista político e estratégico, é uma diversificação das relações externas do Mercosul com uma região economicamente da maior relevância.

As negociações começaram há 18 anos, e só nos últimos dois anos, especialmente depois da mudança nos governos do Brasil e da Argentinaproluma políticamaior abertura, elas ganharam novo impulso. Ela estámomento crítico, final, mas ainda existem questões delicadas que precisam ser resolvidas dos dois lados.

Nesta conversa, estabelecemos uma listaproblemas que na visão da UE ainda não têm solução.

BBC News Brasil - Quais são?

Nunes - Algumas são grandes, importantes, como a possibilidadeum acesso maior dos produtos agrícolas do Mercosul.

Produtos como carne e açúcar, no estado atual do acordo, estão sujeitos a cota. Nós compreendemos as razões da proteção europeia àagricultura, mas acreditamos que 100 mil toneladascarne bovina para um bloco que consome 8 milhõestoneladas não vão ameaçar a existência dos fazendeiros europeus. Pretendemos que pelo menos não haja tarifa cobrada dentro desta cota.

Algumas questões são bastante irrelevantes. Por exemplo, o tamanhogarrafas do comérciovinhos. Eu prefiro me dedicar ao conteúdo e não ao tamanho das garrafas (risos).

Por iniciativa da Presidência uruguaia, os presidentes (dos países do Mercosul) determinaram a revisão dessa lista para eliminar o que não for realmente importante e nos concentrarmos nos temas decisivos.

BBC News Brasil - O que será discutido com a Venezuela?

Nunes - Foi iniciativa deles. Temos relações diplomáticas e não há razão para negar os encontros. Temos uma fronteira bastante extensa, uma comunidade brasileira importante morando lá, três consulados, uma imigração sem uma dimensão dramática como a que existedireção a outros países.

Nos preocupa o pontovista da saúde. Queremos há bastante tempo uma cooperaçãomatériavigilância epidemiológica e vacinação. Já propusemos, à semelhanca do que temos com os outros vizinhos, um programacooperação contra crimes transnacionais. Vou tratar desses temas, eles nos interessam. A nossa posiçãorelação a Venezuela é conhecida e temos tratado das nossas diferenças na OEA e no Mercosul.

O ministroRelações Exteriores, Aloysio Nunes, durante cerimôniaassinaturaacordos entre Brasil e Colômbiafevereiro2018

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil

Legenda da foto, Aloysio Nunes lamentou o retrocesso no acordo firmado entre Irã e EUA

BBC News Brasil - Pode-se esperar uma redução nas hostilidades entre os dois países? Há climareconciliação?

Nunes - Hostilidade não há. A Venezuela retirou o embaixador do Brasil logo depois da posse do presidente Temer.

Nós também retiramos, mas depois devolvemos o nosso embaixador a Caracas, sem contrapartida, porque nos interessa manter um diálogo com todos, ainda que não concordemos com a forma como o regime político da Venezuela vem descumprindo compromissos democráticos que assumiu.

BBC News Brasil - Donald Trump anunciou na ONU novas sanções contra Maduro. O Brasil embarcará nelas?

Nunes - O Brasil não adota sanções unilaterais. Nós adotamos aquelas que forem decididas aqui no ConselhoSegurança. Fora isso, não temos.

BBC News Brasil - O mesmo vale para o Irã ?

Nunes - O mesmo vale para o Irã.

BBC News Brasil - Como vê a elevaçãotomDonald Trump contra o Irã?

Nunes - O acordo assinado pelo presidente Obama e por países europeus com o Irã foi um enorme passo para o relaxamento da tensão internacional e da incorporação plena à comunidade internacional do Irã, que é um paísgrande tradição, tem enorme importância.

Lamento o retrocesso, e os demais países signatários do acordo também lamentam.

BBC News Brasil - O Mercosul tem se aproximado da Aliança do Pacífico (formada por Chile, Colômbia, México e Peru). A meta é uma grande árealivre-comércio nas Américas?

Nunes - Nós teremos na América do Sul, a partir do ano que vem, tarifa zero entre os países. A questão tarifária não será um grande problema. Nós queremos ir além dos acordostarifas, queremos facilitaçãocomércio, proteção e cooperaçãoinvestimentos, convergências regulatórias, cooperação aduaneira.

Trump sentado numa cadeira nas Nações UnidasNova Yorksetembro2018

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Donald Trump anunciou na ONU novas sanções contra o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro

BBC News Brasil - Um dia teremos na América Latina uma situação semelhante à europeia, com livre trânsito e…

Nunes - Espero que sim. Se considerarmos os países da Aliança do Pacífico na América do Sul, nós temos 80% da economia latino-americana. Alguns países estão muito engajados neste processo. O Chile está e estamos negociando um acordo bilateral com esta ambição. O México está muito engajado também.

BBC News Brasil - Há conversas sobre a adoçãouma moeda única?

Nunes - Ainda não. Para moeda única, precisamos ter regras orçamentárias e políticas monetárias comuns, o que ainda está bastante distante, dada a heterogeneidade que existe.

BBC News Brasil - O senhor simpatiza com a ideia?

Nunes - Eu simpatizo muito com a ideia. Simpatizo muito. E também acho que no futuro podemos ter integração até no nível político, como na União Europeia, com instâncias políticas decisórias comuns.

Hoje há uma visão muito compartilhada nos países latino-americanos sobre a importânciaparâmetrostransparência, combate à corrupção, responsabilidade fiscal, políticas sociais robustas e focadas nos mais pobres.

Também (há) o valor da abertura e da integração. A opinião pública brasileira,umas décadas para cá, se coloca senhorauma identidade latino-americana. Há condições sociológicas, políticas e mesmo o imperativo econômico que favorecem este encaminhamento. Mas eu não seria capazdizerquanto tempo.

BBC News Brasil - A última capa da revista The Economist levanta a possibilidaderisco à democracia no Brasil e na América Latina. O senhor teve um papelresistência durante o período militar. Como se sente quando vê parte da população brasileira defendendo aquela época e candidatos defendendo torturadores?

Nunes - Bom, a capa da Economist não é muito boamatériaprofecias.

No Brasil, não há o menor riscoretrocessorelação à democracia. Ela é solidamente estabelecida na opinião dos brasileiros, nas instituições jurídicas. Não há o menor riscoretrocessomatéria democrática.

Há hoje duas candidaturas que se colocam como antípodas no universo político brasileiro, que são as candidaturas que estão hoje na frente (Bolsonaro/PSL e Fernando Haddad/PT), mas nenhuma delas contesta o regime democrático, tanto é que se apresentaram perante o eleitorado para obter os seus sufrágios. O deputado Jair Bolsonaro jogaacordo com as regras da democracia. Tanto é que é deputado há 30 anos.

Os deputados Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro falam com a imprensa2016

Crédito, Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Legenda da foto, Para Aloysio Nunes, eleitoresBolsonaro são conservadores, especialmentematériacostumes

BBC News Brasil - Mas vemos hoje manifestações públicas, protestospessoas pedindo o que chamam"intervenção militar". Como se sente, por mais que estes grupos sejam restritos?

Nunes - São muito minoritários. De vezquando eu vejo meia dúziafanáticos alifrente ao meu Ministério pedindo intervenção militar sob o olhar, digamos, divertido das pessoas, que olham como quem observa um grupolunáticos. Não têm a menor relevância.

Agora, é claro, nós temos no Brasil uma opinião conservadora,direita, como nós temos na Inglaterra, na França. Nós temos opiniões conservadoras, fortemente conservadoras na sociedade brasileira, que se refletem na política. Elas não tinham encontrado até agora um canalmanifestação política. Agora encontraram no Bolsonaro.

Mas não quer dizer que sejam contrários à democracia, eles são conservadores, especialmentematériacostumes.

BBC News Brasil - Mas, segundo as pesquisas eleitorais do primeiro semestre, ao apoiar o Lula, grande parte dos eleitores defendia um projeto oposto ao conservadorismo que senhor descreve.

Nunes - Lula não era absoluto. Ele era importante, as pesquisas davam a ele 30%, 35%. Mas, e os outros?

Há uma corrente conservadora bastante considerável, com expressão no Congresso Nacional. Tanto é que não se consegue tirar a penalização do aborto, consagrada no Código Penal brasileiro. Porque há uma presença no Congresso Nacional que não concorda com isso, e são deputados eleitos diretamente pelo povo.

Então, Lula é um líder político importante, foi condenado por corrupção, por isso não pode participar das eleições, mas não é um líder absoluto no Brasil, pelo contrário.

BBC News Brasil - O líder agora é Bolsonaro.

Nunes - O que quero dizer é o seguinte. Há uma opinião conservadora no Brasil que deseja ordem, o combate frontal à criminalidade, ainda que sem muita preocupação com direitos humanos, e que é muito conservadora, sobretudomatériacostumes.

Esta opinião não tinha encontrado até agora um veículoexpressão política. Agora encontrou. Havia encontrado nas eleições parlamentares, mas nãoeleição majoritária, como a que estamos vivendo agora.

BBC News Brasil - Qual seria o impacto nas relações internacionais se Jair Bolsonaro virasse presidente do país?

Nunes - Acho que não é bom. Poderá levantar polêmicas que não interessam ao Brasil, porque o Brasil tem visão muito positiva da cooperação internacional, da defesa dos direitos humanos, o multilateralismo.

Mas lembro a você que não teremos apenas eleição presidencial, teremos eleição para o Congresso Nacional. O Brasil é signatárioacordos e convenções aprovadas pelo Congresso e que não podem ser revogadas por uma "penada".

Também temos o poder Judiciário, que vela sobre estes temas, a grande maioria deles já internalizados na legislação. De modo que não creio que possa haver nenhum retrocesso nesta matéria.

Todos os candidatos à Presidência da República e o Congresso Nacional, todos, são favoráveis ao multilateralismo por compreenderem que é preciso ter regras internacionais que precisam ser respeitadas por todos. De modo que não há nenhuma perspectivaretrocesso na atuação internacional brasileira.

Senador Aloysio Nunes durante sessão no Senadojunho2016

Crédito, Wilson Dias/Agência Brasil

Legenda da foto, Aloysio Nunes foi eleito senador pelo PSDBSão Paulo e o mandato dele termina este ano

BBC News Brasil - O senhor se reuniu com o G4 (que reúne Índia, Alemanha, Japão e Brasil) e o governo defende a reforma do ConselhoSegurança da ONU. Qual é o modelo ideal e quais são as conversas entre estes países?

Nunes - Este grupo já se reúne há muito tempo. O objetivo é uma reforma do ConselhoSegurança, para que ele seja mais representativo do que são as Nações Unidas hoje.

A composição se mantém a mesma desde o imediato pós-guerra e o mundo mudou muito. Nós lutamos pelo aumento do númeromembros permanentes e não-permanentes e também por uma revisão dos métodostrabalho, que são muito opacos e fechados.

BBC News Brasil - Como assim?

Nunes - Os membros das Nações Unidas ficam observando o que faz o Conselho, sem possibilidadeparticipar ou interferir nas deliberações.

Já há movimentos da parte da França, por exemplo, no sentidouma abertura na negociação sobre direitoveto. Propõe que o veto só possa ser exercidotemas muito, muito graves.

O Brasil até propõe que, durante um certo tempo, os países que vierem a aceder ao Conselho como membros permanentes se abstenham durante certo tempo do uso eventual do direitoveto, até uma reuniãorevisão do que for adotado.

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