Minha Casa, Minha Vida piorou cidades e alimentou especulação imobiliária, diz ex-secretária do governo Lula:bet esportiva

Conjunto residencial do MCMVbet esportivaCascavel, Paraná

Crédito, Ana Nascimento/Agência Caixa

Legenda da foto, Nos conjuntos que visitou, Maricato diz que maioria das famílias está satisfeita com as casas. "Antes, muitas delas viviambet esportivaaluguel. Hoje pagam parcelas ínfimas e podem até alugar os imóveis"

Líder da Reforma Urbana

Ermínia Maricato
Legenda da foto, Urbanista coordenou propostabet esportivacriação do Ministério das Cidades, mas deixou pasta após o mensalão

Autorabet esportivanove livros sobre habitação e urbanismo, Maricato coordenou a propostabet esportivacriação do Ministério das Cidades, executada por Lula apósbet esportivaascensão à Presidência,bet esportiva2003.

Ela havia se projetado nas décadas anteriores como uma das líderes do movimento pela Reforma Urbana, que pretendia tornar as cidades brasileiras menos desiguais e se organizava nas Comunidades Eclesiaisbet esportivaBase (grupos ligados à Igreja Católica nas periferias e zonas rurais).

Maricato discursoubet esportivanome do movimento na Assembleia Constituinte,bet esportiva1988, e articulou a inclusão do conceitobet esportivafunção social da propriedade na Constituição. Um dos principais trunfosbet esportivamovimentos sem-teto e sem-terra, o conceito define que as propriedades devem atender interesses coletivos, e não apenas individuais.

Condomínio do Minha Casa Minha Vida
Legenda da foto, Câmaras Municipais incluíram fazendas no perímetro urbano para atrair obras do MCMV, diz urbanista (Foto: Ermínia Maricato)

Entre 1989 e 1992, ela atuou como secretária da Habitação e Desenvolvimento Urbano no governo da então petista Luiza Erundina,bet esportivaSão Paulo. A urbanista diz que umbet esportivaseus objetivos era tornar favelas e periferias menos insalubres, reduzindo a incidênciabet esportivaepidemias e doenças pulmonares por faltabet esportivaventilação. Outra prioridade era construir moradiasbet esportivaparceria com movimentos sociais.

Nesse modelo, o governo providencia terrenos e contrata arquitetos e engenheiros para projetar as casas. As unidades são construídas com recursos do governo pelos próprios moradores ou com a ajuda deles. Ela afirma que o programa foi um grande sucesso. O Minha Casa, Minha Vida prevê a possibilidadebet esportivaconstruir moradias dessa maneira, mas os gastos com esse modelo representam 2% dos investimentos totais do programa, segundo Maricato.

Ciclo virtuoso

Maricato diz que, nos anos 1990, iniciativas bem sucedidasbet esportivahabitação se espalhavam por várias cidades, entre as quais Recife, Salvador, Belém, Goiânia e Porto Alegre.

Os avanços ocorriam apesar dos temposbet esportivavacas magras. "Tínhamos um ciclo virtuoso produzindo políticas inovadoras. Esse ciclo se rompe exatamente no momentobet esportivaque o Ministério das Cidades é criado."

Não era isso o que Maricato esperava ao batalhar pela criação do órgão, projetado para integrar as políticasbet esportivahabitação àsbet esportivatransporte, saneamento e regulação do solo urbano.

Para chefiar o órgão recém-criado, Lula escolheu um quadro histórico do PT: o ex-governador gaúcho Olívio Dutra, que nomeou Maricato como secretária executiva. Ela conta que seu objetivo era federalizar as experiências positivas das prefeituras. Os trabalhos, porém, foram interrompidos com o escândalo do mensalão, quando o PT foi acusadobet esportivacomprar apoio político no Congresso.

Entre outras medidas para acalmarbet esportivabase, Lula entregou o Ministério das Cidades ao Partido Progressista (PP). Olívio e Maricato deixaram o órgão.

O governo estava prestes a dar outro rumo às políticas urbanísticas e habitacionais - e justamente quando os cofres do governo estavam mais cheios, graças à arrecadação turbinada pela exportaçãobet esportivamatérias-primas e pelo consumo das famílias.

"Enquanto não tínhamos recursos e estávamos sob ajuste fiscal, com dívida pesada, tivemos controle sobre os gastos. Quando apareceram os recursos, os capitais tomaram conta."

Cercabet esportivamadeira e pasto próximo a condomínio do Minha Casa Minha Vida
Legenda da foto, Condomínio do MCMVbet esportivaCampina Grande (PB) cercado por propriedades rurais (Foto: Ermínia Maricato)

'Como uma luva'

Em 2008, para tentar atenuar os efeitos da crise financeira global, o governo Lula buscou estimular a construção civil. Muitas empresas do setor estavam descapitalizadas.

"O Minha Casa, Minha Vida veio como uma luva: as empreiteiras e os incorporadores imobiliários privados se reunirambet esportivatorno dele", diz Maricato.

Para tirar o programa do papel, o governo transferiu recursos do Ministério das Cidades para a Caixa. Nas obras da faixa 1, para famílias com rendabet esportivaaté R$ 1.600 por mês, construtoras recebem recursos do banco para erguer as residências. O governo arca com até 90% do custo dos imóveis, e o valor restante é quitado pelas próprias famílias.

Nas faixas 2 e 3, que cobrem famílias com rendabet esportivaaté R$ 6.500, a Caixa oferece empréstimos subsidiados às pessoas interessadasbet esportivacomprar as residências.

Para as construtoras participantes, uma das maneirasbet esportivaampliar os lucros é economizar na compra dos terrenos - por isso muitas buscaram áreas mais baratas nos arredores das cidades.

Segundo o governo federal, o MCMV contratou a construçãobet esportivacercabet esportiva5 milhõesbet esportivaresidências, o que o torna o maior programa habitacional da história do país. A Caixa diz que 14,7 milhõesbet esportivapessoas - o equivalente a 7% da população brasileira - já receberam moradias pelo programa.

Entre as unidades contratadas, cercabet esportiva39% se destinavam à faixa 1, 49%, à faixa 2, e 12%, à faixa 3.

Deficit habitacional

Ao lançar o programa, o governo Lula tinha como meta reduzir o deficit habitacional - que,bet esportiva2009, era calculadobet esportiva5,7 milhõesbet esportivadomicílios pelo Institutobet esportivaPesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Maricato afirma, porém, que nem sempre construir moradias é a melhor formabet esportivareduzir o deficit, pois o índice contabiliza moradias precárias, muitas das quais poderiam se adequar aos padrões com reformas.

Vista aéreabet esportivaconjuntobet esportivaSão José dos Campos
Legenda da foto, Conjunto do MCMVbet esportivaSão José dos Campos (SP); maisbet esportiva5 milhõesbet esportivamoradias foram contratadas pelo programa (foto: Ermínia Maricato)

Outro problema, segundo Maricato, é a contabilizaçãobet esportivamoradias habitadas por maisbet esportivauma família. Em muitos casos, diz ela, as famílias moram juntas por opção.

"Entendo que tanto os movimentos (de luta por moradias) quanto os empresários gostembet esportivatrabalhar com o conceitobet esportivadeficit, mas moradia é uma mercadoria especial, não dá para pensá-la como fábricabet esportivaautomóvel."

Segundo ela, a mesma doutrina já havia dominado as políticas habitacionais durante a ditadura militar (1964-1985), quando o Banco Nacionalbet esportivaHabitação (BNH) financiou a construçãobet esportivacercabet esportiva4 milhõesbet esportivaresidências, grande parte,bet esportivaáreas periféricas.

Maricato diz que o Minha Casa foi concebido não no Ministério das Cidades, mas sim na Casa Civil, à época chefiada pela então ministra Dilma Rousseff. "Mas o DNA do programa vem da ditadura e das empreiteiras, exatamente como (a hidrelétrica de) Belo Monte".

A BBC Brasil enviou as críticasbet esportivaMaricato sobre o programa ao PT, que sugeriu encaminhá-las à assessoriabet esportivaDilma. A ex-presidente não quis se pronunciar.

Urbanizaçãobet esportivafavelas

Maricato afirma que, ao lançar o primeiro Programabet esportivaAceleração ao Crescimento (PAC),bet esportiva2007, o governo ainda destinou investimentos significativos para a urbanizaçãobet esportivafavelas, mas que esses recursos foram minguando à medida que o governo passou a priorizar a construçãobet esportivacasas novas.

Para Maricato, construir residências era importante, mas descuidar das favelas e periferias foi um grande erro. "Tem que fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Construir sem regular as áreas já ocupadas gera uma demanda fora da cidade consolidada."

Lixo ao ladobet esportivacondomínio do MCMV
Legenda da foto, Lixobet esportivaterreno vizinho a condomínio do MCMVbet esportivaUberlândia (MG); para Maricato, localização dos conjuntos dificulta chegadabet esportivaserviços públicos (foto: Ermínia Maricato)

Outro problema sério, segundo ela, foi a construçãobet esportivaresidênciasbet esportivaáreas distantes dos centros urbanos. "As cidades explodiram horizontalmente, algo que todo urbanista condena, porque você tembet esportivaestender a redebet esportivaágua, esgoto,bet esportivatransporte. Quem paga por isso? Todos. E os que ganham são muito poucos: as empreiteiras, as incorporadoras imobiliárias e os donosbet esportivaterrenos."

Ela conta que a Caixa, executora do programa, criou uma regra para impedir a realizaçãobet esportivaobras fora das cidades. Mas as Câmaras Municipais, responsáveis por definir as zonas rurais e urbanas dos municípios, passaram a estender os limites dos perímetros urbanos para atrair construções.

"As Câmaras incluíram fazendas no perímetro urbano. O que acontece no fimbet esportivasemana nos conjuntos habitacionais criados nessas áreas? O ônibus não vai, você tem um exílio na periferia."

A Caixa não quis se pronunciar sobre as críticasbet esportivaMaricato.

A urbanista afirma ainda que, por estarem longe das cidades e dos empregos, os novos bairros também são mais difíceisbet esportivapoliciar e vulneráveis ao crime organizado.

"A cidade segura é compacta, com mixbet esportivauso: tem moradia e trabalho, está vivabet esportivadia ebet esportivanoite."

Ela diz ter visitado conjuntos dominados por criminososbet esportivaCampina Grande (PB) e afirma que 40 mil pessoas que viviam no centro do Riobet esportivaJaneiro se mudaram para condomínios do MCMV controlados por milícias na Baixada Fluminense. Em 2015, 39 desses conjuntos foram alvobet esportivauma operação da polícia fluminense contra milícias.

Valorizaçãobet esportivaterrenos

Maricato diz que um dos pontos positivos do MCMV foi criar um mercado para as classes média-média e média-baixa. Até então, segundo ela, esses grupos tinhambet esportivaconstruir suas próprias casas.

A professora diz que investimentos do programa nas faixas 2 e 3 verticalizaram bairrosbet esportivaOsasco, Guarulhos, São Bernardo do Campo e Santo André, nos arredoresbet esportivaSão Paulo.

"Foi positivo para essas áreas. Mas tem um problema: o pessoal mais pobre foi empurrado para a periferia da periferia, inclusive áreasbet esportivaproteçãobet esportivamananciais. A fronteirabet esportivaocupação predatória foi ampliada, porque o preço da terra subiu na periferia."

Favela
Legenda da foto, Para Maricato, governo deveria investirbet esportivaurbanização das favelas e construçãobet esportivaresidências simultaneamente

Outro aspecto positivo foi o alívio financeiro e melhoria das condiçõesbet esportivahabitação para as famílias mais pobres beneficiadas pelo programa.

Nos conjuntos que visitou por todo o Brasil, Maricato diz que a maioria das famílias está satisfeita com as casas. "Antes, muitas delas viviambet esportivaaluguel. Hoje pagam parcelas ínfimas e podem até alugar os imóveis."

Por outro lado, afirma que os moradores passaram a perder mais tempo e dinheiro se deslocando no cotidiano. Mesmobet esportivacidades médias como Uberlândia (MG), Maricato diz que se tornaram comuns casosbet esportivamoradores do MCMV que levam até uma hora e meia para chegar ao trabalho.

Em cidades grandes, ela diz que muitas famílias vivem o seguinte dilema: ou gastam mais para morar no centro e economizar com o transporte, ou vão para a periferia, onde economizam com a moradia, mas gastam mais com o deslocamento.

Não é uma equação fácil, afirma Maricato. Em São Paulo, o aluguelbet esportivaum cortiço na região central pode custar R$ 800 ou R$ 900, quase um salário mínimo. Na periferia, há quem gaste R$ 400 ou mais com transporte público todo mês.

Segundo ela, as condições levam muitas famílias a ocupar prédios vazios no centro da cidade. "Há movimentos sociais incríveis, que prestam serviços e ocupam imóveis ociosos que não estão seguindo a lei. Mas também surgem aproveitadores, porque há uma multidão precisando morar e que não consegue pagar nem transporte nem aluguel."

Após deixar o governo Lula, Maricato diz que continuou próxima do PT. Só se afastou anos depois quando percebeu "que nem o PT nem os movimentos sociais estavambet esportivalinhabet esportivamudança".

"Ao invésbet esportivatransformar o Estado, eles foram transformados pelo Estado."

Mesmo assim, a professora avalia que o PT está sendo perseguido pela Justiça - e que Lula foi preso injustamente.

"Sou crítica à política que o PT fez, mas não deixobet esportivareconhecer que houve distribuiçãobet esportivarenda e liberdade", afirma.