Como um tropeiro do século 18 espalhou mutação genética rara que causa câncer no Brasil:sporting bet aposta presidente
"No meu primeiro ano trabalhando do A.C. Camargo Cancer Center (Hospital do Câncersporting bet aposta presidenteSão Paulo) eu vi 35 pacientes que diagnostiquei com a síndrome. As pessoas diziam que eu estava louca, mas percebi que havia algosporting bet aposta presidentediferente ali."
A descoberta também uniu famíliassporting bet aposta presidentediversas cidadessporting bet aposta presidentetornosporting bet aposta presidenteum surpreendente ancestral comum: um tropeiro do século 18.
Guardião do genoma
A Síndromesporting bet aposta presidenteLi-Fraumeni é uma sériesporting bet aposta presidentetipossporting bet aposta presidentecâncer causados pela mutação no TP53, considerado um "guardião do genoma".
"Quando as células se dividem e ocorre um erro, o organismo tem que corrigir esse erro para que a célula não fique alterada ou provocar a morte desta célula. O câncer ocorre quando o organismo não consegue fazer nenhuma das duas coisas, e as células danificadas se proliferam desordenadamente", explica a oncogeneticista Maria Nirvana Formiga, atual líder do departamentosporting bet aposta presidenteoncogenética do A.C. Camargo.
O TP53 executa várias funções no ciclo celular e tenta impedir justamente que as células que têm erros se proliferem, dando origem a tumores. Uma mutação nele compromete essa característica. E basta que um dos pais tenha a mudança para que ela seja passada adiante.
"Uma pessoa com Li-Fraumeni basicamente tem uma chance bem superiorsporting bet aposta presidentedesenvolver câncersporting bet aposta presidentedeterminadas partes do corpo, mais do que a populaçãosporting bet aposta presidentegeral", diz Formiga.
Um portador ou portadora da mutação genética pode ter somente um tumor, diversos tumores independentes, como a primeira pacientesporting bet aposta presidenteMaria Isabel Achatz, ou mesmo nunca desenvolver a doença. Mas,sporting bet aposta presidentegeral, é comum que tenham um históricosporting bet aposta presidentediversos familiares que morreramsporting bet aposta presidentecâncer.
Os tipossporting bet aposta presidentecâncer mais característicos da síndrome são o câncersporting bet aposta presidentemama antes dos 35 anos, os chamados sarcomas ósseos ousporting bet aposta presidentepartes moles (que podem aparecersporting bet aposta presidentediversos tecidos do corpo, como os músculos) antes dos 45 anos, leucemias, tumores nas glândulas adrenais (que ficam acima dos rins) e no sistema nervoso central.
"Quando há um familiar com um desses tumores e outro familiar com outro, já consideramos que pode haver Li-Fraumeni naquela família", explica a oncogeneticista.
Ancestral tropeiro
No início dos anos 2000, a pesquisasporting bet aposta presidenteMaria Isabel Achatz chamou a atençãosporting bet aposta presidenteum pesquisador francês, que a encorajou a descobrir o porquê da "situação única" que ela havia observadosporting bet aposta presidenteseus pacientes no Brasil. Alémsporting bet aposta presidentesua pesquisasporting bet aposta presidenteSão Paulo, cientistas no Paraná e no Rio Grande do Sul já faziam questionamentos semelhantes sobre a frequência com que se deparavam com a síndrome.
Ela começou pela análise do gene TP53 nas pessoas que suspeitava que sofressemsporting bet aposta presidenteLi-Fraumeni, para encontrar a mutação que causava a doença - mutações diferentes no mesmo gene podem levar à síndrome.
"Um gene é compostosporting bet aposta presidentecinco partes e, na época, a maioria das pessoas analisava apenas a parte central, que faz a ligação com o DNA. Mas nos meus pacientes eu não encontrava nada. Fiquei arrasada, achei que estava diagnosticando errado", relembra.
Mas a geneticista descobriu que a mutaçãosporting bet aposta presidenteseus pacientes estavasporting bet aposta presidenteoutra parte do gene TP53, o que tornava o Li-Fraumeni brasileiro único no mundo.
Com a descoberta, ela voltou ao país e começou a pedir que algunssporting bet aposta presidenteseus pacientes perguntassem aos familiares se eles também não teriam interessesporting bet aposta presidentesaber se, por acaso, teriam a doença.
Foi assim que a família da nutricionista Regina Romano,sporting bet aposta presidente33 anos, descobriu por que perdia tantos membros para o câncer.
"Uma sobrinha da minha avó se tratava com a doutora Maria Isabel Achatz. E aí ela começou a pesquisa e veio atrás da família no interiorsporting bet aposta presidenteSão Paulo", disse à BBC Brasil.
Na primeira reunião com a família, a médica se viu, pela primeira vez, explicando simultaneamente a quase 30 pessoas, na cozinha da matriarca, do que se tratava a síndrome e por que ela precisaria coletar o sanguesporting bet aposta presidentetodos eles - ou, pelo menos,sporting bet aposta presidentetodos os que quisessem se submeter a um teste genético.
"Quando voltei para São Paulo eles me ligaramsporting bet aposta presidentenovo e disseram que toda a família decidiu testar. Mas eu não sabia que viriam dois ônibussporting bet aposta presidenteturismo, porque um deles era prefeito da cidade vizinha e organizou a viagem", conta.
A matriarca da família, segundo os resultados, tinha o gene defeituoso, apesarsporting bet aposta presidentenunca ter desenvolvido a doença. Pelo menos trêssporting bet aposta presidenteseus quatro filhos também tinham, e passaram a algunssporting bet aposta presidenteseus netos.
"Ela disse para mim: 'Isso é coisa do meu avô tropeiro. Ele sumia uns seis meses e voltava. Acho que deixava umas famílias aí pelo caminho'. E aquilo me chamou a atenção", relembra a médica.
Durante o século 18, os tropeiros eram homens que conduziam tropassporting bet aposta presidentecavalos por estradas regiões Sudeste e Sul do Brasil fazendo o comérciosporting bet aposta presidentemercadorias.
"Na época, eu comprei um livro sobre os tropeiros onde estava um mapa da rota mais comum que eles seguiam. Em seguida, marqueisporting bet aposta presidenteoutro mapa as cidadessporting bet aposta presidenteonde vieram os pacientes que eu tinha diagnosticado. Sobrepus os dois mapas e eram idênticos."
Mas se diversos tropeiros faziam a mesma rota, como saber se apenas um foi o responsável pela transmissão da síndromesporting bet aposta presidenteLi-Fraumeni para diversas famílias?
Com o material genético dos pacientes, os pesquisadores fizeram também uma comparaçãosporting bet aposta presidentepolimorfismos intragênicos - marcas específicas nos genes que só pessoas da mesma família apresentam e que funciona como uma espéciesporting bet aposta presidentetestesporting bet aposta presidentepaternidade.
"Encontramossporting bet aposta presidentetodas as nove famílias grandes que testamos o mesmo painel, e a probabilidadesporting bet aposta presidenteencontrar isso na população é quase impossível. Ficou claro que eles têm uma origem comum. Aí fizemos uma hipótese histórica", afirma Achatz.
O dilemasporting bet aposta presidente'passar o gene adiante'
A própria Regina Romano demorou cercasporting bet aposta presidentetrês anos para descobrir que também carregava o "gene tropeiro" da família. Ela não estava na cozinha da avó no diasporting bet aposta presidenteque Maria Isabel Achatz, acompanhadasporting bet aposta presidenteseu orientador francês, esteve lá.
"Meu pai fez o teste genético, o irmão dele e mais alguns primos, mas ele não contou para mim. Só fiquei sabendo quando a médica pediu que eles refizessem o exame, porque alguns resultados se perderam", diz.
Em 2014, já com o diagnóstico da síndrome, Regina descobriu um câncersporting bet aposta presidentemama. "Eu já fazia acompanhamento, mas a gente nunca acha que vai ter. Então foi difícil. Eu ia casar dali a um ano, queria engravidar e darsporting bet aposta presidentemamar", relembra, emocionada.
A Síndromesporting bet aposta presidenteLi-Fraumeni não pula gerações. Isso quer dizer que a probabilidadesporting bet aposta presidentefilhos herdarem a mutação genética dos pais é alta, mesmo que eles nunca tenham tido um câncer.
Ao pensarsporting bet aposta presidenteengravidar, Regina foi confrontada pela primeira vez com a possibilidadesporting bet aposta presidentequesporting bet aposta presidentefilha também tivesse a condição. Crianças precisam ser acompanhadas com frequência - devem fazer exames a cada quatro meses pelo menos até os cinco anossporting bet aposta presidenteidade - por causa do alto riscosporting bet aposta presidentetumores nas glândulas adrenais nesse período.
Alguns pacientes, segundo médicos e psicólogos do hospital A.C. Camargo, optam por procedimentos como vasectomia e histerectomia, para evitar passar a síndrome adiante.
Os especialistas também aconselham os casais sobre a possibilidadesporting bet aposta presidentefazer a fertilização in vitro e pré-selecionar embriões que não tenham a mutação. Regina, no entanto, decidiu enfrentar a loteria da genética.
"Pra mim não fazia sentido fazer essa pré-seleção porque seria como se minha mãe tivesse dito: 'Não quero você aqui, Regina'. Meu marido e eu combinamos que aceitaríamos o que viesse, fosse com síndrome ou sem síndrome", afirma.
"Mas quando eu engravidei é que veio toda a preocupação. Com um mês e meio fui tirar o sangue dela para o teste genético e acho que nunca chorei tanto."
A filhasporting bet aposta presidenteRegina não herdou a mutação da família. Mas uma sobrinha, sim. "Pensosporting bet aposta presidenteter outro bebê, mas é muito difícil considerar isso agora."
Diferenças brasileiras
Por sersporting bet aposta presidenteum local diferente do gene TP53, a mutação brasileira faz com que a síndromesporting bet aposta presidenteLi-Fraumeni tenha características distintas aqui quando comparada com outros lugares do mundo.
Uma delas é a probabilidadesporting bet aposta presidentedesenvolver tumores. Em geral, portadores da síndrome, homens e mulheres, têm cercasporting bet aposta presidente90% a 100% mais chancessporting bet aposta presidenteterem câncer do que a populaçãosporting bet aposta presidentegeral. No Brasil, mulheres têm cercasporting bet aposta presidente78%sporting bet aposta presidenteprobabilidade e,sporting bet aposta presidentehomens, ela é menor do que 50%.
No resto do mundo, mutações genéticas no TP53 também costumam causar câncer mais cedo -sporting bet aposta presidente50% dos casos, antes dos 30 anos. No caso brasileiro, esse índice ésporting bet aposta presidente30%.
"Por isso, os brasileiros com a síndrome vivem mais tempo sem tumores e, por isso, têm mais probabilidadesporting bet aposta presidenteter filhos esporting bet aposta presidentepassar o gene adiante", diz a geneticista Maria Isabel Achatz.
Isso pode ajudar a explicar, diz ela, por que a prevalência da doença do Sul e no Sudeste do Brasil é tão maior do que no resto do mundo. Estudos nas populaçõessporting bet aposta presidentePorto Alegre (RS) esporting bet aposta presidenteCuritiba (PR) demonstraram que umasporting bet aposta presidentecada 300 pessoas tem a síndrome - estima-se que, atualmente cercasporting bet aposta presidente300 mil indivíduos sejam afetados no Brasil.
Em outros lugares, há dados diferentes sobre prevalência da mutação, que vãosporting bet aposta presidenteuma a cada 5 mil pessoas até uma a cada 20 mil, o que faz com que a síndrome seja considerada rara.
Maria Isabel Achatz, hoje no Hospital Sírio-Libanês, ainda pesquisa a hipótesesporting bet aposta presidenteque os portadores Li-Fraumeni no Brasil vivam mais.
"Conversando com os pacientes, percebi que alguns deles tinham maissporting bet aposta presidente70 anos e eram extremamente ativos, praticavam esportes, andavamsporting bet aposta presidentebicicleta. Eu não encontrava casossporting bet aposta presidenteMalsporting bet aposta presidenteAlzheimer, Malsporting bet aposta presidenteParkinson, nem sinaissporting bet aposta presidenteenvelhecimento precoce, pelo contrário", relata.
Se comprovada, a longevidade destes brasileiros também pode ajudar a explicar por que aqui a mutação genética se multiplicou mais rapidamente.
Outro estudosporting bet aposta presidentedesenvolvimento, segundo a geneticista, mostra que a amamentação durante pelo menos sete meses protege mulheres com Li-Fraumeni do câncersporting bet aposta presidentemama.
Grande família
A necessidadesporting bet aposta presidenteacompanhamento constante pelos médicos e a origem comum da doença fez com que pacientes e especialistas decidissem organizar encontros com as famílias brasileiras com Li-Fraumeni.
Em geral, eles ocorremsporting bet aposta presidentehospitais, mas também podem ser eventos lúdicos, como caminhadas. E já há pelo menos um gruposporting bet aposta presidenteFacebook para trocar informações e marcar encontros entre familiares distantes ou entre primos que sequer se conheciam.
"O hospitalsporting bet aposta presidenteSão Paulo é minha segunda casa. Encontro minha famíliasporting bet aposta presidenteMinas lá. Tentamos marcar os exames na mesma data para nos encontrarmos", diz a bancária Vânia Nascimento,sporting bet aposta presidente41 anos, que tem Li-Fraumeni.
Seu avô teve dez filhos, dos quais oito morreramsporting bet aposta presidentecâncer. Em toda a família,sporting bet aposta presidentemaissporting bet aposta presidente50 pessoas, pelo menos 20 manifestaram a doença. Ela foi a primeira da família que conseguiu sobreviver a um tumor.
"Cada vez que alguém morria, nos perguntávamos quem seria o próximo. Não entendíamos o porquêsporting bet aposta presidentetantos casos. E até hoje,sporting bet aposta presidentealguns lugares, vou fazer exames e tenho que explicar aos médicos o que é a síndrome. Muitos não conhecem."
O encontro com outros pacientes, segundo ela, é também uma maneirasporting bet aposta presidenteentender o que o avanço das pesquisas sobre o tema e, principalmentesporting bet aposta presidenteesclarecer as dúvidas dos novos membros da família que descobrem a herança genética.
"O pessoal mais jovem quer saber com o que está lidando e encara numa boa, mas dos mais velhos, muitos não fazem os testes. Alguns não querem nem falar a respeito", conta.
Para Regina Romano, conhecer a "família estendida" da síndrome ajudou a fortalecersporting bet aposta presidentedisposiçãosporting bet aposta presidenteencarar a doença com otimismo.
"A gente vê algumas pessoas que, com qualquer coisa, já pensam: 'Eu vou morrer'. E surtam mesmo. Mas conversamos muito, e os médicos nos explicam que a cura não existe, mas as nossas chances são muito maiores se encontrarmos o tumor no comecinho."
"Também conheci alguns primossporting bet aposta presidenteoutra cidade nessas reuniões, parentes do meu pai. Nós brincamos dizendo: 'Esse maldito tropeiro saiu por aí fazendo filhos e agora estamos aqui", ri.