'Intervenção não pode se resumir a enviocasoo casinocapitão do mato à senzala do século 21', diz ex-chefe da Polícia Civil:casoo casino

Militarcasoo casinoforça especial na Vila Kennedy, no Rio

Crédito, AFP

Legenda da foto, Ex-delegado vêcasoo casinointervenção possibilidadecasoo casinoatacar o problema da corrupção policial

"Por que cercar a favela, se o crime não está ali? O cerne da questão da insegurança não está ali. Aquilo ali é o resultado", afirma, considerando que os "meninos que estão no tráfico" são produto da desigualdade social.

Luz considera que a intervenção federal pode trazer benefícios se deixarcasoo casinolado ações ostensivas nas favelas - que equivalem a "enxugar gelo" e estigmatizam os moradores - e trabalhar para recuperar as estruturas policiais, neutralizando a açãocasoo casinoagentes corruptos e fazendo com que os "mocinhos" - integrantes do sistemacasoo casinosegurança - façam jus à designação popular.

"O problema do Rio não são os bandidos. O problema do Rio são os mocinhos. Se ele recuperar o quadrocasoo casinomocinhos, ele pode dar uma atenção real ao quadrocasoo casinobandidos", afirma.

Hélio Luz, ex-che da Polícia Civil
Legenda da foto, 'Como você mantém os excluídos todos sob controle, ganhando R$ 112 por mês? Com repressão', disse Luzcasoo casinodocumentário há quase duas décadas | Imagem: Walter Carvalho

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

casoo casino BBC Brasil - Como o senhor se posicionacasoo casinorelação à intervenção federal?

casoo casino Hélio Luz - Eu entendo que a intervenção é constitucional. É inédita, mas é constitucional. A discussão está sendo muito reduzida ao oportunismo políticocasoo casinoquem detém o poder. Foi uma medida oportunista? Foi, e nisso está longecasoo casinoser a primeira.

Mas acho que temos que ter uma discussão mais consequente. Estamos falando do problemacasoo casinosegurança da população do Rio. Há uma questão real e podemos ter uma conversa séria sobre isso.

Não vou falar no interventor, que é um cargo político, e sim no general Braga Netto, que manda no Comando Militar do Leste. O CML é o mais antigo e o mais completo arquivocasoo casinoinformações sobre os integrantes das polícias Civil, Militar e dos bombeiros do Estado do Rio. A trocacasoo casinoinformação do Exército com as polícias é constante. A segunda seção das Forças Armadas sabecasoo casinotudo.

Outros comandantes do CML tiveram acesso a essas informações, mas não podiam fazer muita coisa. Agora o general tem acesso a essa inteligência e pode agir com base nela. Pode mudar o comando e mexer nas polícias. Isso é inédito.

casoo casino BBC Brasil - Mas a intervenção tem data para acabar, dia 31casoo casinodezembro. É possível resolver problemas estruturais na áreacasoo casinosegurança?

casoo casino Hélio Luz - Não, para isso, ele precisariacasoo casinomais tempo ecasoo casinouma discussão mais ampla sobre um projetocasoo casinosegurança. Mas ele pode recuperar a estrutura existente.

O grande problema que temos é quem executa a segurança pública. Os integrantes das polícias Militares e Civil. Se o general recuperar as estruturas internas, os agentes que provocam a insegurança ficarão limitados ao ambiente externo.

O problema do Rio não são os bandidos. O problema do Rio são os mocinhos. Se ele recuperar o quadrocasoo casinomocinhos, ele pode dar uma atenção real ao quadrocasoo casinobandidos.

casoo casino BBC Brasil - O mocinho é o policial?

casoo casino Hélio Luz - Não só o policial. São os integrantes do sistemacasoo casinosegurança que operam no Estado do Rio. Pode ser bombeiro, agente penitenciário, policial rodoviário. É preciso transformar o mocinhocasoo casinomocinho.

Crime organizado pressupõe atuação a nível nacional, formaçãocasoo casinoum cartel e inserção nos poderes da República. O que denominam "bandidos" no Rio, e tenho ojeriza a isso, não é crime organizado. O tráfico no Rio não é cartelizado e disputa permanentemente a área geográfica. Não tem um exército ou integrantes constantes. Tem muitos problemas internos.

O pessoal não percebe que isso é um produto da sociedade. Esses meninos que estão no tráfico são um produto direto nosso, da classe média, dos detentores do poder desse país.

casoo casino BBC Brasil - São um produto da desigualdade social?

casoo casino Hélio Luz - São um produto da concentraçãocasoo casinorenda. E não venha me dizer que a Índia ou outros países com desigualdade não têm esse problema. Aqui é diferente, pô. O nosso nívelcasoo casinoconcentraçãocasoo casinorenda é muito alto e resulta nisso.

A favela é produto nosso. Como é que não é produto dos que detêm o poder? Como é que não é produto da classe média? É produto meu. Como é que eu tenho aposentadoria integral e não tenho responsabilidade sobre a favela? Para eu ter meus privilégios, tem que existir favela. Isso é óbvio. O dinheiro público é um só. Se eu abocanho uma maior parte, falta do outro lado. Não há saída para isso.

Ele (o general) tem condiçãocasoo casinorecuperar as estruturas policiais e beneficiar o segmento que mais sofre com essa parafernália toda, o favelado, que é estigmatizado.

Lógico que para isso ele vai precisarcasoo casinoum grupocasoo casinopoliciais civis e militares que não usem o tal do guardanapo da cabeça. Não pode. Polícia que gostacasoo casinobotar guardanapo na cabeça não serve para recuperar.

Militar com rosto encoberto

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Constitucional, inédita e oportunista - assim ex-chefe da polícia civil vê intervenção federal na segurança do Rio

casoo casino BBC Brasil - O senhor está falando do ex-governador Sérgio Cabral e do famoso jantarcasoo casinoParis, com a farra dos guardanapos na cabeça.

casoo casino Hélio Luz - É isso. Você pode ter um guardanapo para limpar acasoo casinoboca, com dinheiro privado. Na hora que você bota o guardanapo na cabeça, é dinheiro público.

Retirar a turma do guardanapo na cabeça é difícil, mas o general pode isolá-los, neutralizá-los. Não precisam ser todos. Na hora que neutraliza uma parte considerável, o restante se enquadra.

A partir disso, ele tem condiçõescasoo casinoreduzir as açõescasoo casinovigilância ostensiva que essas GLOs (operações militares para Garantiacasoo casinoLei e da Ordem) fazem, com tropas nas favelas estigmatizando essas áreas. Como se o problema estivesse dentro das favelas. Não está.

Como ele tem um comando inédito do sistema, ele pode priorizar investigações integradas e coordenadas para prender os agentes externos da insegurança.

Eu tenho muita dificuldadecasoo casinochamarcasoo casinobandido. Aqui no Brasil, chamar o pessoal que mora na favelacasoo casinobandido écasoo casinouma incoerência tremenda. O bandido brasileiro usa terno e gravata.

Se ele (o general Braga Netto) quiser aprofundar as investigações, ele vai parar nas mesascasoo casinocâmbio que operam na avenida Rio Branco (no centro do Rio).

Ninguém pode imaginar que o menino da favela tenha capital o suficiente para bancar os entorpecentes que circulam ali. Quem detém o capital que financia as drogas tem uma mesa que opera câmbio na Rio Branco e um filho que frequenta bons colégios. Se o general chegar lá, aí realmente vai estar combatendo o crime e melhorando as condiçõescasoo casinosegurança do Rio.

Militar caminhacasoo casinofavela ao ladocasoo casinoavenida

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Para Hélio Luz, desigualdade social é indissociável da violência no país

casoo casino BBC Brasil - O senhor diz que o general pode reduzir a ação ostensivas nas favelas, mas a expectativa é que essas ações possam aumentar, e semana passada vimos operações militares inclusive com fichamentocasoo casinomoradores.

casoo casino Hélio Luz - O problema é que até agora foram operaçõescasoo casinoGLO, e elas repetem o trabalhocasoo casinovigilância que a polícia já fazia.

Se ficar operando nessa linha, só vai enxugar gelo. Vai ocorrer o mesmocasoo casinosempre. O pessoal (os traficantes) se afasta porque não quer confronto, mas depois retorna.

Por que fazer uma operação para cercar uma favela, se o crime não está ali? O cerne da questãocasoo casinoinsegurança não está ali. Aquilo ali é resultado.

casoo casino BBC Brasil - Em casoo casino Notíciascasoo casinoUma Guerra Particular casoo casino , o senhor diz que a sociedade brasileira tem a polícia que quer, que garante uma elite com privilégios e uma lei que não vale para todos. O senhor acha que isso mudou?

casoo casino Hélio Luz - Essa pergunta é difícil. Acho que o Brasil que vivemos na décadacasoo casino60 mudou. Tivemos avanços. Naquela época não podia se falar nada sobre um senador (sobre ações ilícitas). Hojecasoo casinodia, um senador está vulnerável.

Mas um dos grandes problemas que temos nesse país é a tolerância com a ação à margem da lei. Vivemoscasoo casinoum tempocasoo casinoque é admitido você ficar na franja. Os atos inconstitucionais estão se normalizando. A violação à lei está sendo admitida com muita tranquilidade.

Qual é a referência que se dá ao infrator que está lá na ponta? Quando a infração é praticada pelo excluído, você chama o Exército. Quando é praticada pela classe média e pelos detentores do poder, nada.

Se a lei é para ser cumprida na favela, é para ser cumprida por todo mundo. Ou a lei vale para todos ou não vale para ninguém.

Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil
Legenda da foto, Falacasoo casinoHélio Luzcasoo casinofilme marcou debate sobre segurança pública | Foto: Arquivo pessoal

casoo casino BBC Brasil - No documentário, o senhor disse que a repressão policial evitava uma explosão social, mantendo o excluído sob controle. Essa lógica prevalece?

casoo casino Hélio Luz - Sim. Na África do Sul, eles colocavam cercacasoo casinoarame. Aqui não precisa colocar a cerca, porque cada um sabe o seu lugar. Então para quê você vai colocar uma operação dessas cercando a favela? O crime não está ali. Entende? O cerne da questão da insegurança não está ali. Aquilo ali é resultado.

Agora, a má distribuiçãocasoo casinorenda voltou a se acirrar, a polícia não deu mais conta e teve que chamar o Exército.

casoo casino BBC Brasil - O senhor fala na concentraçãocasoo casinorenda, mas isso explica o fortalecimento das facções criminosas e as crescentes disputas por territórios?

casoo casino Hélio Luz - Desculpe, mas isso é uma visão que só quem tem privilégios nesse país pode ter. Porque localiza a disputa lá na ponta. "Não, não somos nós que participamos disso. São eles." Eles quem? Os excluídos do patrimônio público. A guerra está entre eles, mas é sustentada pela turmacasoo casinocima.

É preciso estabelecer uma relação entre o auxílio-moradia (benefício pago a juízes) e a parte considerável da população que não tem moradia. Essa relação causa-efeito existe nesta ecasoo casinoinúmeras questões.

Em todas elas, quem paga a conta no final é o favelado. Somos o país da desigualdade. E ficamos preocupados porque tem problema, entende, na senzala. Afrouxou a senzala, então agora tem que apertarcasoo casinonovo. Então chama o capitão do mato para dar uma solução na senzala do século 21.

O problema social está no centro da questão da favela, e a questãocasoo casinosegurança do Estado é uma decorrência. Quem financia a droga que está lá? É um deboche achar que o favelado tem capital suficiente para bancar a ida, vinda e perdacasoo casinoqualquer quantidadecasoo casinoentorpecentes.

casoo casino BBC Brasil - Não seria o favelado que teria esse dinheiro, mas sim as facções criminosas.

casoo casino Hélio Luz - Será que elas têm? Qual é a herança deixada por traficantes? Qual foi a herança deixada pelo Uê (Ernaldo Pintocasoo casinoMedeiros, fundador da facção Amigos dos Amigos)? Qual é o acúmulocasoo casinotodos esses chefetes que existiram?

casoo casino BBC Brasil - Mas não é patrimônio acumulado, e simcasoo casinocapitalcasoo casinogiro do tráfico.

casoo casino Hélio Luz - Eles não têm dinheiro acumulado. Como é que você acumula dólar? Vemos muitas simplificações quando se fala sobre o tráfico. Aí mostram a mansão do chefete que foi preso na favela. É ridículo isso. A cobertura dele é num terceiro andar com piscina na laje. Perto dos prédios que existem na Vieira Souto, na Delfim Moreira (na orlacasoo casinoIpanema e Leblon). Qual é o conceitocasoo casinomansão?

Fala-se que que eles acumulam dinheiro e estão bem organizados. Onde, se estão disputando boca por boca (de fumo)? Onde há crime organizado com disputacasoo casinoterritório permanente? Não existe. Se o cara tivesse dois milhõescasoo casinodólares disponíveis, ele saía da favela e ia ser rentista (risos).

Meninos brincamcasoo casinopipa no Alemão

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Legenda da foto, Meninos brincamcasoo casinopipa no Alemão; Hélio Luz fala que ocupação do complexo foi 'ilusão'

casoo casino BBC Brasil - Vemos sucessivos exemploscasoo casinotraficantes presos que continuam a dar ordenscasoo casinodentro da prisão, com o Nem da Rocinha. Como isso ainda acontece?

casoo casino Hélio Luz - Essa condição quem dá é o sistemacasoo casinosegurança. O cara faz o controle por meiocasoo casinoagentes penitenciários. Ou é só o ex-governador (Sérgio Cabral) que tem acesso a uma comida especial (no presídio)? O mesmo caminho é usado no Rio, no Paraná oucasoo casinoqualquer Estado. O sistemacasoo casinosegurança é vazado.

A classe média tem uma visão distorcida disso. Acha que a ponta está se organizando. Nada disso. É a desorganização do sistema penitenciário que permite que ordens saiam dos presídios.

Nós vivemos muitocasoo casinoilusão. É muita ficção. A tomada do Alemão foi uma ilusão. O Complexo do Alemão nunca foi tomado. Mas por um momento aquilo (a operaçãocasoo casinoocupação realizada por forçascasoo casinosegurançacasoo casino2010) gera uma sensaçãocasoo casinosegurança, e você se ilude.

Quem detém o controle? Quem recebe a corrupção ou o cara que paga? É o agente que recebe a corrupção. É quem recebe a grana. Se não pagar para a polícia,casoo casinoduas uma, ou você se muda, ou vai para a vala.

Sem pagar a polícia, não se pratica crime no Riocasoo casinoJaneiro.

casoo casino BBC Brasil - Os problemascasoo casinosegurança no Rio hoje não parecem muito diferentes dacasoo casinoépoca à frente da Polícia Civil, nos anos 1990. Que perspectiva o senhor vê para o futuro?

casoo casino Hélio Luz - Eu sou otimista. Acho que essas crises são crisescasoo casinoavanços. Não estamoscasoo casinouma situação horrível. Quem viveu nos anos 60, 70 sabe que jamais se podia apontar o dedo para um senador.

Tudo que está acontecendo (os casoscasoo casinocorrupção) acontece há muito tempo nesse país. Sempre houve, mas agora nós sabemos. Agora vem a público. O Marcelo Odebrecht passar quase dois anos numa prisão é simbólico. A exposição do Judiciário com o caso do auxílio-moradia é simbólico.

Ainda é pouco, mas estamos avançando. Os desdobramentos são feitos à brasileira. É uma revolução republicana sem sangue. Aos poucos, a república vai se instalando.