De usuáriabetesporte saque minimocrack a donabetesporte saque minimoconfeitaria: a trajetória da mulher que saiu da cracolândia e virou empresária:betesporte saque minimo
Na cela, ela decidiu abandonar o vício. Nas suas palavras, essa cena é dramática: "Estava chovendo muito, e eu grávida. Por trás das grades, olhei a lua como se ela fosse Deus, e falei que iria parar. Nunca mais fumei crack".
Neste ponto, a história poderia avançar até o momento atual. Desirée hoje tem 40 anos e é uma confeiteirabetesporte saque minimosucesso: alémbetesporte saque minimovender doces e bolos por encomenda, atua como arte-educadora no Recomeço, programa estadualbetesporte saque minimorecuperaçãobetesporte saque minimodependentesbetesporte saque minimocrack.
Todas as manhãs, ela retorna à cracolândia e dá aulabetesporte saque minimogastronomia para os usuários que quiserem participar - fazem bolos, tortas, doces. A oficina funciona como uma portabetesporte saque minimoentrada para o tratamento. "É reduçãobetesporte saque minimodanos. Quando o dependente está aqui comigo, na aula, ele não fuma crack", explica.
Desirée anda como uma rainha pelo fluxo, como é conhecida a áreabetesporte saque minimoconsumo e vendabetesporte saque minimocrack na rua Helvétia. Usuários correm para abraçá-la, beijá-la, pedir conselhos. Para eles, ela é um exemplo, alguém que conseguiu sair do vício. Essa atenção com os usuários, muitos deles pessoas com quem Desirée dividiu pedras, é o que parece construir o respeito que eles têm por ela.
Funcionários do Recomeço contam que, meses atrás, um garotobetesporte saque minimo12 anos, viciado, discutia com outras pessoas no fluxo, que ameaçavam espancá-lo. Sob efeito da droga, o menino alimentava a briga com xingamentos. Desirée foi até o local, retirou o garoto e colocou-obetesporte saque minimoseus braços, como um filho. O menino dormiu nos braços da confeiteira. "Até hoje ele me procura", lembra ela.
Mas não é no Recomeço que está o grande sonhobetesporte saque minimoDesirée. Nos próximos meses, ela vai abrir uma cafeteria, na alameda Glete, a poucos metros da unidade onde ajuda usuários. Será seu primeiro negócio como empreendedora. Terá como sócia a empresária (e amiga) Jaqueline Alves.
Uma amizade inesperada
A segunda reviravolta na históriabetesporte saque minimoDesirée ocorreu quando ela conheceu Jaqueline. "Está vendo meu braço? Sóbetesporte saque minimoeu falar nela, fico arrepiada. É como se a gente fosse almas gêmeas", diz.
Em 25betesporte saque minimojulhobetesporte saque minimo2012, dois meses depoisbetesporte saque minimoseu filho Enzo nascer na prisão, Desirée foi solta para aguardar os recursosbetesporte saque minimoliberdade. "Por milagre", conta, ela e o menino não contraíram o vírus HIV.
Depoisbetesporte saque minimoduas décadasbetesporte saque minimovício, ex-presidiária, sem profissão, o que Desirée poderia fazer? "Quando você tem esse passado, todas as portas da sociedade se fecham para você. É muito difícil recomeçar e muita gente volta para o crack", diz. Ela chegou a trabalharbetesporte saque minimocozinhas industriais, mas, quando funcionários e chefes descobrirambetesporte saque minimohistória, foi tratada com chacotas e preconceito.
Então começou a vender brigadeiros na rua. Onde? No centro da cidade, local que conhecia muito bembetesporte saque minimosuas andanças como dependente da droga. "Eu vendia nas empresas, vendia aqui no Recomeço, nos projetos sociais. Vendi muito brigadeiro na rua", conta.
Um dia, um programabetesporte saque minimouma emissorabetesporte saque minimoTV evangélica a levou para jantarbetesporte saque minimoum restaurante no Anália Franco, bairrobetesporte saque minimoclasse média-alta na zona lestebetesporte saque minimoSão Paulo. Uma ex-dependentebetesporte saque minimocrack, vendedorabetesporte saque minimobrigadeiro, conhecendo uma cozinha chique e doces dos quais ela nunca tinha ouvido falar. Crème brûlée, red velvet, panna cotta.
Esse restaurante era o Cereja Flor Café Bistrô, cuja proprietária é Jaqueline Alves,betesporte saque minimo45 anos.
Sentadabetesporte saque minimouma mesa do lugar, a empresária conta como foi este encontro: "Depois que acabou o programa, conversei com a Desirée e vi que ela era tudo o que eu precisava. Uma confeiteira com muita vontadebetesporte saque minimoaprender ebetesporte saque minimotrabalhar."
Ela diz que desconsiderou o passadobetesporte saque minimorecém-contratada. "Eu acredito nas pessoas, não tenho preconceito. Se você não der oportunidade, como a pessoa vai mudar?", diz Jaqueline. Desirée não foi a única com passadobetesporte saque minimoprisões no Cereja Flor: um dos principais confeiteiros da casa ficou seis anos preso por traficar drogas.
Jaqueline tem uma tese para explicar como se tornou peça importante na ressocializaçãobetesporte saque minimoex-presidiários e dependentes químicos. "Meu pai tinha algumas farmácias, e já contratava pessoas saídas da prisão. Ele não tinha preconceito. Se conversava e acreditava na pessoa, contratava. Acho que segui o exemplo dele", conta.
Desirée rapidamente se destacou na cozinha e passou a liderar a equipebetesporte saque minimoconfeitaria do local. Inventou doces com Jaqueline, e o bistrô deslanchou: no fimbetesporte saque minimosemana, a filabetesporte saque minimoespera da casa chega a três horas. As duas viraram amigas. "Ela foi muito importante para mim e para o bistrô", lembra Jaqueline.
No fim do ano passado, Desirée pensoubetesporte saque minimodar outro passo na carreira - a terceira reviravolta embetesporte saque minimobiografia. Convidou Jaqueline para abrir um café no centrobetesporte saque minimoSão Paulo, a poucos metros da cracolândia. A amiga topou.
Os indesejados
Em maio do ano passado, o prefeitobetesporte saque minimoSão Paulo, João Doria, e seu padrinho político, Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, realizaram uma operação policial para dispersar usuários e traficantesbetesporte saque minimodrogas da região. Doria chegou a declarar que a cracolândia havia chegado ao fim, mas o fluxo se reorganizou, embora menor.
Governo e prefeitura fizeram mutirões para tentar convencer dependentesbetesporte saque minimocrack a se tratar - centenas entrarambetesporte saque minimoprogramasbetesporte saque minimorecuperação. Além disso, por meiobetesporte saque minimoum decreto, a gestão Doria tentou tomar possebetesporte saque minimoimóveis do bairro sem sequer avisar os proprietários - alguns eram usados como hotéis e até mesmo como pontosbetesporte saque minimotráfico. Mas a Justiça impediu a desapropriação. Em outra ação, servidores derrubaram partebetesporte saque minimoum prédio com pessoas dentro - três ficaram feridos.
Os órgãos públicos ainda tentam revitalizar a região com ações urbanísticas, como a construçãobetesporte saque minimoum hospital ebetesporte saque minimomoradias populares.
Alémbetesporte saque minimoequipamentos públicosbetesporte saque minimocultura, como a Sala São Paulo e a Pinacoteca, a área onde está a cracolândia tem poucas empresas. Uma das únicas é a Porto Seguro, que tem maisbetesporte saque minimo10 mil funcionários atuandobetesporte saque minimodezenasbetesporte saque minimoprédios no entorno - os trabalhadores costumam ser escoltados por seguranças quando andam pelas ruas do bairro.
São esses funcionários o foco do cafébetesporte saque minimoDesirée e Jaqueline. "A gente acha que pode dar certo, porque é uma região que não tem muitas opções. Nós vamos oferecer doces e um almoçobetesporte saque minimoqualidade", explica Desirée.
Na manhã do dia 30betesporte saque minimojaneiro, ela e Jaqueline visitaram o espaço que se tornará o café "Delas", na rua Glete. Jaqueline olhava as paredes, planejando a decoração, enquanto Desirée conversava com um dos poucos comerciantes da via. Ele aconselhou: "Se eu fosse você, não deixava qualquer um entrar no banheiro, senão vira banheiro público. Aqui circulam muitas pessoas indesejáveis", disse,betesporte saque minimoreferência aos dependentesbetesporte saque minimocrack. Desirée ficou calada.
Minutos depois, do ladobetesporte saque minimofora e sem a presença do comerciante, ela parecia brava. "Indesejáveis? Se eu deixar meu celular aqui no chão, vem um indesejável e entrega na minha mão. Conheço todos os indesejáveis. Aqui é minha casa", disse.
O passado que sempre volta
Na narrativa sobre Desirée há um elemento que sempre retorna à cena: seu passado. Como se libertar dele e viver apenas o que tem pela frente? Ela costuma usar uma metáfora para descreverbetesporte saque minimosituação: saiubetesporte saque minimoum buraco, está nas margens, mas ele sempre tenta puxá-la para dentro novamente.
Esse buraco é a Justiça.
Quando foi presabetesporte saque minimoflagrante,betesporte saque minimo17betesporte saque minimojunhobetesporte saque minimo2012, Desirée tinha R$ 5betesporte saque minimomoedas e 30,6 gramasbetesporte saque minimocrack. Ela alega que a droga era para uso pessoal, pois queria se matarbetesporte saque minimotanto fumar. Os policiais dizem que ela estava traficando as pedras.
Para a Justiça, o testemunho dos dois agentes foi suficiente para condená-la. O processo não relata nenhuma investigação antes ou depois da prisão: as únicas provas apresentadas foram o dinheiro e a droga, além do depoimento dos policiais - únicas testemunhas.
Apesar da pouca quantidade, a penabetesporte saque minimoDesirée foi aumentada para seis anos por causabetesporte saque minimoseus "maus antecedentes". Esse conceito é alvobetesporte saque minimocríticasbetesporte saque minimojuristas, pois a pessoa nunca se livra dele, mesmo retornando à condiçãobetesporte saque minimoréu primário após cinco anos do cumprimento da última pena. Ou seja, mesmo sendo primária novamente, o passadobetesporte saque minimoDesirée sempre vai pesar para aumentar qualquer punição que ela eventualmente receba - foi isso o que ocorreubetesporte saque minimo2012 e o que impediu que ela tivesse a pena convertida a outro regime.
Em 2017, o Ministério Público pediu novamentebetesporte saque minimoprisão, depoisbetesporte saque minimoanosbetesporte saque minimorecursos. O processo chegou no Supremo Tribunal Federal, mas o ministro Ricardo Lewandowski pediu que ele volte à primeira instância. Ele questionou se o regime fechado era o adequado para o caso, pois "não foi apresentada nenhuma especificidade relativa a ré que justificasse a fixação do regime inicialbetesporte saque minimocumprimento da pena privativabetesporte saque minimoliberdade."
Segundo Juliana Pascutti, defensora públicabetesporte saque minimoDesirée, o caso deve ser avaliado pela Justiça paulista novamente neste ano. "Conseguimos uma pequena vitória. Ainda resta esperançabetesporte saque minimoela não ser presa, uma esperança pequena, mas ela existe", disse, por telefone.
Um fim, um começo
No fim deste ano, Desirée pode estar presa caso a Justiça decida por isso, ou continuarbetesporte saque minimoascensão como confeiteira e comerciante. "Eu quero tantas coisas, minha vida ficou parada por 20 anos. Decidi mudar a chavinha na minha cabeça e parei com o vício. Eu sei que consigo qualquer coisa, sei que só dependebetesporte saque minimomim e da minha vontade", diz.
A biografia está só na metade.