'A gente não quer mais ser visto como doente': a vida0dd bet sign upquem é alvo0dd bet sign upgordofobia:0dd bet sign up
O termo recente é utilizado para definir o preconceito enfrentado por quem tem sobrepeso. Apesar0dd bet sign upter ganhado uma definição, os atos não são considerados crimes.
O problema não é recente. Olhares tortos para pessoas gordas já eram comuns na Idade Média, quando a igreja passou a considerar a gula como um dos sete pecados capitais. "O cristianismo fez com que tudo fosse muito ponderado, inclusive o corpo. Então a pessoa não poderia ser muito gorda, porque isso seria um pecado. Além disso, a comida era extremamente escassa na Europa, durante os períodos frios. Não havia alimentação para todos e não era interessante que as pessoas fossem gordas", explica a historiadora Débora Casanova.
"Na Idade Média, havia a necessidade0dd bet sign upa igreja ser responsabilizada pela fome. Para justificar que a pessoa não poderia comer muito e acabar deixando o outro sem nada, a gula se tornou pecado", acrescenta.
A gordofobia chama a atenção0dd bet sign upum país cuja população está cada vez mais acima do peso. Conforme levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde neste ano - por meio0dd bet sign upanálise da Pesquisa0dd bet sign upVigilância0dd bet sign upFatores0dd bet sign upRisco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) -, a população obesa no País passou0dd bet sign up11,8%0dd bet sign up2006 para 18,9%0dd bet sign up2016.
A mesma pesquisa apontou que o excesso0dd bet sign uppeso também aumentou nos últimos 10 anos. Em 2006, o número era correspondente a 42,6% dos entrevistados. O índice subiu para 53,8% no ano passado. Os levantamentos são feitos com base no Índice0dd bet sign upMassa Corporal (IMC) da população.
A discriminação
Os comentários maldosos e a sensação0dd bet sign upser diferente acompanharam Alexandra Gurgel desde a infância. "Eu sou gorda desde sempre. Quando criança, tentei muitas dietas, mas nada dava certo, porque era tudo muito restritivo", relembra. Na adolescência, o sobrepeso começou a incomodar ainda mais a youtuber. "Eu era a única pessoa gorda na minha família e entre os meus amigos. Os meus parentes costumavam dizer que eu não era normal e que poderia ter um infarto e morrer a qualquer momento."
As críticas vindas da própria família também eram ouvidas pela universitária Isabela Venâncio,0dd bet sign up23 anos. "Eu comecei a engordar na infância e isso preocupou a minha mãe. Hoje temos uma relação melhor, mas ela sempre repetia: 'se você emagrecer vai ser melhor e vai ficar mais bonita'", conta. A jovem também lidava com comentários maldosos na escola. "Na pré-adolescência, os meninos me xingavam e as meninas não andavam comigo. Certa vez, um menino me falou uma coisa muito pesada e eu comecei a chorar na sala. Eu não lembro o que ele falou, parece que meu cérebro deletou."
A professora Laine Souza,0dd bet sign up35 anos, lida com o preconceito0dd bet sign updiversas formas desde a infância. "Eu era uma criança que sofria por ser negra e gorda. A minha família teve boas condições e eu estudava0dd bet sign upbons colégios. Em algumas épocas, era a única negra e gorda da escola. As pessoas me viam diferente por isso."
Para evitar que os comentários ofensivos o afetassem, o publicitário e youtuber Bernardo Boechat,0dd bet sign up27 anos, passou a criar uma espécie0dd bet sign upautoproteção. "Aprendi a lidar com isso cedo, porque sempre fui xingado na escola e sofria humilhações por ser gordo. Não havia nenhuma proteção na escola, viam isso acontecer e não faziam nada. Então, eu tive que criar uma 'casca' para que essas coisas não me afetassem tanto", diz.
O perfil mais combativo é adotado por algumas pessoas que são alvos0dd bet sign upgordofobia, como no caso da empresária Allyne Turano,0dd bet sign up31 anos. Ela engordou durante a adolescência e passou a ser alvo0dd bet sign uppiadas. "Eu comecei a perceber os xingamentos e sempre os respondia. Nunca deixei as pessoas me diminuírem", pontua. Para ela, qualquer tipo0dd bet sign upcomentário sobre o peso é uma espécie0dd bet sign upinvasão. "A pessoa quando engorda, parece que vira0dd bet sign updomínio público e todo mundo tem o direito0dd bet sign upfalar o que quiser, com a desculpa0dd bet sign upque é uma ajuda. Na verdade, é porque o gordo incomoda."
A psicóloga Iolete Silva explica que a gordofobia traz consequências como constrangimento e dificuldade0dd bet sign upsocialização. "As pessoas se sentem inadequadas, como se houvesse algo errado com elas. É como se elas não fossem boas o suficiente para estar com os outros e para receber afeto", conta. Ela detalha que a psicologia pode ter papel fundamental para auxiliar quem enfrenta tais situações. "A gente tenta mostrar que a pessoa que exprime esse preconceito é quem está errada e não quem é o alvo."
"É fundamental que as pessoas que passam por situações assim possam expressar seus sofrimentos, para que possam ser acolhidas o quanto antes. Muitas vezes elas escondem esse sentimento e isso é ainda mais prejudicial", acrescenta Iolete.
Dificuldades do cotidiano
Os comentários relacionados ao peso não incomodam mais o publicitário Bernardo Boechat, que afirma que0dd bet sign upmaior preocupação atual é com a acessibilidade. "A primeira coisa que precisamos fazer é olhar0dd bet sign upvolta, para ver se cabemos no mundo. Sempre analiso, antes0dd bet sign upsair, preciso avaliar se as cadeiras vão suportar meu peso. Em avião e ônibus, sempre pesquiso se a cadeira vai me aguentar, por isso cheguei a ficar quatro anos sem viajar", conta.
"Não interessa o quanto eu me ame e me aceite, a sociedade continua sendo contra mim. Não é porque eu me amo que vou conseguir passar0dd bet sign upuma catraca0dd bet sign upônibus, que vou conseguir assento no avião ou que vou encontrar roupa com facilidade. Não adianta eu me achar lindo e maravilhoso, porque a estrutura gordofóbica vai dizer que não faço parte daquilo ali", completa Boechat.
O episódio da falta0dd bet sign upextensor no cinto0dd bet sign upsegurança é apenas uma das situações que Alexandra Gurgel cita sobre casos0dd bet sign upinacessibilidade. Ela se recorda0dd bet sign updiversos problemas enfrentados por pessoas próximas. "Eu fui com um amigo ao teatro, para assistir a um show, e não havia cadeira para ele sentar. Ele ficou desconfortável na ponta da cadeira, a gente assistiu cinco músicas e foi embora. Eu também tenho uma amiga que está grávida e não tem onde ter o filho, porque a maca não suporta o tamanho dela."
"É muito mais fácil emagrecer e se encaixar a um padrão, para não passar por esse tipo0dd bet sign upproblema, do que mudar a sociedade. Muita gente não se pergunta o porquê0dd bet sign upas pessoas gordas não terem os mesmos direitos que as outras", assevera.
A dificuldade para comprar roupas é relato constante entre as pessoas que vivem acima do peso. A universitária Isabela Venâncio conta que sempre sofria0dd bet sign upbusca0dd bet sign upalguma peça que lhe coubesse. "As lojas oferecem até determinado número. Em muitas não há roupa no meu tamanho, já enfrentei isso várias vezes. Hoje0dd bet sign updia existem lojas que nem perco meu tempo entrando, porque sei que vou passar raiva e ficar triste", relata. Hoje, ela compra a maioria das roupas0dd bet sign uplojas plus size.
Bernardo Boechat acredita que o mercado plus size é fundamental para a inserção da pessoa gorda na sociedade. "Não é raro a gente ver as pessoas vestindo roupas e chorando, porque imaginaram que nunca conseguiriam isso. É como se elas percebessem que também têm esse direito", diz. O publicitário revela que há um ano se emocionou ao colocar, pela primeira vez, uma camiseta. "Parece bobo, porque quase ninguém passa por isso, mas pra mim foi muito importante", relata.
Os contratempos para encontrar roupas também fizeram parte da rotina da empresária Allyne Turano. Em uma das vezes, ela buscava uma lingerie para comemorar os oito anos0dd bet sign upcasamento, porém não encontrou nenhuma do seu tamanho. "Acho que as pessoas pensam que gordas só devem usar roupas largas e se esconder", diz.
Diante da dificuldade, decidiu criar uma loja virtual especializada0dd bet sign uplingeries para mulheres com sobrepeso. "A minha marca existe há três anos0dd bet sign upmodo online e há um mês criei um espaço físico. O meu intuito é mostrar para outras meninas que gorda também pode ser sensual."
Emagrecimento
O histórico0dd bet sign updiversas tentativas0dd bet sign upemagrecimento faz parte das vidas das pessoas gordas. "Eu brinco que se uma pessoa quer saber sobre uma dieta, pode conversar com uma pessoa gorda. Eu já fiz muitas dietas restritivas, nas quais ficava até quatro dias sem comer. Já tomei remédios e perdi mais0dd bet sign up50 quilos, mas nada disso era saudável", diz Bernardo Boechat.
Para conseguir emagrecer, a professora Laine Souza decidiu procurar o primeiro emprego, aos 19 anos. "Consegui trabalhar como recepcionista e com o meu primeiro salário comprei remédios para emagrecer", se recorda.
Ela perdeu 12 quilos0dd bet sign upum mês, porém começou a ter diversos problemas0dd bet sign upsaúde. "Eu comecei a ter distúrbios por conta dos medicamentos. Eu ouvia coisas que não existiam, passava muito mal, mas não falava nada disso para ninguém. Eu pensava: 'estou sofrendo, mas ao menos estou magra'", diz.
Na adolescência, Alexandra Gurgel desenvolveu depressão. "Você têm doenças paralelas por conta dessa pressão estética. Eu sofri com crises0dd bet sign upansiedade", diz. Aos 19 anos, ela fez uma dieta com a qual conseguiu emagrecer 15 quilos0dd bet sign upduas semanas. "Era uma coisa muito louca, eu apenas bebia água e não comia nada, mas logo desisti disso e recuperei todo o peso."
Em 2012, ela ganhou um presente da mãe: uma lipoaspiração0dd bet sign updiversas partes do corpo. "Hoje, acredito que esse procedimento seja uma agressão ao corpo. Antes dele, eu tinha 90 quilos e depois fui para 80. O médico tirou nove litros0dd bet sign upgordura. Isso é muito mais que o permitido", comenta. Após a cirurgia, a depressão da jornalista se intensificou. "Eu voltei a engordar tudo0dd bet sign upnovo e isso me deixou muito mal."
Durante esse período, Alexandra enfrentou o episódio que considera dos mais difíceis0dd bet sign upsua vida. "Eu não aceitei que estava engordando novamente e comecei a me culpar muito. Por isso, tentei me matar tomando todos os tipos0dd bet sign upremédios possíveis", relata. Ela foi socorrida a tempo e se recuperou meses depois.
Para a nutricionista Marcela Kotait, especialista0dd bet sign uptranstorno alimentar e obesidade, situações0dd bet sign upgordofobia fazem com que a pessoa se sinta obrigada a emagrecer.
"O padrão0dd bet sign upbeleza é0dd bet sign upextrema magreza. Enquanto um perfil é valorizado demais pela magreza, o outro é rechaçado pela gordura", comenta. Marcela explica que a saúde vai além do peso corporal. "As pessoas com excesso0dd bet sign uppeso e obesidade sofrem com um estigma muito grande. Existe a crença0dd bet sign upque alguém acima do peso é doente. Isso não é verdade", argumenta.
"Uma pessoa obesa que faz atividade física e se alimenta0dd bet sign upmaneira adequada pode ter os exames laboratoriais estáveis. Ela pode estar bem e saudável. Não necessariamente esse peso vai ser um fator0dd bet sign uprisco isolado", completa.
Segundo a nutricionista, uma pessoa gorda deve ter os mesmos cuidados que alguém magro. "As pessoas devem se alimentar0dd bet sign upmodo equilibrado, não pode fazer restrições0dd bet sign upgrupos alimentares nem dietas malucas. A gente sabe que 95% das pessoas que fazem esse tipo0dd bet sign updieta vão ganhar novamente o peso. Isso aumenta a culpa, a sensação0dd bet sign upfracasso e colabora com a pecha0dd bet sign upque todo gordo é preguiçoso."
A especialista ainda relata que o Índice0dd bet sign upMassa Corporal não é um método confiável para definir se alguém possui sobrepeso. "O IMC vai avaliar simplesmente o peso pela altura, multiplicado ao quadrado. Se a pessoa for muito forte, vai pesar muito. Ele não consegue caracterizar a composição corporal. Uma das metodologias mais adequadas é a variação da composição corporal, percentual0dd bet sign upgordura ou percentual0dd bet sign upmassa magra."
Problemas0dd bet sign upsaúde
Para as pessoas gordas, a ligação entre obesidade e doença é um dos estigmas que mais causam preocupação. "A nossa luta é para que a obesidade seja retirada da categoria0dd bet sign updoenças. O corpo gordo,0dd bet sign upsi, não causa doença nenhuma. O que pode causar problemas são as várias doenças que podem ser associadas", justifica Bernardo Boechat.
"A gente quer deixar0dd bet sign upser visto como pessoa doente. Queremos que nos enxerguem como seres humanos. É importante também que haja uma medicina que nos abrace, para que possamos ser a versão mais saudável0dd bet sign upnós mesmos", complementa.
Allyne Turano afirma que as diversas críticas relacionadas à saúde costumam incomodá-la. "Usam sempre essa questão como desculpa. Dizem que devemos emagrecer por questões0dd bet sign upsaúde, mas ninguém pergunta se você está realmente doente", comenta.
Segundo ela, o estereótipo que relaciona a pessoa acima do peso a doenças dificulta diagnósticos0dd bet sign upmédicos. "A gente acaba não se consultando com frequência por medo0dd bet sign upreceber ataques,0dd bet sign upvez0dd bet sign upmedicação. Certa vez fui ao endocrinologista para fazer procedimentos0dd bet sign uprotina e saí0dd bet sign uplá com exames para uma cirurgia bariátrica, mesmo sem ter pedido", relembra.
A dificuldade para receber um diagnóstico foi vivenciada pelo bacharel0dd bet sign upDireito João Vitor Dias,0dd bet sign up33 anos. O rapaz acredita que demorou nove anos para descobrir que possuía problemas nos rins, pois os médicos acreditavam que suas mazelas se restringiam ao sobrepeso. "Durante anos, meu principal diagnóstico foi a obesidade, só0dd bet sign up2015 descobri que sofro0dd bet sign upinsuficiência renal crônica."
Atualmente, Dias faz tratamento0dd bet sign uphemodiálise e perdeu 42 quilos0dd bet sign uprazão dos procedimentos médicos.
Em paz com o peso
De diversas formas, as pessoas gordas tentam buscar meios para lidar da melhor maneira com o peso. Laine Souza mudou a visão que possuía0dd bet sign upsi mesma após ouvir uma aluna lamentar o sobrepeso. "Ela tinha os mesmos problemas que eu quando mais jovem. Então, decidi que poderia lidar melhor com isso e ajudar diversas pessoas, principalmente adolescentes, que passam por essa pressão estética0dd bet sign upum modo muito grande."
Ela conta que sofre mais preconceito por ser negra do que gorda. "Acho que por eu me aceitar como gorda, e como negra também, as pessoas não chegam tanto para falar comigo sobre o meu peso. Mas0dd bet sign uprelação à raça, eu vejo nos lugares. Diversas vezes já estive0dd bet sign uplojas e os seguranças ficaram0dd bet sign upolho0dd bet sign upmim", comenta. Mesmo com as adversidades, Laine tenta não se abater. "Estou0dd bet sign upuma fase da vida0dd bet sign upque as pessoas podem falar o que quiserem pois vou continuar fazendo o que tenho vontade."
Uma das sensações mais libertadoras para Allyne Turano aconteceu há dois anos,0dd bet sign upuma praia. "Eu nunca tive grandes problemas com meu peso, mas mesmo assim tinha meus receios. Um dia, fui0dd bet sign upmaiô para a praia, por conforto e também porque me boicotei para não ir0dd bet sign upbiquíni. Mas eu peguei sol, fiquei com a barriga branca e odiei. Depois disso, coloquei o biquíni. Foi uma experiência incrível", rememora.
O biquíni também foi um dos meios0dd bet sign uplibertação0dd bet sign upAlexandra Gurgel. "As pessoas me olhavam, mas eu não me importava. São várias amarras que existem na cabeça da pessoa gorda, mas hoje vou para a praia0dd bet sign upbiquíni, sem paranoias", explica. Além da roupa0dd bet sign upbanho, ela também conta que começou a fazer terapia, logo após se recuperar da tentativa0dd bet sign upsuicídio, e passou a estudar sobre minorias.
"Eu digo que uma das minhas maiores ajudas para me recuperar0dd bet sign uptudo isso foi descobrir sobre o feminismo, porque ele me ensinou que eu não sou obrigada a nada e posso ser da forma que quiser. Entendi a gordofobia e peguei essa causa para mim", diz.
Desde 2015, ela possui um canal no qual fala sobre situações relacionadas a pessoas gordas. "Eu costumo dizer que a câmera é a minha terapeuta", conta Alexandra, que costuma ignorar as críticas ofensivas que recebe em0dd bet sign uppágina. "Não vale a pena me importar com isso, porque descobri que são pessoas frustradas."
Bernardo Boechat também encontrou na produção0dd bet sign upconteúdo para a internet uma alternativa para ajudar outras pessoas. Um dos vídeos dele, no qual explica sobre gordofobia, possui mais0dd bet sign up1,5 milhão0dd bet sign upvisualizações no Facebook.
"Costumo receber muitas mensagens0dd bet sign uppessoas que me dizem que não sabiam que poderiam reclamar0dd bet sign updeterminado fato. Elas percebem que não são os únicos que passam por isso. Os gordos normalmente se sentem muito sozinhos."
Assumidamente homossexual, o rapaz conta que sempre sofre mais preconceito0dd bet sign uprazão do peso. "O movimento LGBT está muito avançado, há diversos debates sobre o assunto, então é mais esclarecido. Porém, o movimento gordo ainda está ganhando visibilidade, porque antes não havia isso", comenta. Ele torce para que a causa das pessoas acima do peso passe a ganhar mais visibilidade. "A gente quer uma sociedade inclusiva, aberta a todos, independente0dd bet sign upa pessoa ser gorda ou não."