STF retoma ação que pode inviabilizar 1.536 áreas quilombolas:logo galera bet png

Margarete Costa Barbosa na Comunidade Quilombola do Abacatal (PA)
Legenda da foto, Comunidades quilombolas temem decisão do STF inviabilize novas demarcações (Foto Agência Pará)

Autoidentificaçãologo galera bet pngxeque

O STF analisará uma ação propostalogo galera bet png2004 pelo então PFL (atual Democratas - DEM), na qual o partido questiona a validadelogo galera bet pngum decreto presidencial que define os critérios para a demarcação dessas áreas.

Na Ação Diretalogo galera bet pngInconstitucionalidade 3.239, o DEM diz, entre outros pontos, que essas demarcações não poderiam ter sido regulamentadas pela Presidência, e sim pelo Congresso, e questiona a possibilidadelogo galera bet pngque os quilombos se autoidentifiquem.

Tacira Julião Alveslogo galera bet pngcomunidade quilombola na Ilhalogo galera bet pngMarambaia (RJ)
Legenda da foto, Representanteslogo galera bet pngquilombolas defendem que titulaçãologo galera bet pngterras é importante para garantir segurança e acesso a políticas públicas (Foto ABr)

O decreto que regula o tema foi assinadologo galera bet png2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mudou os trâmites da demarcaçãologo galera bet pngáreas quilombolas, tornando-a competência do Incra. Até então, essa era uma atribuição da Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura.

O julgamento começoulogo galera bet png2012 e está empatadologo galera bet pngum a um. O relator do caso, ministro Cesar Peluzo (que deixou o STF naquele mesmo ano), concordou com o pedido do DEM e votou pela inconstitucionalidade do decreto.

Já a ministra Rosa Weber avaliou que o decreto é legal. O julgamento foi paralisadologo galera bet png2015, quando o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo para estudá-lo melhor.

Para Ivo Fonseca, quilombola da comunidade Frechal, no Maranhão, e membro da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), caso o STF considere o decreto inconstitucional, a violência no campo deve aumentar.

"Qualquer que seja o resultado, não deixaremoslogo galera bet pngpleitear nossas terras. Desde que chegamos ao Brasil como migrantes forçados, é o que sempre fizemos - e é o que vamos continuar a fazer", ele diz à BBC Brasil.

Fonseca afirma que a titulação das terras é importante por garantir às comunidades segurança e acesso a políticas públicas. "Você tem liberdadelogo galera bet pngir e vir,logo galera bet pngconstruir,logo galera bet pngter desenvolvimento produtivo - você tem acesso a um conjuntologo galera bet pngelementos que ajuda a ser cidadão neste país." Segundo ele, alguns quilombos não regularizados enfrentam dificuldades até para construir poços artesianos ou escolas.

Quilombolalogo galera bet pngContagem (MG)

Crédito, Imprensa MG

Legenda da foto, Disputa entre quilombolas e ruralistas expõe divergências quanto à interpretação legal do conceitologo galera bet pngquilombo (Foto Imprensa MG)

Ele diz esperar que, caso o STF decida que o decreto é inconstitucional, que ao menos preserve o status das áreas já demarcadas - casologo galera bet pngseu quilombo no Maranhão.

Já o DEM e a bancada ruralista afirmam que o decreto dá margem para fraudes e deve ser derrubado. Para o deputado federal Alceu Moreira (PMDB-RS), um dos principais líderes ruralistas no Congresso, o processo atuallogo galera bet pngdemarcação realiza "uma reforma agrária por outros meios".

Segundo Moreira, antropólogos contratados pelo Incra sempre chancelam as posições das comunidades que reivindicam terras,logo galera bet pngvezlogo galera bet pngavaliar as demandas com baselogo galera bet pngdocumentos históricos. "A grande falcatrua está no processologo galera bet pngautodeclaração", ele diz à BBC Brasil.

Ele afirma quelogo galera bet pngOsório (RS),logo galera bet pngcidade natal, proprietários rurais correm o riscologo galera bet pngperder terras onde vivem há várias gerações "porque um belo dia oito ou dez pessoas resolveram que eram quilombolas, orientadas por ONGs e professoreslogo galera bet pnguniversidades".

O também ruralista e deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS) diz esperar que o STF defina no julgamento um "marco temporal" para todas as demarcaçõeslogo galera bet pngáreas quilombolas e indígenas. Segundo o princípio do marco temporal, só teriam direito a reivindicar terras os indígenas e quilombolas que as ocupassem numa data específica. Para Heinze, a data deve ser a mesma da promulgação da Constituição: 5logo galera bet pngoutubrologo galera bet png1988.

Por esse princípio, terras que estivessem livreslogo galera bet pngindígenas ou quilombolas nessa data não poderiam ser reivindicadas.

O princípio do marco temporal - citado pelo Supremo no julgamento sobre a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol,logo galera bet pngRoraima - inviabilizaria grande parte das demarcaçõeslogo galera bet pngcurso e é combatido por indígenas e quilombolas, muitos dos quais dizem ter sido expulsoslogo galera bet pngseus territórios originais anteslogo galera bet png1988.

Quilombolas e indígenas têm protestado contra o estabelecimentologo galera bet pngum marco temporal para as demarcações.

Desfechos possíveis

Segundo o jurista Carlos Marés, especialistalogo galera bet pngdireito socioambiental e professor da PUC-Paraná, se o STF decidir que o decreto é constitucional - decisão que ele considera mais provável - as regras continuarão como estão.

Já se a corte avaliar que o decreto é inconstitucional, ele diz que o país ficaria sem norma para definir áreas quilombolas. Ele avalia que terras já demarcadas não seriam afetadas e que a continuidade das demarcações dependeria da vontade política do governo.

"O governo poderia concluir os processos que não têm litígio e, nos demais, terialogo galera bet pnganalisá-los um por um para ver qual o problema travando."

Segundo Marés, mesmo que o STF acolha os argumentos do DEM, o direito dos quilombolas às suas terras continuaria assegurado pela Constituição.

Já o ISA (Instituto Socioambiental), que é contrário à petição do DEM, afirma que o STF pode "deixar sem sustentação jurídica todas as terras já tituladas" se avaliar que o decreto é inconstitucional. O instituto diz que, nesse cenário, o STF na prática inviabilizaria novas titulações - já que é improvável que um Congresso com forte presença ruralista aprove qualquer lei substituindo o decreto.

A disputa entre quilombolas e ruralistas expõe divergências quanto à interpretação legal do conceitologo galera bet pngquilombo.

No passado, o termo era associado no Brasil a gruposlogo galera bet pngescravos fugidos e seus descendentes. A Constituiçãologo galera bet png1988 tratou do tema ao determinar que "aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos".

Emlogo galera bet pngpetição ao STF, o DEM diz que a Carta exige a comprovação "da remanescência - e não da descendência - das comunidades dos quilombos para que fossem emitidos os títulos". Ou seja, o partido diz que as comunidades devem provar que são oriundaslogo galera bet pnggruposlogo galera bet pngescravos fugidos.

Já a Associação Brasileiralogo galera bet pngAntropologia (Aba) divulgoulogo galera bet png1994 um documento defendendo que a expressão remanescentelogo galera bet pngquilombo não se referia apenas a grupos "constituídos a partirlogo galera bet pngmovimentos insurrecionais ou rebelados", mas também a comunidades "que desenvolveram práticaslogo galera bet pngresistência na manutenção e reproduçãologo galera bet pngseus modoslogo galera bet pngvida característicos num determinado lugar".

Segundo essa interpretação, hoje predominante entre os quilombolas brasileiros, o termo quilombo se aplica aos contextoslogo galera bet pngvárias comunidades negraslogo galera bet pngdiferentes partes do país.

Processos parados

Desde 1995, quando o governo federal demarcou pela primeira vez uma comunidade quilombola, uma minoria dos grupos conseguiu os títulos das terras. Vários processos se arrastam há maislogo galera bet pnguma década e foram parar na Justiça.

O Executivo tem feito pouco para destravá-los. Em abril, a BBC Brasil publicou uma reportagem mostrando que o governo Michel Temer havia ordenado a suspensãologo galera bet pngtitulaçõeslogo galera bet pngterritórios quilombolas até que o STF retomasse o julgamento da ação do DEM.

A decisão, comunicada pela Casa Civil ao Ministério Público Federallogo galera bet pngofício, ocorre num momentologo galera bet pngque o governo atende a várias demandas da bancada ruralistalogo galera bet pngtrocalogo galera bet pngapoio político no Congresso.