Marina poderia ser favorita para 2018, mas 'queimou caravelas com esquerda' ao apoiar impeachment, diz fundador da Rede:esporte betânia

Luiz Eduardo Soares
Legenda da foto, Criador da Rede diz que Marina pode ter se prejudicado por ter apoiado impeachmentesporte betâniaDilma

Em entrevista à BBC Brasil, o cientista político considera que o cenário para 2018 estáesporte betâniaaberto e depende da possibilidadeesporte betâniaLula se candidatar ou não. O caminho até lá também é imprevisível. "Hoje o Temer já é dispensável para as elites", diz Soares. "Eu diria queesporte betâniapermanência é realmente incerta."

Especialistaesporte betâniasegurança pública, critica a presença do Exército no Rio e diz que o efeito é meramente simbólico, para transmitir uma imagemesporte betâniasegurança à classe média.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

esporte betânia BBC Brasil - O senhor ajudou a fundar a Rede Sustentabilidade e saiu fazendo críticas ao partido. Como vê hoje as perspectivas para a Marina Silva?

esporte betânia Soares - Fui o primeiro presidente da Rede no Rio. Mas a frustração foi muito grande, porque os víciosesporte betâniatodos os partidos foram simplesmente reproduzidos.

A minha divergência com a Marina teve a ver com seu apoio ao impeachment (da presidente Dilma Rousseff). Ela tinha sempre se manifestado contrária. O (deputado Alessandro) Molon entrou para o partido depois que ela se comprometeu a ser contrária.

E uma semana antes da votação, ela se pronunciou a favor do impeachment, sem nos consultar. E pior ainda, a direção do partido, que era contrária ao impeachment, mudouesporte betâniaposição menosesporte betânia24 horas depois, para não deixá-la só. Isso é o retratoesporte betâniaque o partido não dispõeesporte betâniainstâncias autônomas.

esporte betânia BBC Brasil - Qual foi o impacto dessa mudança para a trajetória política dela? O senhor acredita que Marina tenha chancesesporte betânia2018?

esporte betânia Soares - Ser a favor do impeachment significava entregar o país ao núcleo mais perigoso da política nacional, o PMDB. Quando ela assumiu essa posição, extremamente irresponsável do pontoesporte betâniavista da democracia, acho que queimou as caravelas relativamente ao campo das esquerdas. Não só do PT, das esquerdas.

Ela hoje teria todas as condiçõesesporte betâniaser favorita nas eleiçõesesporte betânia2018 se tivesse se mantido contra o impeachment. Poderia unificar o campo das esquerdas com um discurso palatável, capazesporte betâniasuscitar respeito entre eleitores do centro, e a população evangélica também se reconheceria nela. Ela viria com um potencial eleitoral muito grande.

Comesporte betâniaruptura com o campo da esquerda, resta a ela buscar unir o centro com fatias mais conservadoras eesporte betâniacentro-esquerda. Mas isso já circunscreve o seu potencial eleitoral e político.

Ela deixouesporte betâniaser espontânea e genuína. Essa era aesporte betâniamarca. Passou a estar sempre numa posição ambígua, com poucas definições claras, e a jogar o jogo mais tradicional. Mas sem dúvida é uma candidatura forte potencialmente.

Ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva

Crédito, Elza Fiúza/Agência Brasil

Legenda da foto, Para Luiz Eduardo Soares, a ex-ministra Marina Silva deixouesporte betâniaser 'espontânea' e 'genuína'

esporte betânia BBC Brasil - O cenário ainda está muitoesporte betâniaaberto para 2018 - o que o senhor acha que está se desenhando para a disputa?

esporte betânia Soares - O Lula é um forte candidato, porque para a maioria da população fez o melhor governo que experimentaram. Eesporte betâniafato os resultados foram notáveis, superiores aos governos anterioresesporte betâniatermosesporte betâniacrescimento eesporte betâniareduçãoesporte betâniadesigualdades. Ele saiu com 85%esporte betâniaaprovação popular. Isso é um patrimônio extraordinário, que está sendo erodido pelas denúncias constantes da mídia.

Você tem um aventureiro, o prefeitoesporte betâniaSão Paulo, João Doria. Ele não merece confiança cívica. De maneira cínica, ele se apresenta como não-político, mas faz política o tempo todo, e da pior qualidade. É um demagogo que se apresenta como anti-Lula, anti-PT, já que não tem substância. O Alckmin, a alternativa do PSDB tradicional, tem mais substância, mas é muito difícil que o PSDB eleja um presidente dianteesporte betâniatantas denúncias.

E hoje temos a extrema-direitaesporte betâniafato fascista, que propõe golpe militar, o Jair Bolsonaro. Ele nunca foi exposto, cobrado, nunca lhe perguntaram nada sobre o Brasil. Ele é apenas o que denuncia, que falaesporte betânianome da ordem, e reuniu uma multidãoesporte betâniaadmiradores com a corrosão da credibilidade das instituições.

Já Ciro Gomes, acho que tem muita dificuldadeesporte betâniase consolidar porque se comportouesporte betâniamaneira erráticaesporte betâniarelação a compromissos e vinculações partidárias no passado, gerando incertezaesporte betâniatornoesporte betâniaseu comportamento, ainda que tenha talento e um projeto com alguma substância.

esporte betânia BBC Brasil - O senhor considera o ex-presidente Lula um candidato forte, mas ele é réu cinco vezes e já foi condenadoesporte betâniaprimeira instânciaesporte betâniaum sexto caso, o do tríplex do Guarujá.

esporte betânia Soares - Essas denúncias são muito complicadas. As do sítioesporte betâniaAtibaia e do tríplex são ridículas e não sensibilizarão a população. As pessoas sabem como funcionam os poderes no Brasil, e dirão, mesmo que (a sérieesporte betâniaacusações contra Lula) seja verdade, que outras pessoas estão aí roubando bilhões.

Na época do Adhemaresporte betâniaBarros, um governadoresporte betâniaSão Paulo que foi muito popular, a população dizia, "ele rouba, mas faz". Já que a categoria dos políticos é basicamente corrupta, com raras exceções, vamos escolher entre os que produzem benefícios. Esse tipoesporte betâniaespírito vai acabar prevalecendo quando as questões estiverem ainda num nívelesporte betâniasítio, pedalinho e apartamento.

esporte betânia BBC Brasil - A percepção sobre corrupção mudou com a Lava Jato ou o senhor acha que mesmo hoje as pessoas ainda comprariam essa ideia do "rouba, mas faz"?

esporte betânia Soares - Se você tiver um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, não tenho dúvida que todos que criticam o Lula hoje vão votar nele. Todos que têm alguma ambição democrática. Mesmo que acreditem que ele tem algum envolvimento com corrupção. Talvez tenhamos que votar contra, e não a favor.

Os juristas mais importantes que conheço consideram pífias as acusações contra o Lula. Estou convencidoesporte betâniaque a fundamentação é insuficiente para uma condenação.

Não estou dizendo que a Lava Jato não mereça respeito. Mas que houve uma inclinação política na focalização do PT, houve. O PSDB começou a aparecer muito mais recentemente, eesporte betâniaforma muito mais leve que o PT, e os problemas são equivalentes. E são superados pelo PMDB, onde reside o núcleo central e mais tarimbado da corrupção na política brasileira.

Retirar a Dilma para levar o representante do PMDB para o poderesporte betânianome da ética é despudoradamente hipócrita. Pois as massas foram às ruas, a classe média, instigada pela Globo, para apoiar essa troca. E diante do quadro atual, não há o mesmo tipoesporte betâniainvestimento na mobilização política. As ruas estão vazias, por assim dizer.

esporte betânia BBC Brasil - Depoisesporte betâniaser quase derrubado pelo escândalo da JBS, o presidente Michel Temer conseguiu sobreviver ao julgamento do TSE e ao voto na Câmara que barrou a denúnciaesporte betâniacorrupção contra ele. O senhor acha que agora ele consegue se manter até o fim do mandato?

esporte betânia Soares - Ninguém sério pode responder a essa pergunta com convicção. É impossível saber. As variáveis são incontroláveis, como as que advenham das investigações da Lava Jato. Se algumas delações forem aceitas e negociadas, é possível que Temer não consiga se sustentar.

Até porque já há um substituto comprometido a seguir a agenda regressiva para cujo cumprimento Temer foi elevado a presidente. O afastamento da Dilma foi uma manobra para que essa agenda neoliberal extrema fosse implementada, que nunca obteria apoioesporte betâniauma eleição.

Estamos dianteesporte betâniauma verdadeira intervenção neoliberal, com uma agenda obscurantista e regressiva. Enquanto as atenções públicas se voltam para a permanência ou não do presidente, ele e o seu governo se apressam, na calada da noite, a promover mudanças trágicas para as sociedades indígenas, para a sustentabilidade, o meio ambiente.

Antropólogo Luiz Eduardo Soares

Crédito, Agência Brasil

Legenda da foto, Antrópologo e fundador da Rede critica posturas ambíguasesporte betâniaMarina Silva

Eu acredito que haja condições para que o Temer caia. Quais são as condições imprescindíveis? Uma alternativa comprometida com a implementação das mesmas reformas neoliberais, que é o Rodrigo Maia.

Hoje o Temer já é dispensável para as elites. Se ele cair, o presidente da Câmara pode dar sequência à agenda das reformas. E se as elites já têm um estepe, talvez ele seja mais conveniente. Mesmo que venha a ser denunciado, este será um processo demorado, e ele implementariaesporte betâniaforma talvez mais fluente a agenda neoliberal.

Se isso é possível, o Temer corre risco. Diria que hojeesporte betâniapermanência é realmente incerta.

esporte betânia BBC Brasil - O Congresso está se movimentando para aprovar uma reforma política que implantaria o chamado distritão, que vem sendo criticado como um sistema que favoreceria a eleiçãoesporte betâniavelhos conhecidos da política. O senhor acha que isso vai adiante?

esporte betânia Soares - Isso é assustador. O distritão elimina as minorias, torna as eleições muito mais caras e com resultados previsíveis, porque os que já estão no poder vão viabilizaresporte betâniareeleição, e as celebridades terão privilégios. Não haverá possibilidadeesporte betâniaque os partidos ideológicos se destaquem. As propostas vão ficaresporte betâniasegundo plano. Não à toa, esta é uma ideia do Temer, e do Cunha, que está sendo apresentada pelo PMDB e pelas forças conservadoras do Congresso.

esporte betânia BBC Brasil - O ministro do STF Luís Roberto Barroso disse há alguns dias que a crise política está levando a um "cenárioesporte betâniadevastação no Brasil", e que é impossível não sentir vergonha. O momento lhe causa vergonha?

esporte betânia Soares - Claro. Quer dizer, eu não sei se vergonha é o termo, porque vergonha significa que você se sente representado pelos que elegeu e culpado pelo que está acontecendo. Eu não sinto assim, porque quando a gente é derrotado, não é necessariamente responsável pelo que sucede após a derrota.

Presidente do Brasil, Michel Temer

Crédito, Valter Campanato/Agência Brasil

Legenda da foto, Para Luiz Eduardo Cardoso, há condições para que Temer caia do cargo se deleções forem aceitas e negociadas

esporte betânia BBC Brasil - Então é vergonha alheia?

esporte betânia Soares - Ah, isso sim. Sem dúvida (risos).

esporte betânia BBC Brasil - Há algo que lhe dê esperança no momento?

esporte betânia Soares - O longo prazo. Se você estuda história, você tem a perspectivaesporte betâniaque as coisas foram muito piores. Já vivemos momentos mais difíceis durante a ditadura. E o que ocorreu no Brasil no século 20 pode nos dar esperançaesporte betâniamudanças profundas.

No curto prazo, não dá para ser otimista. Mas os processos são dinâmicos. E há uma potência que vibra no subsolo do Brasil desde 2013 cujas energias podem se converteresporte betâniatransformações importantes.

esporte betânia BBC Brasil - O senhor costuma falar no deslocamentoesporte betâniaplacas tectônicas quando busca explicar os efeitos dos protestosesporte betânia2013. Esses efeitos ainda estão sendo sentidos?

esporte betânia Soares - A metáfora me ocorreu quando senti nas ruas essa palpitação, essa energia pulsando, inclusive a alegria da participação. Aqueles foram momentosesporte betâniafesta, e eu dizia, o Brasil se revolta, se rebela, vai às ruas porque melhorou bastante. Em geral é assim. Você potencializa os agentes sociais, que elevam suas expectativas e assumem protagonismo.

Foi um momento muito bonito, contraditório. As mensagens eram, basicamente, que há um colapso da representação política. Ninguém acredita mais nas instituições políticas tal como funcionam. Isso é perigoso, mas é também condição positivaesporte betâniamudança.

O fatoesporte betânianão ter havido nenhuma modificação diretamente derivadaesporte betânia2013 não significa que aquilo não tenha sido muito importante.

A partir dali, a gente passou a viver intensamente o que vivera anteriormente, mas requalificando as relações. Se já havia adversários, eles se transformaramesporte betâniainimigos. Se já havia oposições, elas se converteramesporte betâniaconfrontos. Se havia uma linguagem da disputa, ela se converteuesporte betâniacódigo do ódio. As polarizações se enrijeceram e se firmaram.

O que marca tudo isso é a intensificação. E essa intensidade tem um sentido e ainda não se manifestou plenamente. Isso pode ser uma fonteesporte betâniatemor ou esperança. Nós estamosesporte betâniaum momento como esse diante da história, do seu abismo eesporte betâniasuas promessas.

esporte betânia BBC Brasil - Por que as ruas estão vazias? Por que não vemos nada parecido com as mobilizaçõesesporte betânia2013 ouesporte betâniaantes do impeachment?

esporte betânia Soares - O cenário está totalmente aberto, e as pessoas estão pensando nas consequências (dessa mobilização). Elas vão para a rua clamar pela queda do Temer para então receber Rodrigo Maia? E para continuar com a agenda das reformas?

A classe média pode desejar isso, mas a maioria da população positivamente não, conforme demonstram pesquisasesporte betâniaopinião. Além disso, há uma suspeição enormeesporte betâniaque as movimentações vão acabar beneficiando o Lula, então os contrários ao Lula não vão se envolver.

esporte betânia BBC Brasil - Como o senhor vê a situação atualesporte betâniasegurança no Rio? Temos visto uma escaladaesporte betâniaviolência e o governo respondeu com o envio do Exército. O senhor acha que isso ajuda a resolver o problemaesporte betâniaalguma maneira?

esporte betânia Soares - Não, claro que não, e a cúpula do Exército sabe disso. Sabe que os soldados não estão preparados para fazer vigilância nas ruas, para abordagens, eventuais enfrentamentos e para respeitar limites indispensáveis às ações internas ao país. Eles têm muito medoesporte betâniaum eventual deslize,esporte betâniauma ação precipitada ou mesmoesporte betâniauma autodefesa legítima, porque isso impacta a imagem do Exército.

Mas o fato é que presença do Exército tem efeito meramente simbólico. Transmite uma imagemesporte betâniasegurança para a classe média, que acha que agora está protegida. Não há dados sobre ações anteriores que demonstrem que esse é o caso. Os números não mostram quedaesporte betâniacriminalidade. Ao contrário, às vezes até aumentam, sobretudoesporte betâniahomicídios dolosos.

esporte betânia BBC Brasil - É um gestoesporte betâniadesespero convocar o Exército?

esporte betânia Soares - Mas é claro, e isso o governo já disse explicitamente. Deixou claro que não tem recursos, está perdido, não sabe mais o que fazer. Qualquer iniciativa para qualificar o trabalho das polícias envolveria mais recursos, e o Estado está quebrado, não paga os funcionários, mal paga as polícias.

Eles estão inteiramente perdidos e reproduzem o velho padrão da guerra às drogas e intervenção bélica nas favelas, que produzem desastres. São mortesesporte betâniainocentes por balas perdidas, mortesesporte betâniasuspeitos e mortesesporte betâniapoliciais.