Crime, castigo e livros: as resenhas que reduzem penasbotafogo estrela betprisões superlotadas:botafogo estrela bet
O projeto segue a Leibotafogo estrela betDiretrizes Penais, que prevê remissãobotafogo estrela betpenas por trabalho e estudo. Segundo a resolução do CNJ, cabe aos governos estaduais criar programasbotafogo estrela betleitura nos sistemas prisionais - o preso só pode participarbotafogo estrela betforma voluntária.
Na prisão, Álvaro diz que percebeu que assassinar o amigo também tirou parte dabotafogo estrela betvida: a liberdade da rua, o contato diário com suas duas filhas e a família e com o cachorro Bob. "Sinto muita falta dele, manja? Se tudo der certo, posso voltar a vê-lo, acho que ele está com uma vizinha", diz.
Quando terminou a leitura, ele teve alguns dias para escrever uma resenha e, assim, conseguir reduzirbotafogo estrela betquatro dias o seu período no cárcere: no texto, precisou explicar do que se trata a obra, quais são personagens principais, se o narrador estábotafogo estrela betprimeira ou terceira pessoa. Também fez um julgamento crítico, dizendo por que gostou do livro, e se o indicaria para outra pessoa.
A críticabotafogo estrela betFrazão foi então avaliada por um juiz, que autorizou a remissão. Ele pode negar o benefício caso o preso copie a orelha do livro, por exemplo.
Depoisbotafogo estrela betresenhar Marley & Eu, Álvaro começou O espetáculo mais triste da Terra, livro-reportagembotafogo estrela betMauro Ventura sobre um incêndiobotafogo estrela betum circobotafogo estrela betNiterói que matou 503 pessoas,botafogo estrela bet1961. Para ele, conhecer o sentimentobotafogo estrela betperda dos parentes das vítimas o ajudou a compreender o sofrimento que causou ao matar o amigo.
"Você lê sobre a mãe que perdeu o filho, a mulher que perdeu o marido", explica Frazão,botafogo estrela bet42 anos. "A princípio, eu não entendia o que eu fiz. Hoje eu consigo, vejo que, na hora, não contei até dez, manja? Hoje entendo que causei uma dor desnecessária... desnecessária."
Crime e culpa
Segundo o Ministério da Justiça, o clássico Crime e Castigo, do russo Fiódor Dostoiévski, é um dos livros mais lidos nas prisões brasileiras. Um preso começa assimbotafogo estrela betresenha sobre a obra: "O senhor Rodion Românovitch Raskólnikov, um jovem universitário vivendo na extrema miséria, sofrendobotafogo estrela betum grave problemabotafogo estrela betsaúde e possuído por um espírito do mal, comete um crime hediondo que complicou ainda maisbotafogo estrela betvida: ele assassinou duas pobres mulheres indefesas."
Embotafogo estrela betcrítica, outro homem relaciona os assassinatos praticados por Raskólnikov à pobreza. "Nenhum homem nasce mau", escreve, na conclusão. "É muito difícil uma pessoabotafogo estrela betclasse social paupérrima ser bem sucedida na vida, o Estado oferece poucas oportunidades, porque trata as pessoas como lixo social. O senhor Raskólnikov foi vítima das mazelas sociais, da miséria. Esse estilobotafogo estrela betvida induziu-lhe à criminalidade."
Outro presidiário tem opinião diferente: "Raskólnikov se achava superior e, por isso, matou as duas mulheres. A partir daí,botafogo estrela betmente obcecada passa a persegui-lo com a culpa". Em outra resenha sobre o livro, um homem escreve: "Esse magnífico romance nos mostra que o crime nunca compensa. Por isso aceitar o Evangelho é algo fundamentalbotafogo estrela betnossas vidas".
Para Elisande Quintino, coordenadora pedagógica do presídiobotafogo estrela betHortolândia, a obra mais famosabotafogo estrela betDostoiévski talvez ajude o preso a entender os motivos que o levaram ao crime. Funcionaria com um livrobotafogo estrela betautoajuda, categoria também muito buscada.
Ela conta que, na unidade, obras que tenham a palavra "crime" na capa são mais emprestadas que outras.
"Eles querem entender por que estão aqui [na cadeia], buscar caminhos fora do cárcere, querem entender a si próprios. Eles têm uma identificação muito forte com o personagem que passou por uma situação parecida com a deles", diz.
É Elisande,botafogo estrela bet50 anos, quem ensina os detentosbotafogo estrela betHortolândia a escrever uma resenha, um tipobotafogo estrela bettexto (resumindo e apreciando um livro) sobre o qual, na maioria das vezes, eles nunca tinham ouvido falar.
Entre os participantes da oficina, há formados na faculdade e pessoas que não têm nem o Ensino Fundamental.
Segundo o Ministério da Justiça, 60% da população carcerária brasileira não concluiu ou não cursou o Ensino Fundamental.
"Primeiro, ensino o que é um personagem, um protagonista, uma narrativa. Depois, o que é um narradorbotafogo estrela betprimeira pessoa", diz a coordenadora.
"A escrita é uma desconstrução do medo, porque todos nós temos medobotafogo estrela betescrever, essa é a primeira barreira", acrescenta.
Por situação parecida passou o juiz criminal Milton Lamenhabotafogo estrela betSiqueira, responsável pelo cumprimento das penas no presídio femininobotafogo estrela betPedro Afonso - municípiobotafogo estrela bet15 mil habitantesbotafogo estrela betTocantins.
Quando implantou a leitura no local, ele percebeu que muitas mulheres não conseguiam escrever as resenhas, pois eram analfabetas funcionais.
"O projeto esbarra nessa capacidadebotafogo estrela betintelecção do preso; normalmente ele não está preparado para participar. Nós tivemos primeiro que reforçar aulas básicas", diz.
Outro desafio, afirma o magistrado, é criar um hábito.
"Nem a classe média tem o hábitobotafogo estrela betler no Brasil, imagina na prisão. O que a gente faz é um esforçobotafogo estrela betformaçãobotafogo estrela betleitores".
Segundo Siqueira, depois que o projeto foi implantado, houve uma melhora nas relações entre as presas, e também no convívio delas com as carcereiras.
Para Elisande, que trabalha há 25 anos com educaçãobotafogo estrela betpenitenciárias, a leitura também ajuda o preso a encontrar um caminho para o futuro.
"Quanto mais se lê, mais se cresce intelectualmente, parabotafogo estrela betpensar coisas que não levam a nada. Ele aprende a se colocar no lugar do outro, mudabotafogo estrela betvisãobotafogo estrela betmundo e atébotafogo estrela betpostura diante da unidade prisional", explica.
"A sociedade e os governantes precisam sempre buscar alternativas para essas pessoas fora do sistema. Depois que ela sai daqui, cumprida a pena, ela é uma pessoa como qualquer outra, com os mesmos direitos", diz a coordenadora.
'O poder capitalista'
Nas 12 críticas às quais a BBC Brasil teve acesso, é possível perceber diferençasbotafogo estrela betformação entre os resenhistas.
Há textos com muitos erros ortográficos ebotafogo estrela betgramática normativa, alémbotafogo estrela betparecerem resumosbotafogo estrela betdifícil compreensão - há até correções do juizbotafogo estrela betcaneta vermelha, comobotafogo estrela betuma escola comum. Outros parecem escritos por estudantesbotafogo estrela betLetras, pois demonstram reflexão sobre a obra e até certo conhecimentobotafogo estrela betliteratura, por exemplo.
"Certo dia, a escritora brasileira Nélida Piñon disse: leia Guerra e Paz,botafogo estrela betLiev Tolstói, e você entenderá o que Napoleão não conseguiu entender. Parodiando a imortal escritora, podemos dizer o seguinte: leiam Incidentebotafogo estrela betAntares,botafogo estrela betÉrico Veríssimo, e vocês entenderão um pouco sobre o Brasil", escreveu um preso sobre o clássico do escritor gaúcho.
O livro satírico conta a história da cidade ficcionalbotafogo estrela betAntares, no interior do Rio Grande do Sul. Numa sexta-feira 13, sete pessoas morrem. Porém, os trabalhadores do município, inclusive os coveiros, estãobotafogo estrela betgreve - eles são perseguidos pelas autoridades. Os defuntos não são sepultados e acabam vagando e assombrando o local.
Outra pessoa opina sobre o mesmo livro: "O poder capitalista, sempre com grande influência sobre o poder judiciário, faz com que o povobotafogo estrela betmenor status social sofra com a injustiça. A Justiçabotafogo estrela betgeral no Brasil tem pesos e medidas diferentes, não sendo igual para todos".
Sobre O Caçadorbotafogo estrela betPipas, best-seller do afegão Khaled Hosseini, um preso explica a relação entre erro e redenção: "Quando um ser humano comete um erro, ele tem oportunidadebotafogo estrela betse redimir, mostrando quem realmente é. O livro mostra que não é possível mudar o passado, mas podemos nos redimir com atitudes no presente".
Como fugir da cadeia
Em 2014, o Brasil tinha a quarta maior população carcerária do mundo, com 622 mil pessoas - perdendo apenas para os Estados Unidos, China e Rússia, segundo o Levantamento Nacionalbotafogo estrela betInformações Penitenciárias, o Infopen - que não é atualizado há três anos.
Hortolândia, por exemplo, é um exemplo da superlotação do sistema: a unidade com rodabotafogo estrela betleitura tem capacidade para 1.125 pessoas, mas tem 1.940 - eles cumprem penabotafogo estrela betsistema semi-aberto.
Os números do Brasil mostram que, do totalbotafogo estrela betpresos, 28% foram sentenciados por tráficobotafogo estrela betdrogas - o crime que mais lota os presídios brasileiros.
Segundo Quintino, coordenadora pedagógicabotafogo estrela betHortolândia, condenados por tráfico são maioria entre aqueles que passam por suas oficinasbotafogo estrela betleitura e escrita. Dos quatro entrevistados pela BBC Brasil no local, três foram imputados nesse crime.
Lucas Ribeiro,botafogo estrela bet22 anos, jovembotafogo estrela betclasse média baixa do ABC paulista, é um deles.
Em 2013, quando cursava o primeiro ano da graduaçãobotafogo estrela betAdministração, foi detido com 40 gramasbotafogo estrela betmaconha e dinheiro. Lucas alegou que a droga era para consumo próprio. No entanto, a Justiça acreditou na versão policialbotafogo estrela betque o estudante estava traficando - ele foi condenado a sete anosbotafogo estrela betreclusão.
Antes da prisão, Lucas só conheceu a literatura por obrigação, na escola. Não gostava. Agora, habituado, diz que abre livros por interessebotafogo estrela betreduzirbotafogo estrela betpena, claro, mas também por necessidade.
"Na cadeia, a única coisa que não te tiram é seu conhecimento, aquilo que tem dentrobotafogo estrela betvocê".
Fãbotafogo estrela bethistóriasbotafogo estrela betsuspense, leu todos os best-sellers do americano Dan Brown, como Código da Vinci e O Símbolo Perdido.
"Leio para fugir do lugar onde estou", diz.
Variações dessa frase foram ditas por três dos entrevistados, como se a literatura fosse um túnelbotafogo estrela betfuga.
"Toda vez que o preso está no livro, ele está fora da cadeia", diz Geraldo Antonio Batista,botafogo estrela bet58 anos, cinco deles na cela.
Ele foi condenado a 14 anos por tráfico depois que plantou maconha no quintalbotafogo estrela betsua igreja Rastafari, que prega o uso religioso da erva. Segundo a denúncia, o religioso distribuía a droga para os fiéis. Ele agora sonha com a perspectivabotafogo estrela betvoltar ao templo e ficar livre para praticarbotafogo estrela betreligião.
Em Hortolândia, Batista trabalha como bibliotecário: ajuda os colegas a escolher os livros, auxilia a coordenadora Quintino, organiza o acervo e as resenhas.
Ele também decorou a sala da rodabotafogo estrela betleitura: nas paredes há fotosbotafogo estrela betGisele Bündchen, um exemplar da Constituição, críticas à revista Veja e uma réplica do quadro O Lavradorbotafogo estrela betCafé,botafogo estrela betCandido Portinari.
O último livro que Geraldo leu foi Odisseia,botafogo estrela betHomero. A história narra o tumultuado e fantástico retornobotafogo estrela betOdisseu, herói da Guerrabotafogo estrela betTroia, àbotafogo estrela betterra natal.
"A gente acaba se reconhecendo nos esforços do herói", diz.
Vidas secas
Naelson dos Santos,botafogo estrela bet43 anos, tornou-se um leitor assíduo na cadeia - antes, nunca havia lido um livro. De certa forma, ele se parece com Fabiano, protagonista do último livro que leu, Vidas Secas,botafogo estrela betGraciliano Ramos. Fala pouco e, quando fala, as palavras parecem surgir com dificuldade, com secura.
No dia 10botafogo estrela betabrilbotafogo estrela bet2010, ele foi preso transportando 1,9 kgbotafogo estrela betcocaína e 1,4 kgbotafogo estrela bethaxixe. Foi condenado a 17 anos por tráfico - sete deles já cumpridos.
Ele diz que viu no crime uma maneira "fácil"botafogo estrela betfugir do desemprego, da faltabotafogo estrela betestudo ebotafogo estrela betperspectiva.
"A gente acha que vai conseguir um dinheiro mais fácil, que nossa vida vai ficar melhor, mas acaba se tornando uma ilusão."
Desde o ano passado, Naelson já escreveu 16 resenhas - 64 dias a menos na cadeia.
Ele faz um paralelo entrebotafogo estrela bethistória e abotafogo estrela betFabiano.
"O livro fala da minha história, a vida rodeadabotafogo estrela betdificuldades, o sofrimento, a busca por uma vida melhor. A resenha e a leitura são o melhor jeitobotafogo estrela beteu sair daqui, um jeitobotafogo estrela betfugir do sofrimento, como o homem do livro", afirma.
Na obra, o protagonista é um homem pouco instruído, que tenta salvar a família das agruras da seca no sertão nordestino.
Como Fabiano, Naelson tem dois filhos pequenos. Para ele, sair da cadeia é como fugir da seca.