Crime, castigo e livros: as resenhas que reduzem penasjogos de dar dinheiroprisões superlotadas:jogos de dar dinheiro

Livros na cadeiajogos de dar dinheiroHortolândia
Legenda da foto, Em presídiojogos de dar dinheiroHortolândia, no interiorjogos de dar dinheiroSão Paulo, cercajogos de dar dinheiro30 presos participamjogos de dar dinheirorodajogos de dar dinheiroleitura duas vezes por semana (Foto: Rodrigo Pinto)

O projeto segue a Leijogos de dar dinheiroDiretrizes Penais, que prevê remissãojogos de dar dinheiropenas por trabalho e estudo. Segundo a resolução do CNJ, cabe aos governos estaduais criar programasjogos de dar dinheiroleitura nos sistemas prisionais - o preso só pode participarjogos de dar dinheiroforma voluntária.

Na prisão, Álvaro diz que percebeu que assassinar o amigo também tirou parte dajogos de dar dinheirovida: a liberdade da rua, o contato diário com suas duas filhas e a família e com o cachorro Bob. "Sinto muita falta dele, manja? Se tudo der certo, posso voltar a vê-lo, acho que ele está com uma vizinha", diz.

Quando terminou a leitura, ele teve alguns dias para escrever uma resenha e, assim, conseguir reduzirjogos de dar dinheiroquatro dias o seu período no cárcere: no texto, precisou explicar do que se trata a obra, quais são personagens principais, se o narrador estájogos de dar dinheiroprimeira ou terceira pessoa. Também fez um julgamento crítico, dizendo por que gostou do livro, e se o indicaria para outra pessoa.

A críticajogos de dar dinheiroFrazão foi então avaliada por um juiz, que autorizou a remissão. Ele pode negar o benefício caso o preso copie a orelha do livro, por exemplo.

Depoisjogos de dar dinheiroresenhar Marley & Eu, Álvaro começou O espetáculo mais triste da Terra, livro-reportagemjogos de dar dinheiroMauro Ventura sobre um incêndiojogos de dar dinheiroum circojogos de dar dinheiroNiterói que matou 503 pessoas,jogos de dar dinheiro1961. Para ele, conhecer o sentimentojogos de dar dinheiroperda dos parentes das vítimas o ajudou a compreender o sofrimento que causou ao matar o amigo.

"Você lê sobre a mãe que perdeu o filho, a mulher que perdeu o marido", explica Frazão,jogos de dar dinheiro42 anos. "A princípio, eu não entendia o que eu fiz. Hoje eu consigo, vejo que, na hora, não contei até dez, manja? Hoje entendo que causei uma dor desnecessária... desnecessária."

Álvaro Frazão
Legenda da foto, Álvaro Frazão, condenado por homicídio, passou a usar literatura como formajogos de dar dinheiroterapia para entender sofrimento que causou (Foto: Rodrigo Pinto)

Crime e culpa

Segundo o Ministério da Justiça, o clássico Crime e Castigo, do russo Fiódor Dostoiévski, é um dos livros mais lidos nas prisões brasileiras. Um preso começa assimjogos de dar dinheiroresenha sobre a obra: "O senhor Rodion Românovitch Raskólnikov, um jovem universitário vivendo na extrema miséria, sofrendojogos de dar dinheiroum grave problemajogos de dar dinheirosaúde e possuído por um espírito do mal, comete um crime hediondo que complicou ainda maisjogos de dar dinheirovida: ele assassinou duas pobres mulheres indefesas."

Emjogos de dar dinheirocrítica, outro homem relaciona os assassinatos praticados por Raskólnikov à pobreza. "Nenhum homem nasce mau", escreve, na conclusão. "É muito difícil uma pessoajogos de dar dinheiroclasse social paupérrima ser bem sucedida na vida, o Estado oferece poucas oportunidades, porque trata as pessoas como lixo social. O senhor Raskólnikov foi vítima das mazelas sociais, da miséria. Esse estilojogos de dar dinheirovida induziu-lhe à criminalidade."

Outro presidiário tem opinião diferente: "Raskólnikov se achava superior e, por isso, matou as duas mulheres. A partir daí,jogos de dar dinheiromente obcecada passa a persegui-lo com a culpa". Em outra resenha sobre o livro, um homem escreve: "Esse magnífico romance nos mostra que o crime nunca compensa. Por isso aceitar o Evangelho é algo fundamentaljogos de dar dinheironossas vidas".

Para Elisande Quintino, coordenadora pedagógica do presídiojogos de dar dinheiroHortolândia, a obra mais famosajogos de dar dinheiroDostoiévski talvez ajude o preso a entender os motivos que o levaram ao crime. Funcionaria com um livrojogos de dar dinheiroautoajuda, categoria também muito buscada.

Ela conta que, na unidade, obras que tenham a palavra "crime" na capa são mais emprestadas que outras.

"Eles querem entender por que estão aqui [na cadeia], buscar caminhos fora do cárcere, querem entender a si próprios. Eles têm uma identificação muito forte com o personagem que passou por uma situação parecida com a deles", diz.

É Elisande,jogos de dar dinheiro50 anos, quem ensina os detentosjogos de dar dinheiroHortolândia a escrever uma resenha, um tipojogos de dar dinheirotexto (resumindo e apreciando um livro) sobre o qual, na maioria das vezes, eles nunca tinham ouvido falar.

Entre os participantes da oficina, há formados na faculdade e pessoas que não têm nem o Ensino Fundamental.

Segundo o Ministério da Justiça, 60% da população carcerária brasileira não concluiu ou não cursou o Ensino Fundamental.

"Primeiro, ensino o que é um personagem, um protagonista, uma narrativa. Depois, o que é um narradorjogos de dar dinheiroprimeira pessoa", diz a coordenadora.

"A escrita é uma desconstrução do medo, porque todos nós temos medojogos de dar dinheiroescrever, essa é a primeira barreira", acrescenta.

Por situação parecida passou o juiz criminal Milton Lamenhajogos de dar dinheiroSiqueira, responsável pelo cumprimento das penas no presídio femininojogos de dar dinheiroPedro Afonso - municípiojogos de dar dinheiro15 mil habitantesjogos de dar dinheiroTocantins.

Quando implantou a leitura no local, ele percebeu que muitas mulheres não conseguiam escrever as resenhas, pois eram analfabetas funcionais.

"O projeto esbarra nessa capacidadejogos de dar dinheirointelecção do preso; normalmente ele não está preparado para participar. Nós tivemos primeiro que reforçar aulas básicas", diz.

Outro desafio, afirma o magistrado, é criar um hábito.

"Nem a classe média tem o hábitojogos de dar dinheiroler no Brasil, imagina na prisão. O que a gente faz é um esforçojogos de dar dinheiroformaçãojogos de dar dinheiroleitores".

Segundo Siqueira, depois que o projeto foi implantado, houve uma melhora nas relações entre as presas, e também no convívio delas com as carcereiras.

Para Elisande, que trabalha há 25 anos com educaçãojogos de dar dinheiropenitenciárias, a leitura também ajuda o preso a encontrar um caminho para o futuro.

"Quanto mais se lê, mais se cresce intelectualmente, parajogos de dar dinheiropensar coisas que não levam a nada. Ele aprende a se colocar no lugar do outro, mudajogos de dar dinheirovisãojogos de dar dinheiromundo e atéjogos de dar dinheiropostura diante da unidade prisional", explica.

"A sociedade e os governantes precisam sempre buscar alternativas para essas pessoas fora do sistema. Depois que ela sai daqui, cumprida a pena, ela é uma pessoa como qualquer outra, com os mesmos direitos", diz a coordenadora.

'O poder capitalista'

Nas 12 críticas às quais a BBC Brasil teve acesso, é possível perceber diferençasjogos de dar dinheiroformação entre os resenhistas.

Há textos com muitos erros ortográficos ejogos de dar dinheirogramática normativa, alémjogos de dar dinheiroparecerem resumosjogos de dar dinheirodifícil compreensão - há até correções do juizjogos de dar dinheirocaneta vermelha, comojogos de dar dinheirouma escola comum. Outros parecem escritos por estudantesjogos de dar dinheiroLetras, pois demonstram reflexão sobre a obra e até certo conhecimentojogos de dar dinheiroliteratura, por exemplo.

"Certo dia, a escritora brasileira Nélida Piñon disse: leia Guerra e Paz,jogos de dar dinheiroLiev Tolstói, e você entenderá o que Napoleão não conseguiu entender. Parodiando a imortal escritora, podemos dizer o seguinte: leiam Incidentejogos de dar dinheiroAntares,jogos de dar dinheiroÉrico Veríssimo, e vocês entenderão um pouco sobre o Brasil", escreveu um preso sobre o clássico do escritor gaúcho.

O livro satírico conta a história da cidade ficcionaljogos de dar dinheiroAntares, no interior do Rio Grande do Sul. Numa sexta-feira 13, sete pessoas morrem. Porém, os trabalhadores do município, inclusive os coveiros, estãojogos de dar dinheirogreve - eles são perseguidos pelas autoridades. Os defuntos não são sepultados e acabam vagando e assombrando o local.

Outra pessoa opina sobre o mesmo livro: "O poder capitalista, sempre com grande influência sobre o poder judiciário, faz com que o povojogos de dar dinheiromenor status social sofra com a injustiça. A Justiçajogos de dar dinheirogeral no Brasil tem pesos e medidas diferentes, não sendo igual para todos".

Sobre O Caçadorjogos de dar dinheiroPipas, best-seller do afegão Khaled Hosseini, um preso explica a relação entre erro e redenção: "Quando um ser humano comete um erro, ele tem oportunidadejogos de dar dinheirose redimir, mostrando quem realmente é. O livro mostra que não é possível mudar o passado, mas podemos nos redimir com atitudes no presente".

Resenha do livro "O Caçadorjogos de dar dinheiroPipas"
Legenda da foto, Preso usa resenha do livro 'O Caçadorjogos de dar dinheiroPipas',jogos de dar dinheiroKhaled Hosseini, para fazer reflexão sobre erro e redenção

Como fugir da cadeia

Em 2014, o Brasil tinha a quarta maior população carcerária do mundo, com 622 mil pessoas - perdendo apenas para os Estados Unidos, China e Rússia, segundo o Levantamento Nacionaljogos de dar dinheiroInformações Penitenciárias, o Infopen - que não é atualizado há três anos.

Hortolândia, por exemplo, é um exemplo da superlotação do sistema: a unidade com rodajogos de dar dinheiroleitura tem capacidade para 1.125 pessoas, mas tem 1.940 - eles cumprem penajogos de dar dinheirosistema semi-aberto.

Os números do Brasil mostram que, do totaljogos de dar dinheiropresos, 28% foram sentenciados por tráficojogos de dar dinheirodrogas - o crime que mais lota os presídios brasileiros.

Segundo Quintino, coordenadora pedagógicajogos de dar dinheiroHortolândia, condenados por tráfico são maioria entre aqueles que passam por suas oficinasjogos de dar dinheiroleitura e escrita. Dos quatro entrevistados pela BBC Brasil no local, três foram imputados nesse crime.

Lucas Ribeiro,jogos de dar dinheiro22 anos, jovemjogos de dar dinheiroclasse média baixa do ABC paulista, é um deles.

Em 2013, quando cursava o primeiro ano da graduaçãojogos de dar dinheiroAdministração, foi detido com 40 gramasjogos de dar dinheiromaconha e dinheiro. Lucas alegou que a droga era para consumo próprio. No entanto, a Justiça acreditou na versão policialjogos de dar dinheiroque o estudante estava traficando - ele foi condenado a sete anosjogos de dar dinheiroreclusão.

Antes da prisão, Lucas só conheceu a literatura por obrigação, na escola. Não gostava. Agora, habituado, diz que abre livros por interessejogos de dar dinheiroreduzirjogos de dar dinheiropena, claro, mas também por necessidade.

"Na cadeia, a única coisa que não te tiram é seu conhecimento, aquilo que tem dentrojogos de dar dinheirovocê".

Fãjogos de dar dinheirohistóriasjogos de dar dinheirosuspense, leu todos os best-sellers do americano Dan Brown, como Código da Vinci e O Símbolo Perdido.

"Leio para fugir do lugar onde estou", diz.

Variações dessa frase foram ditas por três dos entrevistados, como se a literatura fosse um túneljogos de dar dinheirofuga.

"Toda vez que o preso está no livro, ele está fora da cadeia", diz Geraldo Antonio Batista,jogos de dar dinheiro58 anos, cinco deles na cela.

Ele foi condenado a 14 anos por tráfico depois que plantou maconha no quintaljogos de dar dinheirosua igreja Rastafari, que prega o uso religioso da erva. Segundo a denúncia, o religioso distribuía a droga para os fiéis. Ele agora sonha com a perspectivajogos de dar dinheirovoltar ao templo e ficar livre para praticarjogos de dar dinheiroreligião.

Em Hortolândia, Batista trabalha como bibliotecário: ajuda os colegas a escolher os livros, auxilia a coordenadora Quintino, organiza o acervo e as resenhas.

Ele também decorou a sala da rodajogos de dar dinheiroleitura: nas paredes há fotosjogos de dar dinheiroGisele Bündchen, um exemplar da Constituição, críticas à revista Veja e uma réplica do quadro O Lavradorjogos de dar dinheiroCafé,jogos de dar dinheiroCandido Portinari.

O último livro que Geraldo leu foi Odisseia,jogos de dar dinheiroHomero. A história narra o tumultuado e fantástico retornojogos de dar dinheiroOdisseu, herói da Guerrajogos de dar dinheiroTroia, àjogos de dar dinheiroterra natal.

"A gente acaba se reconhecendo nos esforços do herói", diz.

Naelson dos Santos
Legenda da foto, Naelson dos Santos,jogos de dar dinheiro43 anos, escreveu 16 resenhas desde o ano passado - conseguiu reduzirjogos de dar dinheiropenajogos de dar dinheiro64 dias (Foto: Rodrigo Pinto)

Vidas secas

Naelson dos Santos,jogos de dar dinheiro43 anos, tornou-se um leitor assíduo na cadeia - antes, nunca havia lido um livro. De certa forma, ele se parece com Fabiano, protagonista do último livro que leu, Vidas Secas,jogos de dar dinheiroGraciliano Ramos. Fala pouco e, quando fala, as palavras parecem surgir com dificuldade, com secura.

No dia 10jogos de dar dinheiroabriljogos de dar dinheiro2010, ele foi preso transportando 1,9 kgjogos de dar dinheirococaína e 1,4 kgjogos de dar dinheirohaxixe. Foi condenado a 17 anos por tráfico - sete deles já cumpridos.

Ele diz que viu no crime uma maneira "fácil"jogos de dar dinheirofugir do desemprego, da faltajogos de dar dinheiroestudo ejogos de dar dinheiroperspectiva.

"A gente acha que vai conseguir um dinheiro mais fácil, que nossa vida vai ficar melhor, mas acaba se tornando uma ilusão."

Desde o ano passado, Naelson já escreveu 16 resenhas - 64 dias a menos na cadeia.

Ele faz um paralelo entrejogos de dar dinheirohistória e ajogos de dar dinheiroFabiano.

"O livro fala da minha história, a vida rodeadajogos de dar dinheirodificuldades, o sofrimento, a busca por uma vida melhor. A resenha e a leitura são o melhor jeitojogos de dar dinheiroeu sair daqui, um jeitojogos de dar dinheirofugir do sofrimento, como o homem do livro", afirma.

Na obra, o protagonista é um homem pouco instruído, que tenta salvar a família das agruras da seca no sertão nordestino.

Como Fabiano, Naelson tem dois filhos pequenos. Para ele, sair da cadeia é como fugir da seca.

Resenha do livro Crime e Castigo
Legenda da foto, Resenhas escritas por detentos são corrigidas por um juiz, que pode ou não autorizar a reduçãojogos de dar dinheiropena