'Sinto saudadeslot booongoser criança':slot booongouma década, gravidezslot booongomeninasslot booongo10 a 14 anos não diminui no Brasil:slot booongo
Sente saudadeslot booongoser criança? "Sinto. Eu jogava bola na rua, bolaslot booongogude". E agora? "Não…. Ficoslot booongocasa e vou à igreja", diz, enquanto revê na televisão o filme Esqueceramslot booongoMim 3.
Aos 15 anos, dois anos após o ter o primeiro filho, ela sofreu um aborto, e agora, aos 16, acabaslot booongodar à luz uma menina, que mamaslot booongoseus braços. Depois do último parto, quis fazer uma laqueadura, mas o procedimento não é permitido para mulheres tão jovens.
Hoje, cria os filhos sozinha. O pai da primeira criança morreu assassinado. O da recém-nascida,slot booongo23 anos, moraslot booongouma comunidade afastada do centroslot booongoAutazes e só soube que seria pai quando a gravidez estava no sexto mês. Os dois já não estão juntos - Maria diz que ele ajuda a comprar fraldas ou talco, mas não costuma cuidar da filha. "O que pedir, ele dá, mas tem medoslot booongopegar porque ela é muito pequenininha".
Maria - cujo nome verdadeiro foi preservado para não expô-la, assim como o das demais entrevistadas - é uma das quase 305 mil brasileirasslot booongo10 a 14 anos que tiveram filhos entre 2005 e 2015, segundo o Datasus (bancoslot booongodados do Ministério da Saúde), que reúne os registrosslot booongomaternidades e cartórios.
Os números mostram que a gravidez entre meninas dessa idade ocorreslot booongotodo o país, principalmente nas áreas mais pobres, alcançando os piores índices na região Norte. O mais grave é que a taxaslot booongofecundidade entre garotas nessa faixa etária não tem caído, ao contrário da tendência geral do país,slot booongoque se observa queda nos nascimentos tanto entre adolescentes (mulheresslot booongo15 a 19 anos), quanto entre adultas (a partirslot booongo20 anos).
Com a ajuda da demógrafa Suzana Cavenaghi, a BBC Brasil calculou que o númeroslot booongonascidos vivos a cada mil mulheres entre 15 e 49 anos caiuslot booongo58,9 bebêsslot booongo2005 para 53,6slot booongo2015. Enquanto isso, a taxa para meninas entre 10 e 14 anos ficouslot booongo3,2 bebês nos mesmos anos.
Não há um bancoslot booongodados que permita ampla comparação internacional para gravidez entre meninas dessa idade. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, a gestação nesse grupo etário é bem mais baixa e estáslot booongocontínua queda: segundo o relatório mais recente do Departamentoslot booongoSaúde americano, a taxaslot booongonascimentos por mil garotasslot booongo10 a 14 anos caiuslot booongo0,6slot booongo2007 para 0,2slot booongo2015. Em 1991, eraslot booongo1,4.
Retrocesso na educação sexual
Ouvidos pela BBC Brasil, especialistas das áreasslot booongosaúde, educação e direito que acompanham o tema apontam para diversos fatores que podem explicar a persistência desse quadro, com destaque para a faltaslot booongoorientação sexualslot booongocasa e nas escolas.
Segundo a Unesco, o ensino sobre os temas sexualidade e prevenção à gravidez sofreu enorme retrocesso no Brasil desde 2011, quando a polêmica envolvendo o material educativo Escola sem Homofobia (que ficou tachadoslot booongo"kit gay") acabou levando ao recolhimentoslot booongotodo o suporte didático para educação sexual, que era distribuído desde 2003 para crianças a partir dos 12 anos, no âmbito do Programa Saúde na Escola.
"Hoje, nessa faixa etáriaslot booongo10 a 14, nada tem sido feito no campo das políticas públicasslot booongoeducação e sexualidade. Não existe uma diretriz nacional. Isso acaba virando um tabu e, como consequência, temos as crianças engravidando", critica Rebeca Otero, coordenadoraslot booongoEducação da Unesco no Brasil.
Para o órgão da ONU, a educação sobre sexualidade e gênero deve começar desde os cinco anos, para meninas e meninos. Isso nunca foi implementado no Brasil, diz Otero.
"A orientação da Unesco é que os assuntos sejam adaptados a cada faixa etária: o conhecimento do corpo, por que sente o desejo, o que é abuso sexual. Tendo essa informação, a criança vai saber como se protegerslot booongouma gravidez, como postergarslot booongovida sexual, caso queira".
Sem orientação, as meninasslot booongomenor renda são as mais vulneráveis, nota Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan, especializadoslot booongosexualidade.
"Muitas vezes, nas casas mais pobres, a família inteira é obrigada a viver num mesmo ambiente. Então, pais fazem sexo e elas não só assistem, como passa a ser algo muito natural ainda cedo", observa.
"E hoje há também muito mais mães e pais separados,slot booongobuscaslot booongonovos parceiros. Essas meninas convivemslot booongoambiente muito mais sensualizado do que antigamente, também pela mídia, músicas, televisão, internet. Mas, ao mesmo temposlot booongoque vivem num mundo social com muita liberdade, há um despreparo da escola, da família, para encarar que elas já podem ser sexualmente ativas. Elas ficam vulneráveis pela ignorância", afirma.
'Já vai abrindo as pernas'
E se a escola e a sociedade não educam para evitar a gravidez,slot booongogeral também não estão preparadas para acolher as meninas gestantes, ressalta Otero.
Grávida aos 14 anosslot booongoum namoradoslot booongo19slot booongouma comunidade pobreslot booongoAutazes, Lúcia sofreu represálias na escola e na igreja evangélica. "Já vai abrindo as pernas, depois fica sem condição", disse ter ouvidoslot booongoum professor.
Ela não queria um filho, mas, religiosa, nem cogitou o aborto. "Sabia que era uma vida, não podia matar."
A filha nasceu há um mês e agora ela só pode ir à igreja se ficar isolada. Foi excluída do gruposlot booongojovens,slot booongoque participava do coral,slot booongoprincipal distração. O pastor quer que ela case com o pai da criança "para voltar à comunhão e participar do gruposlot booongosenhoras".
"Eu não sou senhora. Tenho que ter responsabilidade por causa dela, mas não tenho que ser senhora. Me senti abandonada, senti revolta", contou.
Lúcia sente saudade do seu corpo. Os seios ficaram bem maiores, a barriga ganhou estrias. Está traumatizada com a gravidez e diz que não quer mais ter filhos. O processoslot booongoparto foi difícil, com duas hemorragias, e acabouslot booongocesárea. "Achei que tinha morrido. Minha vista escureceu, perdi o movimento do corpo. Dorslot booongoparto vai quebrando tudo dentro da gente", relembra.
Lúcia decidiu ter uma segunda chance na vida: vai se mudar no próximo ano para Presidente Figueiredo, outra cidade do Amazonas, onde terá o suporteslot booongouma tia. A filha vai ficar com a mãeslot booongoLúciaslot booongoAutazes - ela, que também teve o primeiro filho aos 14 e foi obrigada ao matrimônio, apoia a decisão da menina.
"Casamento cedo tira a liberdade. Eu vou sentir saudades da minha filha, mas lá a escola é melhor. Quero ser arquiteta, pegar ela quando eu tiver faculdade e condiçãoslot booongocriar", planeja Lúcia.
Abusos por trás da gravidez
Especialistas no tema acreditam também que a violência sexual e a tolerância com relações supostamente consentidas entre adultos e menoresslot booongoidade estão por trás da maioria dos casosslot booongogravidez na pré-adolescência.
"Nem todos os casos nessa faixa são resultadoslot booongoestupro, mas o que vemos muitas vezes são meninas que sofrem abusos sexuais durante a infância e isso acaba estimulandoslot booongosexualidade, levando essas meninas a namorarem mais cedo, o que acaba desembocando nessa gravidez", afirma Ana Carolina Araújo, conselheira tutelarslot booongoCeilândia, cidade satéliteslot booongoBrasília.
A polícia do Distrito Federal registrou 832 estuprosslot booongovulneráveis (menoresslot booongo14 anos)slot booongo2016, mas Araújo acredita que a maioria dos casos não chega a ser denunciada. Essa é a mesma impressão da delegada Juliana Tuma, titular da única Delegacia Especializadaslot booongoProteção a Criança e ao Adolescenteslot booongoManaus. Ela diz que chegam para ser investigados por dia,slot booongomédia,slot booongoseis a sete suspeitasslot booongoestuprosslot booongovulneráveis.
No Amazonas, a quantidadeslot booongonascidos vivosslot booongomãesslot booongo10 a 14 anos cresceu 40% desde 2005 (maior alta entre os Estados), chegando a 1.432slot booongo2015.
Para o promotorslot booongoAutazes, Cláudio Sampaio, que já atuou tambémslot booongooutras cidades do Estado, a redução do problema virá "somente com projetos sociais, um debate maior da própria sociedade, que seja incentivado por órgãos públicos ou por igrejas, pra poder fortalecer o respeito à sexualidade da mulher e o respeito à criança".
"Aqui no Norte, vejo uma cultura, digo no sentidoslot booongohábitos que estão enraizados na sociedade,slot booongoaceitação das relações sexuais entre crianças e adultos. Isso é considerado normal, infelizmente, e acontece até no próprio núcleo familiar, com padrastos, com irmãos, com tios", afirma.
Mas essa solução proposta pelo promotor esbarraslot booongooutro problema que ele próprio identifica: a "ausência do poder público"slot booongouma região distante do restante do país,slot booongogrande extensão e com enormes desafios logísticos devido à floresta.
Ele ressalta a necessidadeslot booongomaior presença do governo federal, já que é comum autoridades locais estarem envolvidasslot booongoabusos. O caso mais famoso é oslot booongoCoari, cujo ex-prefeito Adail Pinheiro chegou a ser condenado a 11 anos e 10 mesesslot booongoprisão por exploração sexual infantil, mas esse ano recebeu indulto (perdão) da pena e foi solto.
"O governo federal precisa cuidar das pessoas daqui, e isso não é propriamente dar dinheiro, dar um Bolsa Floresta. É preciso que o poder público venha e capacite as pessoas, para que possam desempenhar profissões, para que entendam a necessidadeslot booongorespeito às mulheres", cobra.
As três garotas com quem a BBC Brasil conversou no Amazonas relataram ter sofrido algum tiposlot booongoabuso sexual durante suas vidas, casos que seguem sem punição. Maria foi estuprada por um comerciante aos 13, quando já estava grávida. Lúcia teve a coxa acariciada por um funcionário do postoslot booongosaúde aos 12 - ele depois estuprou a irmã dela, que tinha 14.
Em Manaus, Joana, hoje com 17 anos e mãeslot booongodois filhos, contou que sofreu seu primeiro abuso aos 5. O estuprador foi um vizinho, que pagou R$ 50 aslot booongomãe, viciadaslot booongodrogas. Com muito sangramento, foi parar num hospital. "Meu útero saiu do lugar, até hoje sinto dores por isso". Nada aconteceu com ele, que a abusou novamente cinco anos depois, dessa vez por R$ 100.
Joana saiuslot booongocasa para um abrigo depoisslot booongose cortar "todinha com uma gilete". Passou por vários. "Depois do meu segundo estupro, com 11 anos, comecei a ser putinha", conta. Sua primeira gravidez, aos 13 anos, foi interrompida com quatro comprimidosslot booongoum remédio abortivo. Na segunda, aos 14, decidiu ter o filho. O pai era seu namorado, então com 21 anos, homem que a explorava sexualmente e a induzia a se drogar junto comslot booongomãe.
"Passei duas semanas pensando com Deus se abortava. Pensei: vai atrapalhar minha vida, vai acabar minha vidaslot booongoputa."
A gravidez na pré-adolescênciaslot booongogeral traz efeitos negativos para as meninas e seus bebês: estudos mostram maior incidênciaslot booongoevasão escolar,slot booongodepressão pós-parto eslot booongonascimentosslot booongobebês prematuros e com baixo peso.
Entre elas, o acompanhamento pré-natal e a amamentação costumam durar menos tempo do que entre as mães adultas. São consequências da pouca maturidade e das condições sociais precárias.
No casoslot booongoJoana, a gravidez acabou tendo impacto positivo. O acompanhamento pré-natal a levou ao Serviçoslot booongoAtendimento às Vítimasslot booongoViolência Sexualslot booongoManaus, onde recebeu apoio psicológico e conseguiu interromper a venda do seu corpo e, gradualmente, o usoslot booongodrogas.
Hoje ela está casada e tem uma boa relação com o paislot booongosua segunda filha,slot booongosete meses. Ele tem 21 anos e trabalha com manutençãoslot booongoar-condicionado - item onipresente na fervente Manaus.
"Depois que meus filhos nasceram, veio um amor muito grande. Eu quis deixar a vida velha pra lá. Mas às vezes eu choro, quando meus filhos estão dormindo. Fica um reflexo (lembrança) na minha cabeça. Eu fico lendo a Bíblia, fico lendo, fico lendo, e só assim eu acalmo. Se eu for começar a pensar, eu fico doida", diz ela, que é evangélica.
"Eu tenho muito sonhoslot booongoque mato ele (o abusador, que segue morando no bairro da infânciaslot booongoJoana). Eu quero matar ele, mas se eu for pra cadeia, o que vai ser dos meus filhos? Eu penso muito nisso."
A BBC Brasil questionou os ministérios da Educação e Saúde sobre as críticas quanto à faltaslot booongopolíticas públicas para enfrentar a gravidezslot booongogarotas e saber o que o governo pretende fazer para enfrentar o problema. A pasta da Educação não se manifestou. Já a pasta da Saúde se limitou a comentar as causas do problema e minimizarslot booongogravidade, destacando que os nascimentos nesse grupo representam 0,9% do totalslot booongonascidos vivos no país.
"A leve tendênciaslot booongoaumento, (da gravidez) na faixaslot booongo10 a 14 anos, pode estar associada a vários fatores tais como violência sexual, aspectos culturais, iniquidades, faltaslot booongooportunidades, dentre outros; além disso, esse é um percentual muito pequeno, quando considerada todas as faixas etárias", respondeu o ministério.