Na América do Sul, só Paraguai tem impostorenda menor que o do Brasil:

Declaraçãoimpostorenda

Crédito, Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

Legenda da foto, Impostos sobre renda representam 20,9% da arrecadação tributária no Brasil, contra 34,3% na média da OCDE

Isso porque os mais pobres gastam praticamente tudo o que ganham com bensprimeira necessidade, com produtos que são pesadamente tributados, diz a professoradireito tributário do mestrado profissional da Fundação Getulio Vargas (FGV) Tathiane Piscitelli. "A concentração da tributação no consumo acentua desigualdades", avalia.

A correção dessas distorções, diz a advogada, passa pelo aumento das alíquotasImpostoRenda, como proposto pela equipe econômica nesta semana e descartado pelo governo dias depois - mas não para aí.

No Brasil, todo trabalhador com carteira assinada que ganha acimaR$ 4.664,68 recolhe 27,5% dos rendimentos e quem recebe até R$ 1.903,98 está isento. Entre as duas pontas, há três outras faixastributação,7,5%,15% e22,5%, que incidem a depender do nível salarial do contribuinte. A proposta era criar uma quinta faixa,35% sobre os salários superiores a R$ 20 mil.

A alíquota máxima brasileira é mais baixa do que apaíses com níveldesenvolvimento semelhante, como Índia (35,54%), Argentina (35%) e África do Sul (45%), mostra levantamento da KPMG com dados2017. Os suecos com maior renda chegam a pagar 61,85% ao fisco, maior percentual da lista135 países.

Pessoa jurídica

"O aumento da alíquota faria sentido do pontovistajustiça fiscal, mas não resolveria o problema", pondera a professora da FGV.

Isso porque a mudança proposta pela Fazenda só incluiria os assalariados, deixandofora os profissionais liberais que atuam como pessoa jurídica, que recolhem volume menorimpostos sobre os rendimentos, e aqueles que recebem lucros e dividendos, completamente isentostributação.

Michel Temer e Henrique Meirelles

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Aumento da alíquotaimpostorenda para 35% estava entre medidas estudadas pelo governo para aumentar arrecadação

É difícil estimar quantos dos trabalhadores que hoje trabalham como PJ no país fazem isso para escapar da tributação mais elevada do ImpostoRenda para Pessoa Física (IRPF), diz o pesquisador do Instituto BrasileiroEconomia da FGV (Ibre-FGV) e professor do InstitutoDireito Público (IDP) José Roberto Afonso, mas os dados da Receita Federal dão alguns indicativos nesse sentido.

Entre os 27,5 milhõesbrasileiros que declararam ImpostoRenda2016, 7,9 milhões eram empregados do setor privado - e recolhiam, portanto, como pessoa física -, enquanto 6,8 milhões, número que o pesquisador considera elevado, disseram ser proprietáriosempresas ou autônomos, que viaregra são taxados com alíquotas menores.

Assim, acrescenta Afonso, um eventual aumento da alíquota para pessoa física, se feito isoladamente, poderia ampliar os incentivos à chamada "pejotização".

O diretor do CentroCidadania Fiscal (CCiF), Bernard Appy, lembra que a maior tributação dos profissionais que se constituem como PJ também estavaestudo pela equipe econômica e, nesse sentido, seria uma medida bem-vinda, ainda que pontual.

Lucros e dividendos

A diminuição da regressividade do sistema brasileiro passa pela tributaçãolucros e dividendos, diz o pesquisador do InstitutoPesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sérgio Wulff Gobetti.

"No mínimo metade da renda dos 0,05% mais ricos do país vemlucros e dividendos", justifica.

A taxação, entretanto, precisaria ser precedida por uma redução da tributação sobre as empresas, avalia Marcus Vinícius Gonçalves, sócio da KPMG na áreatributos. Isso porque as firmas já pagam imposto sobre seus lucros antesdistribuí-los, percentuais que chegam a 34%. "O debate é válido, mas é preciso rever o sistema", diz ele.

Uma mulher efilhasupermercadoSão Paulo

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Sistema tributário brasileiro privilegia a cobrançaimpostos sobre bens e serviços

Um dos problemas do modelo atual,que a tributação dos lucros é feita exclusivamente no âmbito das empresas e não chega a quem os recebe, diz Gobetti, do Ipea, é que parte desses impostos é muitas vezes transferida ao preço final dos bens e serviços. Nesses casos, quem paga a conta é o consumidor e,maneira indireta, quem recebe lucrosvezsalário acaba pagando menos impostos sobre seus rendimentos.

A proposta do pesquisador é a diminuição34% para 20% da alíquota sobre os ganhos das empresas e instituir a cobrança20% sobre lucros e dividendos recebidos pelas pessoas físicas. "Essa mudançamix pode ter efeito progressivo sobre a desigualdade e até beneficiar o crescimento da economia."

Reforma tributária

Para Afonso, do Ibre-FGV, o sistema tributário brasileiro já está tão distorcido que não comporta remendo.

"É preciso fazer uma mudança integral do ImpostoRenda, dos indivíduos e das empresas, da tributação das vendas e da tributação da folha salarial, ou seja, precisa um outro sistema tributário. O atual está tão torto que qualquer remédio pontual provoca tantos efeitos colaterais que a situação pode ficar pior do que já está."

Gonçalves, da KPMG, destaca a necessidadereformulação também do modeloimpostos sobre consumo, complexo e ineficiente. "Tem que mexer nos dois lados. Os Estados Unidos tributam mais a renda, mas não têm PIS/Cofins, ICMS", pondera.

Para ele, parte da resistênciaalguns brasileirosrelação às propostastaxação maior da renda vem da sensaçãoque a carga tributária no país já é demasiadamente alta -torno35% do Produto Interno Bruto (PIB) - e que a contrapartida do Estado para o pagamentoimpostos é muito pequena.