'Crise entre Legislativo e Judiciário é a maior da história recente do país', diz historiador Boris Fausto:betestrela
À BBC Brasil, o historiador elogiou a Operação Lava Jato e comentou o que classifica como "riscos" das manifestaçõesbetestrelarua e das 10 medidas contra a corrupção. Fausto também comparou o momento atual e o do golpe militarbetestrela1964 e ainda avaliou o governo Temer ("que não sabemos se chega ao fim").
E deu um recado ao juiz Sergio Moro - que nos últimos dias voltou a despertar controvérsia graças a uma fotobetestrelaque aparece, rindo, ao lado do senador Aécio Neves (PSDB).
"Se eu pudesse dar um conselho, do altobetestrelamuitas décadasbetestrelaexperiência, eu diria a ele: 'Não apareça muito, do alto dabetestrelafunção. Não é prudente. Não acho bom'."
Leia os principais trechos da entrevista:
betestrela BBC Brasil - Numa perspectiva histórica, como avalia a recusabetestrelaRenan Calheiros à determinação do ministro Marco Aurélio pelo seu afastamento da presidência do Senado?
betestrela Boris Fausto - É uma coisa gravíssima. Este desencontro entre a mesa do Senado e o Supremo, embora todos os ministros não apoiassem a resoluçãobetestrelaafastar o Renan, mostra que entramosbetestrelauma nova fase: a crise do funcionamento das instituições.
Até aqui, dizia-se que as instituições estavam preservadas e que o trabalho da Lava Jato prosseguia. Mas, agora, ultrapassamos este momento, e a harmonia entre poderes começa a ruir. Isso ocorre justamente quando todas as apurações (sobre corrupção) que vêm desde o impeachment estão se processando. É uma situaçãobetestrelaenorme desestabilidade.
betestrela BBC Brasil - Como avalia a reviravolta desta terça-feira do plenário do Supremo, que optou pelo manutençãobetestrelaCalheiros na presidência do Senado, mas fora da linha sucessória da Presidência da República?
betestrela Boris Fausto - É um arranjo estranho. É uma fórmula para diminuir o fogo da crise. Mas não elimina a crise. Resolve neste momento, supera-se esta situação específica. Mas uma saída como esta, que contraria inclusive decisões anteriores, é evidentemente um arranjo para resolver uma situação. Pelo que percebo, não é uma boa coisa.
betestrela BBC Brasil - Há exemplos semelhantes a este descompasso entre Legislativo e Judiciário na história brasileira?
betestrela Boris Fausto - Não me ocorrem. Com esta gravidade, com este impacto, a crise entre Legislativo e Judiciário é a maior da história recente do país.
betestrela BBC Brasil - E o que pode acontecer quando um poder desobedece ao outro? A quem a sociedade pode recorrer?
betestrela Boris Fausto - Este é um choque na cúpula das instituições. Então não tem quem resolva, a não ser eles próprios. É preciso que haja bom senso entre os poderes.
Tudo isso é um produto direto do ambiente difícil que estamos vivendo. É uma transição muito dolorosa. A oposição (PT e partidos aliados) está claramente usando esta crise como pretexto para jogar a segunda votação da PEC do teto dos gastos para depois do recesso parlamentar. Isso é nítido, eles estão muito felizes.
betestrela BBC Brasil - E,betestrelaoutro lado, PMDB e políticos da base aceleram esta votaçãobetestrelameio à mesma turbulência...
betestrela Boris Fausto - Pois é. E, no meiobetestrelatudo isso, há uma enorme pressão social, fundamentalmente positiva. É ela que tem sustentado a apuraçãobetestrelaatosbetestrelacorrupção e que pressiona pelo afastamentobetestrelacorruptos. Mas isso envolve certos riscos. As manifestaçõesbetestrelarua podem continuar, mas não vão apontar uma saída. Além disso, há sempre o riscobetestrelaque parte do Judiciário tome decisões ouvindo diretamente a voz das ruas, e isso é sempre discutível.
betestrela BBC Brasil - Por que é discutível?
betestrela Boris Fausto - É discutível porque a voz das ruas tem um ímpeto que não é próprio àquele que julga, que interpreta fatos à luz da legislação. A voz das ruas é movida por paixão, não necessariamente por razão.
betestrela BBC Brasil - Falando nas ruas: os protestos também revelam um forte descontentamento com a política e com os políticos, o que não ocorre só no Brasil.
betestrela Boris Fausto - A desmoralização dos políticos é visível há muito tempo. E os políticos que estão no poder não fazem nada para restaurar a confiança. Ou fazem muito pouco. Volta e meia o Congresso surpreende a sociedade com decisões que vão no sentido oposto daquilo que a sociedade esta pleiteando. Isso se liga a um problemabetestrelacrisebetestrelalideranças.
Uma das razões é que a política virou um negócio, que pode ser atraente para negociantes, mas não para os preocupados com valores, princípios. Desse vácuo surgem os personagens do mercado, como Donald Trump, no embalo da ilusãobetestrelaque homensbetestrelafora da política possam realizar aquilo que os políticos não podem.
betestrela BBC Brasil - Isso é novidade?
betestrela Boris Fausto - Isso é um velho sonho no Brasil. O sonho do governo dos técnicos. Surgiu ligado ao movimento dos tenentes, na décadabetestrela1920, sobretudo quando partilharam o poder com Getulio Vargas na décadabetestrela1930. Eles defendiam conselhos técnicosbetestrelagoverno, um governo inspiradobetestrelaregras, naquilo que é correto, e isso era claramente uma posição antipolítica, como abetestrelaagora.
betestrela BBC Brasil - E o governo Temer até agora, como avalia?
betestrela Boris Fausto - O que mais pesa na personalidade dele são os muitos e muitos anos que viveu como negociadorbetestrelabastidores. De repente vem a guinada para a Presidência da República - e mais, numa situação política e econômica muto complicada.
Não é da noite para o dia que uma pessoa consegue mudar seu papel. Se ele quer deixar algum legado nesta presidência meteórica que a gente não sabe se vai chegar ao fim, ele tem que aprovar algumas coisas. Reforma da previdência, tetobetestrelagastos, tudo isso são coisas que marcam. Mas ele não parece ser um homem talhado para fazer tantas mudanças. Precisaria ser alguém com muita legitimidade, muita autoridade, para que as pessoas ouvissem, entendessem e aceitassem o seu discurso.
betestrela BBC Brasil - As reformas que o senhor citou - previdência, tetobetestrelagastos, etc. - são temas urgentes há bastante tempo, mas foram deixadosbetestrelalado por todos os presidentes eleitos na última década, salvo políticas pontuais. Por que justamente Temer, que não teve o voto popular, decidiu levá-las à frente?
betestrela Boris Fausto - Fernando Henrique Cardoso tentou uma reforma da previdência mais profunda, mas perdeu no Congreso por um voto. Outros fizeram algumas coisas aqui e ali, como você diz, mas nenhum ousou enfrentar o problema. Gente eleita sempre toma atitudes pensando nabetestrelamassabetestrelaeleitores,betestrelacomo será a reação deles. Então, os presidentes iam adiando. O governo Temer começa diferente e alguma coisa ele tem que fazer, porque ele não pode passarbetestrelabranco.
betestrela BBC Brasil - A situação atual remete o senhor a outros momentos críticos do país? O contextobetestrela1964 (ano do golpe militar) era similar, diferente?
betestrela Boris Fausto - Este é um tema bom, porque a gente tem que que fazer distinções. A crisebetestrelaagora é mais grave como crise do que abetestrela1964. Mas o quadro brasileiro é bem mais estável e a sociedade, mais madura. A Guerra Fria acabou. Essa arma do comunismo, que ainda é jogada por alguns, nao é mais relevante.
Vivemos outra conjuntura. E há, mal ou bem, um horizonte democrático. Meio fragilizado nos últimos tempos, mas existe. Vou repetir uma frase já batida, mas que é boa. A maioriabetestrelanós hoje sabemosbetestrelacor os nomesbetestrelatodos os ministros do Supremo. Quem sabe os nomes dos chefes militares? Há uma diferença imensa. Não dá para comparar.
betestrela BBC Brasil - O senhor quer dizer que,betestrela1964, as pessoas sabiam quem eram os chefes militares?
betestrela Boris Fausto - Ah, sabiam. Sabiam. Todo mundo sabia quando o ministro da Guerra ia ao hospital, por exemplo. Com todo o risco que enfrentamos agora, nós podemos ser muito mais esperançosos do que naquela época. É essa minha impressão pessoal.
betestrela BBC Brasil - Desde o impeachment, passando por decisões polêmicas da justiça federal do Paraná, muita gente fala no fim da democracia no Brasil. Qual é abetestrelaopinião?
betestrela Boris Fausto - É um discursobetestrelamá fé, sinceramente, vindobetestrelaquem já foi visado e já teve suas principais figuras presas ou envolvidasbetestrelaescândalos, etc.
Mas existem riscos, uma judicialização da política. Há excessosbetestrelaalguns jovens promotores, alguns não tão jovens assim. Na lista das 10 medidas contra a corrupção proposta pelo Ministério Público havia coisas perigosas, como colher provas ilegais para fins legais ou o tal testebetestrelahonestidade para pessoas contratadas. Isso é preocupante, por melhores que sejam as intenções.
Mas, no conjunto, eu diria que o Judiciário foi forçado a entrar nessa pela falência total do Legislativo e do Executivo. O Legislativo andou parado por muito tempo,betestrelainércia total. O Ministério Público, o Supremo, os juízes, eles preencheram este vazio. Sobretudo pelo seguinte: quem é que já viu uma tentativa tão grandebetestrelatransformação dos nossos costumes políticos e empresariais? Prisõesbetestrelapoderosos, repatriaçãobetestrelabens desviados... Quem conseguiu, na história do Brasil, fazer isso? Coisas que nunca imaginamos estão acontecendo.
betestrela BBC Brasil - O senhor faloubetestrelajudicialização da política ebetestrelariscos. Refere-se a que episódios?
betestrela Boris Fausto - Houve um ministro do Supremo Tribunal, José Linhares, que assumiu antes das eleições,betestrela1945, na redemocratização. Mas se notabilizou por distribuir cartórios a parentes e amigos. Então você vê que os males vêmbetestrelalonge. E, veja, não digo que dona Cármen Lúcia (presidente do STF) faria uma coisa dessas. Longe disso.
Mas temos sinais do que pode ocorrer. Por exemplo, algo que sou insuspeito para falar, porque tenho uma visão negativa sobre esta figura. A condução coercitivabetestrelaLula foi exagerada. E eu sou insuspeito. Quando os promotores fizeram aquele esquema, colocando Lula lábetestrelacima sem provas contundentes, também não é bom. Estes são, então, os riscos da açãobetestrelauma gentebetestrelaboa fé, mas que pode se precipitarbetestrelaexcessos, que podem crescer. Mas, repito: o pretexto dos excessos não deve ser usado. Não há proporção entre o que foi feitobetestrelabom para o país e estes excessos pontuais cometidos.
betestrela BBC Brasil - Enquanto conversamos, circulam com velocidade enorme nas redes sociais fotos do juiz Sergio Moro ao lado do senador Aécio Neves, citadobetestreladiversas delações premiadas, rindo juntosbetestrelaum evento promovido por uma revistabetestrelaSão Paulo. Qual ébetestrelaopinião?
betestrela Boris Fausto - É melhor evitar. Não acho que isso influencie nos julgamentos, porque Aécio tem foro privilegiado. Mas convém evitar.
O Moro está muitobetestrelaevidência. Se eu pudesse dar um conselho, do altobetestrelamuitas décadasbetestrelaexperiência, eu diria a ele: "Não apareça muito, do alto dabetestrelafunção. Não é prudente Não acho bom".