'Como sobrevivi a duas tentativasestrela bet entrarassassinato pelo marido e mudei as leis do Brasil':estrela bet entrar
Mas apesarestrela bet entrarconseguir levar o ex-marido à Justiça duas vezes, por quase 20 anos Penha tentaria sem sucesso colocar o culpado detrás das grades. Isso só foi possível depois que o caso foi parar nos tribunais internacionais.
Um dos desdobramentos do caso foi a lei que hoje leva seu nome.
'Amor demais'
Nos início dos anos 1980, o Brasil ainda não dispunhaestrela bet entrarnenhuma delegacia especializada na proteção da mulher.
Naquela época, a preocupaçãoestrela bet entrarmovimentos feministas no Sudeste era desconstruir a defesaestrela bet entrarmaridos e namorados homicidas que, levados a julgamento, alegavam na Justiça crime passional.
"As mulheres eram assassinadas pelos companheiros e a defesa investia na históriaestrela bet entrarque eles tinham cometido esses atos tresloucados porque amavam demais", lembra Penha.
Em um dos casos mais simbólicos, o paulista Raul Fernandes do Amaral Street, conhecido por Doca Street, foi condenado a apenas dois anosestrela bet entrarprisão - com suspensão condicional da pena - por ter matado a namorada, Ângela Diniz, na casaestrela bet entrarveraneio delaestrela bet entrarBúzios,estrela bet entrar1976.
Não foi senão cinco anos depois, com o slogan "quem ama não mata", que os movimentos feministas conseguiram que a sentença fosse revista e elevada para 15 anosestrela bet entrarprisão.
Em outro caso que reforçava o históricoestrela bet entrarpenas brandas, o cantor Lindomar Castilho matou a ex-esposa, a também cantora Elianeestrela bet entrarGrammont, durante uma apresentação delaestrela bet entrar1981. Ficou sete anos na prisão.
Penha havia conhecido seu marido, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, nos anos 1970, quando fazia mestradoestrela bet entrarSão Paulo. Viveros, conta Penha, era prestativo e benquisto. Tinha pouco dinheiro e muitas vezes recebia ajuda da namorada cearense.
Eles se casaramestrela bet entrar1976 e tiveramestrela bet entrarprimeira filha no fim daquele ano. Terminados os estudos, foram viverestrela bet entrarFortaleza.
Água para o vinho
"Quando a naturalização dele saiu, por conta do casamento e das filhas, ele mostrou a verdadeira face. Eu fiquei perdida", conta Penha à BBC Brasil.
"Ele ficou violento, batia nas crianças por nada. Eu vivia tensa, procurando evitar que as crianças quebrassem alguma coisa. Isso foi me deixando muito insegura no relacionamento."
A ativista diz que levou anos até entender o efeito psicológico da mudançaestrela bet entrarViveros. "Ficava ansiosa porque não sabia se um dia ele ia chegar todo feliz ou chutando tudo pro ar."
A brutalidade permeava a relação dos pais com as filhas, quem ele costumava punir colocando sob o chuveiro com água fria.
"As minhas filhas na época tinham sete, cinco e dois anosestrela bet entraridade incompletos. A minha pequenininha estava se equilibrando para andar e um dia fez xixi sentada. Com a mão sujaestrela bet entrarxixi ela se levantou e apoiou a mão na parede. Ele deu um grito alto, assustou ela e deu-lhe um tapa forte", diz.
"A do meio chupava o dedo. Ele amarrou a mão dela com um cordão para ela parar. Aí ela conseguiu desamarrar, e ele bateu nela e colocou ela debaixo do chuveiro com água fria", conta Penha.
Ela diz que esses fatos eram mantidosestrela bet entrarsegredo do resto da família e amigos. Apesarestrela bet entrarse sentir aprisionada e isolada, a esposa temia que um pedidoestrela bet entrardivórcio fosse gerar uma reação ainda mais violenta do marido.
Mas a relação já estava irremediavelmente fraturada.
estrela bet entrar Sobrevivente
Certa manhã,estrela bet entrarmaioestrela bet entrar1983, Penha despertou com um estampido agudo dentro do quarto. Tentou se mexer e não conseguiu. "Puxa, o Marco me matou", pensou.
"Chegaram meus vizinhos, que eram médicos, e quando me examinaram eu estava muito mal. Tinha um rombo nas minhas costas e eu já estava perdendo quase todo meu sangue para o colchão."
Viveros contaria à polícia que acordou no meio da noite com barulhoestrela bet entrarcasa. E que ao chegar à cozinha, deparou-se com uma gangueestrela bet entrarquatro assaltantes. Após uma breve luta, eles teriam lhe acertado um tiroestrela bet entrarraspão no ombro e baleado Maria da Penha, que se encontravaestrela bet entraroutro quarto, adormecida.
Penha, que passaria os quatro próximos meses no hospital, não tinha como questionar essa versão mas já tinha dúvidas sobre ela. "Eu raciocinava, como é que um homem luta com quatro pessoas e não morre, não leva um tiro? E eu, dormindo, levei um tiro", diz.
Nos próximos meses, a históriaestrela bet entrarViveros cairia como um casteloestrela bet entrarcartas. Nenhum vizinho, mesmo os vários que se sobressaltaram com os tiros nas primeiras horas da manhã do fatídico dia, viu os supostos assaltantes deixando a casa.
As marcas da entrada na casa da família nunca confirmaram que houve arrombamento. As empregadas acharam uma espingarda no armárioestrela bet entrarViveros da qual ninguém jamais havia ouvido falar.
O próprio cairiaestrela bet entrarcontradições ao ser chamado para depor uma segunda vez à polícia.
Ainda retomando os movimentos básicos do corpo e reprendendo a viverestrela bet entrarcadeiraestrela bet entrarrodas, Penha diz que a crueldade continuava. Na volta para casa do hospital, ainda no carro, Viveros lhe ordenou que não recebesse visitas nemestrela bet entraramigos nemestrela bet entrarparentes. Aos amigos que queriam visitar ou ajudar financeiramente, ele dizia que parassem com "mimos" e "mariconadas".
"Eu fiqueiestrela bet entraruma espécieestrela bet entrarcárcere privado", conta Penha. "Minha família ligava e eu inventava desculpas, dizia 'estou cansada'... para obedecer às ordens dele", afirma a ativista.
Mas foi só quando Viveros tentou eletrocutá-la, levando-a para baixoestrela bet entrarum chuveiro elétrico, que Penha decidiu que era horaestrela bet entrarabandonar o casamentoestrela bet entrarvez.
19 anos e seis meses
"Passei 19 anos e seis meses lutando para ele ser preso, e durante esse tempo ele foi julgado e condenado duas vezes, e duas vezes saiu do Fórumestrela bet entrarliberdade por contaestrela bet entrarrecursos", conta Penha. Foi o primeiro julgamento fracassado, oito anos depois, que a levou a contar a históriaestrela bet entrarum livro, Sobrevivi, Posso Contar.
No lançamento, ela disse que o homem que escapara dos tribunais brasileiros não deixariaestrela bet entrarser condenado por qualquer leitor que ouvisseestrela bet entrarhistória.
Abraçado por duas organizações internacionaisestrela bet entrardireitos humanos - Cejil (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional) e Cladem (Comitê Latino-Americanoestrela bet entrarDefesa dos Direitos da Mulher) -, o caso chegou à Corte Interamericanaestrela bet entrarDireitos Humanosestrela bet entrar1998.
Ao condenar o Brasil,estrela bet entrarabrilestrela bet entrar2001, a Corte determinou que o país prendesse Viveros e recomendou que fossem garantidas mais proteções legais para as mulheres.
O ex-deputado cearense Mário Mamede recorda quando alguémestrela bet entrarsua assessoria lhe procurouestrela bet entrar2002 dizendo que o crimeestrela bet entrarViveros estava para prescrever e que a determinação do tribunal internacional seria descumprida.
A razão era que a Justiça cearense não conseguia localizar Viveros. "Como assim?", surpreendeu-se Mamede, que acompanhou o caso como presidente da Comissãoestrela bet entrarDireitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará. "Todo mundo sabe que ele viveestrela bet entrarNatal e dá aula na Universidade Federal do Rio Grande do Norte."
Ali mesmo ligou para o reitor da universidade e obteve o endereço do professor, que foi então notificado. Julgado novamente, Viveros foi condenado a oito anosestrela bet entrarprisão - ficou menosestrela bet entrardois.
"Ele cumpriu muito pouco da pena, porque o Tribunalestrela bet entrarJustiça do Ceará abateu o tempo que ele passou com recursos", contou Mamede à BBC Brasil.
"Mas nós ficamos aliviados, porque ele ia ficarestrela bet entrartotal e absoluta impunidade, como se o fato não tivesse existido. Para a Justiça, ele seria um homem livre e limpo. Com a condenação, mesmo tendo cumprido só uma pena simbólica, ele é um homicida."
Lei Maria da Penha
No dia 7estrela bet entraragostoestrela bet entrar2006, cinco anos depois da condenação internacional, o Congresso aprovou a Lei 11.340.
"Essa é uma vitória democráticaestrela bet entrartodas as mulheres do nosso Brasil", discursou o então presidente Lula após a aprovação do projeto,estrela bet entraruma cerimônia que contou com a presença da própria Penha.
"Mas se for possível dar um nome a essa lei - e eu acho que nos já a batizamos -, eu acho que essa lei deveria se chamar Maria da Penha."
A lei já nascia sendo considerada pela ONU como um dos mais bem sucedidos casosestrela bet entrarresposta à violência doméstica. Ela ampliou o conceitoestrela bet entrarviolência contra as mulheres, que agora passava a ser não apenas física e sexual, mas também moral e psicológica - uma formaestrela bet entrarcombate à dinâmicaestrela bet entrarisolamento, humilhação e manipulação das vítimas por parte dos seus agressores.
A legislação elevou as penas e determinou a criaçãoestrela bet entrarinfraestruturaestrela bet entraratendimento a mulheres agredidas, como abrigos especiais e delegaciasestrela bet entrarmulheres permanentes.
Foram também estabelecidos instrumentos legais para que os juízes pudessem tomar medidas urgentes, como tirar as mulheresestrela bet entrarcasa sem prejuízo para guarda dos filhos, garantir a permanência delas no emprego e determinar o afastamento físico do agressor.
Há dez anos anosestrela bet entrarvigor, a legislação colaborou para uma reduçãoestrela bet entrar10% no númeroestrela bet entrarmulheres assassinadasestrela bet entrardecorrência da violência domésticaestrela bet entrar2015, segundo ativistas.
Mas Penha, que aos 71 anos continua cruzando o Brasil dando palestras e participandoestrela bet entrareventos, diz que ainda há muito onde avançar. Só recentemente a infraestruturaestrela bet entraratendimento chegou a todas as capitais dos Estados, mas ainda é inexistente no imenso interior do país.
"Hojeestrela bet entrardia a violência continua. Elas só estão denunciando nos municípios que têm a política pública - o Centroestrela bet entrarReferência da Mulher, a Casa Abrigo, a Delegacia da Mulher", diz à BBC Brasil.
"Mas tem muita mulher que acha que só é violência quando ela está machucada. Ela não entende que a violência doméstica também é psicológica, moral, sexual."
Penha se diz honrada com a "confiança" que muitas depositam nela. "Muitas mulheres me dizem: 'Sem aestrela bet entrarlei, eu já estaria morta'. É uma lei necessária, porque nenhuma mulher merece viver sofrendo."