'Cedemos casa para festa, mas não fomos convidados': quatro contrastes no Rio da Olimpíada:a galera
"Nunca tive problema nenhuma galeramergulhar aqui, mas agora faz um tempão que não pulo na água. A Guarda Municipal tem proibido. Eles não deixam porque dizem que a gente vai se afogar", diz. Matheus já entrou no Museu do Amanhã, cuja entrada é gratuita às terças-feiras, mas não aprovou a novidade. "Entrei só uma vez, mas não gostei muito não."
Para ele e os amigos, a nova Praça Mauá, que recebeu o Museu do Amanhã, Museua galeraArte do Rio (MAR) e por onde passa o VLT (bonde moderno) tornou-se "pointa galerapaquera". "A gente tem vindo aquia galeranoite. Vem gentea galeramuitos bairros do Rio. É um lugar para se encontrar, paquerar. Virou point mesmo", diz.
Ele conta que esta foi a principal alteração na região que foi percebida como positiva pelos jovens. "A gente vai até a Pedra do Sal, onde tem samba, baile charme. Depois passamos aqui pela praça Mauá. Já virou lugara galeraencontro, cheioa galeragatinhas", diz.
Matheus não vê benefícios diretos para ele por conta da Olimpíada. "Para mim não vai ser bom. Não vou poder assistir a nada. Não tenho como pagar o ingresso. Vou ver tudoa galeracasa".
Questionado sobre as mudanças para a cidade e os cariocas, o jovem diz não identificar vantagens. "Conheço vizinhos e amigos que vão trabalhar na segurança e na limpeza da Olimpíada. Para eles, foi um emprego, mas é temporário, logo acaba. Não vi mudanças diretas na minha vida não. Foi tudo feito para os gringos", conta.
a galera 2. Maracanã X UERJ: "Cedemos nossa casa para a festa mas não fomos convidados"
Lia Rocha tem 39 anos e para ela, que é professoraa galeraCiências Sociais e presidente da Associaçãoa galeraDocentes da Universidade Estadual do Rioa galeraJaneiro (UERJ), a população do Rio está se dando contaa galeraque "o custoa galerasediar os Jogos foi muito alto". Para ela, a sensação éa galeraque o carioca estáa galerafora das comemorações. "Cedemos nossa casa para a festa mas não fomos convidados", diz.
Desde março deste anoa galeragreve, a UERJ é um dos maiores símbolos da crise econômica que assola o Estado do RJ. Atualmente os professores podem voltar a qualquer momento, mas, segundo a representante dos docentes, não há condiçõesa galeravoltar às aulas por faltaa galeraverbas e por conta das interrupçõesa galeraacesso geradas pela proximidade com o Maracanã, a menosa galeraum quilômetro do campus.
Dada a proximidade, um setor do estacionamento da universidade foi cedido pelo Estado ao Comitê Olímpico Internacional (COI), o que Lia não viu com bons olhos. "É como se eles esfregassem na nossa cara, é muito simbólico. A universidade está toda suja, sem dinheiro para pagar limpeza, mas as vagas onde os carros do COI vão ficar foram limpas, foi tudo varrido, e a UERJ não ganha nada com isso", diz.
"Eles chegam como se fossem donosa galeratudo. Usam o terraço para transmissõesa galeraTV, entram nos laboratórios, colocam guimbasa galeracigarroa galeraplantas e experimentos. Eles têm chancela do governo para fazer o que quiserem aqui."
A BBC Brasil procurou o Comitê Rio 2016 para esclarecimentos sobre o estacionamento, mas até o fechamento desta reportagem não houve resposta. O Governo do Estado do RJ informou que "mesmoa galerameio à gravíssima situação financeira vem mantendo os repasses à UERJ" e que entre os dias 17 e 26a galerajulho foram repassados R$ 12 milhões para pagamentoa galeraserviços e manutenção com fornecedores e que no total, entre janeiro e julho deste ano, já foram repassados R$ 125 milhões relativos ao custeio da universidade.
a galera 3. Vila dos Atletas X Favela Vila Uniãoa galeraCuricica: "Passaram por cimaa galeranós como tratores, ficou uma terra arrasada"
Daniel Ferreira Campos tem 61 anos e é naturala galeraCamaçari, na Bahia. Quando chegou ao Rio,a galera1969, foi moradora galerarua e chegou a fugir dos militares para não ser enquadrado na "leia galeravadiagem", vigente durante a Ditadura Militar. Para ele, é um absurdo que a favela Vila Uniãoa galeraCuricica, por onde passou o BRT Transolímpica, que removeu maisa galera870 das 1.500 famílias que moram no local, tenha sido deixada sem saneamento básico e com muitos problemas deixados pela obra.
Ligando o bairroa galeraDeodoro à Barra, o corredor expressoa galeraônibus foi uma das obras responsáveis pelo maior númeroa galeraremoções nos preparativos para os Jogos. Para Daniel, a diferença com comunidades como a Vila Autódromo, vizinha ao Parque Olímpico, é que Curicica foi esquecida. "Fomos abandonados pelo Estado e pela mídia. Ninguém quis contar a nossa história para o mundo. Luto sozinho", diz.
"Essas Olimpíadas são só para inglês ver. Quem lucra são os ricos. Olha aqui esse esgoto a céu aberto, as fezes chegam totalmente in natura. Você pode ver como as ruas ficaram esburacadas pela passagem dos caminhões das obras. Não tem escoamentoa galeraágua, quando chove, alaga tudo. Largaram tudo assim", diz. Ele conta que a comunidade tinha construído pontesa galeraconcreto que atravessavam o valãoa galeraesgoto, por conta própria, e que estas foram derrubadas pelas obras mas não foram reconstruídas.
Daniel mostra ainda placas do viaduto por onde passam os ônibus cedendo por contaa galeraproblemas na fundação. "Isso aqui é um perigo. As crianças brincam o dia todo aqui embaixo, e o negócio está cedendo. A gente está aqui ao lado da Vila dos Atletas, que vai virar condomínio para os ricos, e veja como ficamos", diz.
Para ele, os grandes muros do viaduto que passa pelo meio da comunidade e agora a dividea galeraduas partes é símbolo dos contrastes trazidos pelos Jogos. "Lá no Porto Maravilha derrubaram o elevado da Perimetral porque ficava feio para a nova praça Mauá. Aqui, derrubaram as casasa galeraquase 900 famílias e construíram esse viaduto, esse muro da vergonha. Se lá ficava feio, por que aqui ficaria bonito?", questiona. "Passaram como trator por cimaa galeranós. Isso aqui ficou uma terra arrasada", conta.
A Prefeitura do Rioa galeraJaneiro foi procurada para esclarecimentos mas até o fechamento desta reportagem não respondeu às solicitações.
a galera 4. Parque Olímpico X Vila Autódromo
Sandra Mariaa galeraSouza tem 48 anos e Maria da Penha Macena tem 51 anos. As duas moram há décadas na comunidade Vila Autódromo, vizinha ao antigo autódromoa galeraJacarepaguá, onde hoje está o Parque Olímpico, e após décadasa galeraluta e diversas tentativasa galeraremoção, ressaltam o fatoa galeraterem ficadoa galeraduas das 20 casas recentemente construídas no lugar onde já viveram maisa galera600 famílias.
A comemoração, no entanto, é agridoce. Enquanto faziam a mudança, as moradoras revelaram que não há muito o que celebrar. "Sim, foi uma vitória. Lutamos até o final, e conseguimos ficar. Mas nossa luta não era por isso. Não era por essas 20 casinhas. Era pelas nossas casas que construímos com nosso suor, pela nossa identidade, nossa história", diz Sandra, que conversou com a reportagem diante daa galeraantiga casa, aindaa galerapé. Seis casas permanecema galerapé enquanto os moradores fazem a mudança para as casas novas. Depois serão derrubadas.
Para Penha, que ficou conhecida como uma das ativistas mais determinadas da Vila Autódromo e chegou a receber uma medalhaa galerareconhecimento da Assembleia Legislativa do Estado do Rioa galeraJaneiro (Alerj), o cenário no entorno do que um dia já foi a comunidade vizinha ao antigo autódromoa galeraJacarepaguá é simbólico dos impactos dos Jogos para os cariocas. "Olha ao redor. De um lado o viaduto novo, o BRT. Do outro, o Parque Olímpico. Minha casa, onde eu morei por maisa galera20 anos, virou um estacionamento dos ônibus deles. Era toda a minha história, mas para eles não é nada", conta.
Ela diz que acha interessante o país receber o evento esportivo, mas que teria sido mais útil se o legado tivesse incluído trazer jovensa galerafavelas para interagir com os atletas e se o esporte tivesse sido mais inserido nas comunidades pobres. "Sinceramente, eu não vejo legado nenhum. O próprio BRT é superlotado, porque eles tiraram as linhasa galeraônibus alimentadoras, dos bairros. O legado verdadeiro é para os ricos, para quem construiu tudo isso e vai lucrara galeracima", diz.
A Prefeitura do Rioa galeraJaneiro foi procurada para esclarecimentos mas até o fechamento desta reportagem não respondeu às solicitações.