Pontoesportes da sorte dicasvista: 'Revolta contra estupro coletivo ainda fecha os olhos para violência sexual mais comum no Brasil':esportes da sorte dicas
É esse o estupro que a gente não quer olhar nos olhos. É o estupro que pessoas que a gente conhece - ou nós mesmos - poderíamos cometer, se é que já não cometemos. É o estupro que é socialmente justificado e não é execrado pela opinião pública.
A moça que vivenciou essa violência sem tamanho merece todo nosso carinho e apoio. Mas eu também quero ver a gente se escandalizar contra os universitários que se debruçam sobre meninasesportes da sorte dicasconsciência alterada pelo álcool ou pelas drogas, o homem que força a barra quando a namorada diz "vamos parar por aqui" ou os adolescentes que convencem as priminhas mais novas, ainda crianças,esportes da sorte dicasque sexo é apenas mais um tipoesportes da sorte dicasbrincadeira.
Enquanto promovia o protesto online "Eu não mereço ser estuprada",esportes da sorte dicas2014, recebi uma sérieesportes da sorte dicasdepoimentosesportes da sorte dicasmulheres, homens e adolescentes que foram vítimasesportes da sorte dicasabuso sexual. Todos comprovavam as estatísticas. No Distrito Federal, onde vivia à época, uma pesquisa indicou que 85,2% dos estupros acontecem dentro da casa da vítima ou do agressor. Isso significa que a maioria das pessoas é estuprada por alguém que conhece. E não posso jamais esquecer que a pesquisa do Ipea (Institutoesportes da sorte dicasPesquisa Econômica Aplicada) que mobilizou a manifestação nos revelou que nada menos que umesportes da sorte dicascada quatro brasileiros acredita que mulheres que mostram muito o corpo merecem ser atacadas. Merecem.
Quando eu, aos 27 anos, resolvi falar pela primeira vez a meu pai sobre o abuso sexual que havia sofrido na infância e ele, bom pai que é, resolveu encarar o abusador (que é da minha família), ouviesportes da sorte dicasalguns parentes que eu estava ressuscitando assuntosesportes da sorte dicasmil-novecentos-e-bolinha para destruir a minha família e que, se amava nossa união, deveria ficar calada e que: "Ah, mas isso era apenas brincadeiraesportes da sorte dicascrianças, você está exagerando". Como se ameaçar uma meninaesportes da sorte dicas5 anos a tirar a roupa e deixar que você deite sobre o corpo dela para não ser mordida por um doberman agressivo fosse um entretenimento perfeitamente saudável.
Escrevo este artigo esperando os comentários assustadoresesportes da sorte dicasque "peraí, quem te abusou era menoresportes da sorte dicasidade? Ah! Mas isso não é estupro, né, é curiosidadeesportes da sorte dicasmenino, homem é assim mesmo". E será que é este "assim mesmo" que nós queremos para nossos homens? Ou seja, estupro coletivo não pode, mas se valer da confiançaesportes da sorte dicasuma menina ingênua e amedrontada daesportes da sorte dicasfamília, ah, isso é tudo bem. E se a mulher foi atéesportes da sorte dicascasa, aí é tudo bem também. Se bebeu demais, idem. Se não era "moçaesportes da sorte dicasfamília", poxa, mas então ela tava pedindo, deve ter até gostado.
Me lembro sempre da história da Maria (nome fictício), uma mulheresportes da sorte dicasmaisesportes da sorte dicas40 anos que me escreveu à época da minha campanha contra o estupro pra contar essa história: aos 14 anos, Maria saiu do banho como sempre fez por toda a vida, enrolada na toalha. O avô a puxou pelo braço e a estuprou. Pense que depois desse trauma horrível, a pequena Maria teve a coragem hercúleaesportes da sorte dicascontar o ocorrido à avó. Sabe o que a mulher disse? Que a culpa era dela por tê-lo provocado "desfilando o corpo seminu pela casa". Maria acreditou na avó. Acreditou até a campanha que fizemos e me escreveu para agradecer a libertação que era, finalmente e depoisesportes da sorte dicastantos anos, reconhecer-se como vítima.
Eu queria que você, leitora e leitor, se indignasse contra o meu abuso e o estuproesportes da sorte dicasMaria. Eu queria que você nos olhasse nos olhos porque nós somos o rosto do estupro no Brasil. Nós somos o estupro que você ajudou a justificar.
* Nana Queiroz é diretora executiva da Revista AzMina (Facebook.com/revistaazmina), autora do livro "Presos Que Menstruam" e roteirista da sérieesportes da sorte dicasmesmo nomeesportes da sorte dicasprodução. Também é criadora do protesto "Eu Não Mereço Ser Estuprada". É jornalista pela USP e especialistaesportes da sorte dicasRelações Internacionais pela UnB.