Tim Vickery: Aos 55 anos, 'GarotaIpanema' mostra que precisamoshomens mais afinados com o século 21:
Será que hojedia alguém tão letrado comporia uma letra com as mesmas suposições subjacentes? Já passaram 55 anos desde que GarotaIpanema nasceu, décadasque os papéis tradicionaishomem e mulher mudaram bastante - ou pelo menos foram sacudidos.
Trata-se, obviamente,um processo aindacurso, e que talvez não tenha saído da fase inicial.
Às vezes fico chocado com papéis tradicionaisgênero assumidos naturalmente por jovens brasileiros. Houve muito progresso, mas ainda há mulheres decorativas e eternamente infantis que só podem ter vida independente nas brechas permitidas pelo homem provedor que manda, com a cola nocivaciúmes mantendo as pessoas presas e incapazesse desenvolver.
Esse modelo ainda existe, se reproduz e contamina.
O Brasil, é claro, não passou pela ruptura que aconteceu na Segunda Guerra Mundial na Europa e nos Estados Unidos: como os homens foram para as Forças armadas, As mulheres tiveram que substituí-los nas fábricas.
Depois do conflito, houve tentativasbotá-lasvolta no papel anterior, o da submissa do lar. Mas muitas dessas tentativas foram resistidas pelas mulheres, que, depoister um gostinhoindependência, só queriam mais.
No Brasil as mudanças têm sido mais suaves, mas acontecem pelo mesmo motivo - é a economia (uma palavra feminina!) que manda.
Avanços tecnológicos reduzem a necessidade do poder braçal. Cada vez mais os tradicionais empregos masculinos são destruídos - uma máquina faz melhor e nem cobra salário.
Enquanto isso, a expansão do setorserviços cria empregos onde as mulheres se destacam. O velho modelo, com as suas certezas, já não se aplica.
E como estamos lidando com a mudança? Ouvi pouco tempo atrás,um grande jornalista local com a experiênciaquem morouvários países, o seguinte: "A mulher brasileira sabe como poucas combinar força com ternura - realmente uma combinação admirável".
Claramente nem toda mulher pode ou quer virar uma titã da indústria. O livre desenvolvimentotodos permite a escolhaum papel mais tradicional, desde que se trateuma escolha.
Mais preocupante, eu acho, é a situação dos homens. Pesquisas na Europa mostram que são os homens que têm a maior probabilidadeapoiar os partidos políticos com programas anti-imigração, e dá para concluir que isso tem tudo a ver com a sensaçãoameaça aos empregos.
Mas a realidade é que, na luta para preservar os velhos empregos industriais, o imigrante é omenos. É a tecnologia que tirou, tira, e vai tirar muito mais.
Pode botar mais seguro-desemprego, que não resolve. O problema central é a perdastatus,papel eautoestima representados por um emprego digno.
Lidar com isso, se adaptar para a nova realidade, conviver com uma parceira que talvez ganhe mais e tenha mais possibilidades - tudo isso representa um desafio enorme para os homens.
Precisamosum novo homem brasileiro, capazmudar para não ficar desafinado no século 21.
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formadoHistória e Política pela UniversidadeWarwick.
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